Licenciamento ambiental: o que muda com o PL 2.159/2021 e quais os impactos para o agro
23/06/25 - Leandro Steiw | Gabriela Mota da Cruz
Meio Ambiente | Política | Uso da Terra

Projeto aprovado no Senado em maio propõe simplificação de regras, cria novas categorias de licença e levanta discussões sobre segurança jurídica, efetividade ambiental e imagem internacional do Brasil
Aprovado pelo Senado em maio de 2025, o Projeto de Lei nº 2.159/2021 propõe uma Lei Geral de Licenciamento Ambiental no Brasil. O objetivo central é criar regras nacionais mais uniformes para os procedimentos e prazos de emissão de licenças ambientais, substituindo a atual regulamentação baseada na Resolução CONAMA nº 237/1997 e em normas estaduais. A medida busca reduzir a assimetria existente entre os estados e oferecer maior segurança jurídica para diferentes setores, incluindo o agronegócio.
Atualmente, o licenciamento ambiental no Brasil segue, na maioria dos casos, um modelo trifásico, que inclui três etapas distintas: a Licença Prévia (LP), a Licença de Instalação (LI) e a Licença de Operação (LO). Esse processo, além de exigir estudos detalhados de impacto ambiental, pode ser longo e custoso, especialmente para empreendimentos de médio porte.
Uma das principais mudanças trazidas pelo PL é a dispensa de licenciamento ambiental para atividades classificadas como de baixo impacto, como a agricultura e a pecuária extensiva e semi-intensiva. Mesmo com essa isenção, os produtores continuam obrigados a cumprir integralmente o Código Florestal, o que inclui a inscrição no Cadastro Ambiental Rural (CAR), a manutenção de Áreas de Preservação Permanente (APPs) e de Reserva Legal (RL), além da adesão ao Programa de Regularização Ambiental (PRA), quando necessário. No caso de conversão de áreas com vegetação nativa, permanece a exigência de autorização prévia para supressão, independentemente da dispensa de licenciamento para as demais fases da atividade.
Outro ponto de destaque é a proposta de ampliar o uso da Licença por Adesão e Compromisso (LAC), um modelo de licenciamento ambiental simplificado. Nesse formato, o empreendedor declara o cumprimento de requisitos legais e assume as responsabilidades ambientais, sem a necessidade de análise técnica prévia por parte do órgão licenciador. Segundo o estudo da FGV Bioeconomia, coordenado por Leonardo Munhoz, o texto do PL 2.159/2021 permite a aplicação da LAC também para atividades de médio impacto, o que representa uma mudança em relação ao padrão atual, em que a LAC é restrita a atividades de baixo impacto. O estudo destaca que essa proposta pode gerar questionamentos jurídicos, já que decisão recente do Supremo Tribunal Federal (ADI 6618) estabeleceu que esse tipo de licença simplificada deve ser aplicado apenas a atividades de pequeno potencial de impacto ambiental.
O mesmo estudo aponta que o Brasil possui um dos marcos regulatórios mais rigorosos para o setor agropecuário, quando comparado a países como Estados Unidos, África do Sul e Austrália. Nos Estados Unidos, por exemplo, a regulação federal incide apenas sobre grandes sistemas intensivos de produção animal (CAFOs), com foco em controle de poluição hídrica. Na África do Sul, o licenciamento ambiental é exigido apenas para conversão de vegetação nativa superior a 300 m² ou para agricultura em áreas acima de 100 hectares. Na Austrália, o licenciamento federal só é acionado em casos de impacto sobre áreas ambientalmente sensíveis, como habitats de espécies ameaçadas ou patrimônio indígena.
Ainda segundo a FGV Bioeconomia, a proposta de uma lei geral busca reduzir as diferenças entre os estados, mas tem gerado discussões sobre os efeitos dessa uniformização, especialmente porque hoje os estados adotam regras distintas e possuem diferentes níveis de estrutura técnica para implementar o licenciamento ambiental. O estudo destaca que uma mesma atividade pode exigir licenciamento em um estado e ser isenta em outro, o que atualmente gera incerteza para os produtores.
Outro aspecto tratado no estudo diz respeito à integração do novo marco com outras legislações recentes, como a nova Lei de Bioinsumos (Lei nº 15.070/2024). A produção de bioinsumos dentro das próprias fazendas (produção on farm) foi regulamentada pela nova lei com um processo simplificado, baseado em boas práticas agrícolas e em um cadastro de produtores. No entanto, o PL 2.159/2021 não isenta esse tipo de atividade do licenciamento ambiental, o que pode gerar interpretações diferentes entre as duas normas até que haja uma regulamentação mais clara.
