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EUDR: desafios e oportunidades para o agronegócio brasileiro

26/06/25

Meio Ambiente

EUDR: desafios e oportunidades para o agronegócio brasileiro

Para Rodrigo Lima, sócio-diretor da consultoria Agroicone e docente do curso Agro e Meio Ambiente, nova regulamentação europeia pode excluir produtores sem reduzir desmatamento

A Regulamentação da União Europeia sobre Produtos Livres de Desmatamento (EUDR) representa um marco significativo no comércio internacional de commodities agrícolas. Com entrada em vigor prevista para 30 de dezembro de 2025 para grandes operadores e comerciantes e para 30 de junho de 2026 para micro e pequenas empresas, a norma estabelece que produtos como soja, carne bovina, café e madeira só poderão ser importados pela UE se comprovadamente não estiverem associados a desmatamento posterior a 31 de dezembro de 2020, independentemente de sua legalidade segundo as leis dos países produtores.

O Brasil, classificado pela União Europeia como país de “risco médio” para desmatamento, enfrenta desafios únicos nesse contexto. Embora o Código Florestal brasileiro permita o desmatamento legal em determinadas circunstâncias, a EUDR adota uma abordagem de “desmatamento zero” — criando um descompasso entre as legislações, o que pode impactar significativamente as exportações brasileiras para o bloco europeu.

A complexidade logística e documental exigida pela regulamentação levanta preocupações sobre custos adicionais, exclusão de pequenos produtores e possíveis movimentos oportunistas no mercado. Um navio de 80 mil toneladas de soja, por exemplo, pode conter grãos de centenas de fazendas diferentes, cada uma com dezenas de talhões que precisariam ser rastreados individualmente.

Diante desse cenário, surgem questionamentos sobre a eficácia da medida em alcançar seus objetivos ambientais e sobre os impactos econômicos e sociais nas cadeias produtivas. Para discutir essas questões, conversamos com Rodrigo Lima, sócio-diretor da Agroicone, consultoria especializada em sustentabilidade no agronegócio. Com 21 anos de experiência em negociações internacionais sobre comércio e desenvolvimento sustentável, Lima é doutor em Direito das Relações Econômicas Internacionais pela PUC-SP e possui ampla expertise em regulamentações da OMC, Acordo de Paris e outros foros multilaterais. É também um dos docentes do curso Agro e Meio Ambiente, promovido pelo Insper Agro Global — as aulas da próxima turma se iniciam em 25 de agosto.

 

Como a EUDR vai afetar as principais cadeias produtivas do agro brasileiro?

O objetivo da União Europeia com a EUDR é controlar o desmatamento nas cadeias produtivas, focando no impacto de carbono e na perda de biodiversidade — objetivos importantes e inquestionáveis do ponto de vista multilateral. O problema é que, da forma como foi proposta, a regulamentação torna-se complexa de cumprir e traz muita incerteza para os operadores do mercado. A EUDR define desmatamento zero a partir de 31 de dezembro de 2020, não importando se é legal ou ilegal. Ao mesmo tempo, exige que operadores obtenham informações fidedignas sobre o cumprimento de legislações ambientais relevantes. Isso cria uma contradição: o Brasil tem o Código Florestal, que permite desmatamento legal, mas a UE não aceita nenhum tipo de desmatamento. Esse é o primeiro ponto nevrálgico da discussão.

 

Qual o principal desafio logístico para atender aos requisitos da EUDR?

A questão é extremamente complexa do ponto de vista de rastreabilidade. Um navio de soja de 80 mil toneladas pode conter grãos de muitas fazendas diferentes. A EUDR exige informações por “plot of land” — cada talhão dentro de uma fazenda. Se uma fazenda tem 25 talhões de soja, essas informações precisam ser trazidas pelos importadores e apresentadas para as autoridades europeias. Isso não é trivial, mesmo com toda a tecnologia disponível hoje, como IA, internet das coisas e blockchain. É uma questão logística muito complexa, especialmente porque não vendemos soja em contêineres ou sacas bonitinhas como o café — vendemos em navios. A segregação de grãos nesse nível é praticamente impossível, exceto para empresas que tenham rotas logísticas completamente dedicadas e controladas.

 

Como o sistema de classificação de risco impacta o Brasil?

O Brasil foi classificado como país de risco médio — o país inteiro tem o mesmo nível de risco. Isso significa que o importador europeu, ao olhar para qualquer região brasileira, vai exigir uma série de documentos para evitar ser fiscalizado e multado. O problema é que a Comissão Europeia não define detalhadamente quais documentos são necessários. Não existe um template padrão que o operador possa preencher. Isso causa incerteza enorme no mercado. Por exemplo, se um produtor tem processos trabalhistas na Justiça, isso é um problema? Ter um processo por horas extras é diferente de ter trabalho escravo, mas a regulamentação não é clara. Ela só diz que tem que cumprir todas as regras.