Nesta entrevista para o Insper Agro Global, a advogada Fernanda A. Tanure, sócia da área de Ambiente, Clima e Mineração do BMA Advogados, comenta os impactos jurídicos, políticos e ambientais do PL 2.159/2021, com foco nos efeitos para o agronegócio e para a imagem internacional do Brasil*.
O projeto atual contraria decisões anteriores do STF sobre licenciamento ambiental? O que isso representa em termos jurídicos?
O Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da ADI 5014 sobre a Lei baiana nº 12.377/2011, declarou a inconstitucionalidade da previsão de Licenciamento por Adesão e Compromisso (LAC) para atividades de médio impacto ambiental, mantendo sua constitucionalidade apenas para atividades de baixo impacto.
Na versão atual do PL 2.159/2021, está prevista a possibilidade de aplicação do LAC para atividades e empreendimentos classificados, simultaneamente, como de pequeno ou médio porte e de baixo ou médio potencial poluidor. Isso pode ser interpretado como uma possível tensão com o entendimento firmado pelo STF na ADI 5014.
Contudo, é importante observar que a decisão da Corte teve como fundamento o fato de a lei estadual permitir uma modalidade de licenciamento considerada menos restritiva do que aquela prevista em âmbito federal, especialmente pela Resolução Conama nº 237/1997. O PL 2.159/2021, por outro lado, busca uniformizar as regras para todos os entes federativos, eliminando o conflito entre normas estaduais e federais. Além disso, o projeto impõe condições adicionais cumulativas para o uso do LAC, como a vedação à supressão de vegetação nativa.
Ainda assim, o precedente do STF pode servir de base para questionamentos judiciais futuros, o que tende a gerar insegurança jurídica para empreendedores e órgãos licenciadores, diante da possibilidade de judicialização prolongada sobre a validade da norma.
Qual o risco de a categoria de licença estratégica virar um instrumento político para favorecer aliados ou liberar projetos controversos?
A inclusão, pelo Senado, da modalidade de Licenciamento Ambiental Especial (LAE) para Atividades ou Empreendimentos Estratégicos no PL 5.159/2021 tem gerado atenção por parte de especialistas e operadores do Direito Ambiental. Isso porque o projeto prevê que a definição do que será considerado “estratégico” será feita por decreto, com base em proposta bianual do Conselho de Governo. Ou seja, a cada dois anos, um ato do Poder Executivo poderá indicar, de forma individualizada, quais atividades e empreendimentos estarão sujeitos a esse rito especial de licenciamento.
A modalidade prevê um procedimento monofásico, com prazo máximo de 12 meses para emissão da licença, que poderá ter validade entre 5 e 10 anos. Dada a possibilidade de definição governamental sobre o que se enquadra como “estratégico”, existe o risco de que o instrumento seja interpretado ou utilizado como meio para acelerar projetos específicos durante um determinado mandato, com critérios que podem variar conforme a gestão em curso.
Ressalta-se que a LAE poderá ser aplicada em todas as esferas federativas — federal, estadual, distrital e municipal —, respeitada a competência de cada ente. Além disso, caberá ao órgão licenciador competente definir, em cada caso, os documentos, estudos e exigências ambientais aplicáveis, o que pode gerar variações relevantes na aplicação prática do instrumento.
Importante destacar que essa modalidade não se confunde com empreendimentos militares, os quais, conforme já previsto na legislação vigente, não estão sujeitos ao processo de licenciamento ambiental, e, portanto, não são objeto da LAE.
Mas já existia, na situação anterior ao PL, algum risco de uso do licenciamento como instrumento político?
Riscos de interferência política no processo de licenciamento não são exclusivos do novo marco legal. Ainda que o licenciamento seja um direito do empreendedor que cumpre os requisitos legais e ambientais, há situações em que o processo pode ser interpretado ou conduzido como um ato de natureza discricionária. Em alguns casos, isso resulta na imposição de condicionantes excessivas ou na negativa da licença mesmo quando os parâmetros técnicos estariam atendidos.
É importante destacar que o licenciamento comporta uma margem de apreciação técnica, especialmente na definição de condicionantes ambientais. No entanto, qualquer negativa ou exigência adicional deve ser devidamente motivada, com base em fundamentos legais e estudos que justifiquem a decisão administrativa.