 

Existe risco de a EUDR não alcançar seus objetivos ambientais?

Esse é meu principal receio. Da forma como está colocada, a EUDR pode não contribuir com a redução do desmatamento e sim, simplesmente excluir regiões, áreas e produtores da possibilidade de exportar para a UE. É como se a regulamentação estivesse cumprindo o objetivo que se propõe, mas na verdade não está. A chance de criar vazamento é real — produtores excluídos do mercado europeu vão continuar vendendo para China e outros países. Além disso, pode haver movimentos oportunistas, com importadores usando o risco como argumento para negociar preços mais baixos.

 

Como a EUDR impacta pequenos e médios produtores?

Os pequenos produtores são os mais vulneráveis. Temos cerca de 2 milhões dos 2,5 milhões de pecuaristas no Brasil que são pequenos produtores. Na pecuária, o problema é ainda mais complexo por causa dos fornecedores indiretos — aqueles que produzem bezerros e não vendem diretamente aos frigoríficos. Imagine um produtor indígena na Amazônia que produz café de qualidade e poderia abrir mercado na Alemanha. Se o importador perceber muito risco na região ou falta de documentação adequada, simplesmente não compra. Excluir produtores da cadeia é lavar as mãos, fingir que está alcançando o objetivo sem realmente fazê-lo. Na prática, a Comissão Europeia “terceiriza” essa obrigação aos operadores que, por sua vez, irão exigir documentos e práticas dos exportadores.

 

O Brasil está preparado para atender às exigências da EUDR?

Temos o Cadastro Ambiental Rural (CAR), que é um instrumento importante do Código Florestal. Se funcionasse adequadamente, seria uma ferramenta valiosa para comprovar a situação ambiental das propriedades. O problema é que, após 13 anos da aprovação do Código Florestal, ainda temos falhas na implementação. São Paulo, Pará, Mato Grosso e Espírito Santo avançaram mais na validação do CAR, mas falta uma concertação em nível federal e estadual. Em dezembro passado, o Ministério da Agricultura lançou a plataforma Agro Brasil+, que pode ajudar a organizar informações sobre desmatamento, trabalho escravo e outras questões. Isso mostra que precisamos evoluir para passar informações críveis ao mercado internacional.

 

A EUDR pode impulsionar inovações e melhorias no setor?

Sim, pode trazer benefícios indiretos. Um exemplo é o “boi China” — a exigência sanitária chinesa de comprar apenas animais abatidos até 30 meses. Isso está transformando a pecuária brasileira, incentivando melhor manejo de pastagens, aumento de produtividade e redução de emissões. A EUDR pode ter efeito similar, forçando o Brasil a ser mais transparente e organizado. O problema é que está sendo feita apenas com o “chicote”, sem a “cenoura”. Se houvesse incentivos, como prêmios para produtores que comprovem práticas sustentáveis, seria muito mais eficaz.

 

Como o tema do desmatamento estará presente na COP30 em Belém?

Será central. O uso da terra é o maior setor emissor de gases de efeito estufa no Brasil, e a principal ação de mitigação é acabar com o desmatamento. Mas é importante esclarecer que o desmatamento tem múltiplos vetores — não é só agropecuária. Cerca de 32% do desmatamento na Amazônia acontece em terras públicas não destinadas. Há crime organizado, tráfico de drogas, mineração ilegal. A COP30 é uma oportunidade para mostrar que a agricultura é impactada pelas mudanças climáticas, mas também oferece soluções. Precisamos de implementação real: recuperação de áreas degradadas, sistemas integrados, bioinsumos. São transformações que podem impulsionar a agricultura como solução para segurança alimentar e energética.

Essas questões complexas sobre regulamentação ambiental e comércio internacional são abordadas no curso Agro e Meio Ambiente do Insper, onde você leciona. Como o curso dialoga com esses temas?

O curso aborda exatamente essas questões que discutimos hoje — agendas de clima, biodiversidade e comércio internacional. Analiso as barreiras comerciais e como o Brasil está ou não preparado para enfrentá-las. A EUDR é um exemplo muito contundente de como os requisitos ambientais chegaram definitivamente ao comércio internacional. No curso, discutimos como gerir essas demandas, ter documentação adequada e conseguir demonstrar conformidade. É fundamental entender que isso não é uma tendência passageira — é a nova realidade do agronegócio global. O curso é uma oportunidade para profissionais do setor se aprofundarem nessas questões cruciais para o futuro do agro brasileiro.

 

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