Há também exemplos de pressões externas que ocorrem em etapas paralelas ao licenciamento propriamente dito — como na exigência de apresentação da Certidão de Uso e Ocupação do Solo emitida pelos municípios. Esse documento, essencial para a instalação de empreendimentos, pode, em alguns casos, ter sua emissão condicionada a contrapartidas informais, como a realização de obras ou investimentos locais. Essas práticas, embora não previstas formalmente, podem gerar dúvidas sobre a finalidade do ato administrativo.
Esse tipo de cenário evidencia a importância de regras claras, uniformes e tecnicamente justificadas para o processo de licenciamento ambiental — um dos objetivos centrais do PL 2.159/2021. Ainda assim, a efetiva prevenção de interferências indevidas depende de mecanismos de controle e transparência que sigam sendo aprimorados, tanto na legislação quanto na atuação dos órgãos responsáveis.
A descentralização do licenciamento para estados e municípios sem estrutura técnica é viável?
Primeiramente, é importante esclarecer que a Constituição Federal de 1988 atribuiu como competência comum entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios a proteção ao meio ambiente e o combate à poluição. Coube à Lei Complementar nº 140/2011 regulamentar as normas de cooperação entre esses entes federativos. O licenciamento ambiental, enquanto instrumento de proteção ambiental, também está sujeito a essa repartição de competências.
É comum se imaginar uma hierarquia entre os entes federativos, com a União acima dos Estados e estes acima dos Municípios. No entanto, essa não é a lógica do ordenamento jurídico brasileiro. Cada ente possui competência própria, conforme estabelecido na LC 140/2011, nos artigos 7º (União), 8º (Estados), 9º (Municípios) e 10 (Distrito Federal).
No caso da União, além das competências previstas na LC 140, o Decreto Federal nº 8.437/2015 define as tipologias de empreendimentos sujeitos ao licenciamento pelo Ibama. Os Municípios, por sua vez, são responsáveis pelo licenciamento de empreendimentos de impacto ambiental local, conforme tipologia definida pelos respectivos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente, com base em critérios como porte, potencial poluidor e natureza da atividade. Já os Estados exercem uma competência residual, ou seja, para atividades que não se enquadram nas competências da União nem dos Municípios. O Distrito Federal, por sua natureza híbrida, acumula as competências estaduais e municipais.
Historicamente, observou-se no Brasil que os Estados regulamentaram o licenciamento ambiental antes dos Municípios — como São Paulo (1976 – ainda em vigor), Rio de Janeiro (1977) e Bahia (1980). Com isso, os Estados já possuíam normas e listas próprias de atividades licenciáveis. Após a publicação da LC 140/2011, os Municípios passaram a assumir suas competências com maior robustez. Na prática, portanto, a estruturação seguiu uma trajetória distinta daquela originalmente prevista, mas atualmente vivemos um momento de consolidação da competência municipal, inclusive por meio de delegações formais feitas pelos Estados.
Tanto para que o Município exerça sua competência originária quanto para que ocorra a delegação de competência — também chamada de municipalização do licenciamento —, é necessário que ele atenda a alguns requisitos: possuir órgão ambiental próprio e capacitado, com número adequado de técnicos habilitados; dispor de Conselho Municipal de Meio Ambiente; e contar com legislação ambiental própria (conforme os arts. 5º e 15 da LC 140/2011).
A viabilidade da delegação é avaliada e formalizada pelos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente, que analisam a capacidade técnica do Município para definir quais tipos e portes de empreendimentos poderão ser por ele licenciados.
Dessa forma, a descentralização do licenciamento só se efetiva quando há estrutura mínima instalada para absorver a competência atribuída, conforme previsto na própria Lei Complementar 140/2011.
Imagina-se que esse processo de preparo técnico é longo. Ou seja, o município que, hoje, não está preparado ainda não estará preparado nos próximos anos.
A capacitação dos entes federativos para exercer plenamente suas competências em licenciamento ambiental é, de fato, um processo gradual, que demanda políticas públicas consistentes e contínuas. Trata-se de uma pauta prioritária, que exige investimento estruturado nos órgãos ambientais para garantir equipes técnicas qualificadas, com formação atualizada e capacidade de acompanhar a evolução normativa e tecnológica do setor.
Um dos principais desafios enfrentados atualmente no país está relacionado à limitação estrutural de muitos órgãos ambientais, que operam com quadro reduzido de servidores e recursos insuficientes para a informatização e a gestão integrada dos processos. Essas fragilidades impactam diretamente a eficiência, a previsibilidade e a qualidade técnica das análises.
O estado de São Paulo oferece um exemplo relevante de como o investimento institucional pode gerar avanços significativos. A CETESB [TAN1] — Companhia Ambiental do Estado de São Paulo — possui um histórico consolidado de capacitação técnica, inclusive por meio de parcerias internacionais. Um convênio firmado com a GIZ (agência alemã de cooperação) possibilitou a transferência de conhecimento aplicado, especialmente no desenvolvimento de diretrizes administrativas e na estruturação do sistema de gerenciamento de áreas contaminadas, inspirado no modelo alemão.
Esse preparo técnico fez da CETESB uma referência nacional, a ponto de ser frequentemente procurada por empreendedores interessados em obter licenças mesmo em situações nas quais o licenciamento não seria de sua competência ou seria dispensável. Nesses casos, o órgão nega formalmente os pedidos, conforme previsto na legislação, mas a procura reflete o reconhecimento de sua credibilidade e da segurança jurídica associada às suas análises.
Quando o órgão licenciador dispõe de estrutura adequada, o licenciamento tende a ser mais célere, técnico e previsível — reduzindo riscos regulatórios, disputas administrativas e eventuais entraves a projetos estratégicos.
A isenção da pecuária extensiva do licenciamento contribui para reduzir custos ou abre margem para mais degradação ambiental?
A isenção pode, sim, contribuir para a redução de custos operacionais, mas isso não significa ausência de obrigações legais. A atividade pecuária extensiva continua sujeita ao cumprimento do Código Florestal, que desde 2012 exige, por exemplo, o Cadastro Ambiental Rural (CAR). Esse cadastro deve conter informações sobre as Áreas de Preservação Permanente (APPs) e Reserva Legal da propriedade. Caso o produtor não esteja em conformidade com a legislação, deverá aderir ao Programa de Regularização Ambiental (PRA), apresentando um plano de recuperação.
Bem ainda, é mantida obrigatoriedade de obtenção de autorização de supressão de vegetação, outorga para uso de recursos hídricos, entre outros atos autorizativos.
O importante para garantir que não haja um aumento da degradação ambiental é a efetividade no monitoramento da qualidade ambiental da região e a execução das atividades de fiscalização.
Como a nova lei impacta o acesso do agro a mercados internacionais que exigem rastreabilidade e regularidade ambiental?
A nova lei pode ter impactos indiretos sobre o acesso a mercados internacionais, especialmente aqueles que exigem comprovação de conformidade socioambiental em toda a cadeia de fornecimento. Diversas regulações internacionais já em vigor ou em fase de implementação têm estabelecido exigências crescentes sobre rastreabilidade e conformidade ambiental. Entre elas, destaca-se o Green Deal Europeu, que inclui o Regulamento Europeu de Produtos Livres de Desmatamento (EUDR) — aplicável a produtos como carne bovina, soja, café, cacau e derivados —, a Diretiva de Devida Diligência de Sustentabilidade Corporativa, com vigência prevista para julho de 2027, e a Lei Alemã de Devida Diligência em Cadeias de Fornecimento (LDCF). Além disso, o Mecanismo de Ajuste de Carbono na Fronteira (CBAM) passará a ser aplicado de forma permanente em 2026.
Nesse contexto, espera-se que os produtores e exportadores busquem comprovar a rastreabilidade da legalidade e a conformidade ambiental de suas áreas produtivas. Embora o licenciamento ambiental continue sendo um importante instrumento de regulação no Brasil, ele não é o único meio de demonstrar regularidade. Esse modelo representa uma mudança em relação à abordagem tradicional de comando e controle, ao incorporar exigências de due diligence por parte das empresas contratantes, que tendem a cobrar conformidade de seus fornecedores, independentemente da exigência formal de licenciamento.
Para atividades agropecuárias dispensadas de licenciamento, por exemplo, instrumentos como o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e a adesão ao Programa de Regularização Ambiental (PRA) seguem como meios relevantes de comprovação de atendimento à legislação ambiental.
Então, vai haver algum impacto no acesso a esses mercados?
É razoável considerar que sim. A adoção de novos instrumentos e parâmetros exigirá um período de adaptação por parte dos diversos atores envolvidos — tanto do setor público quanto dos agentes privados, nas relações comerciais internacionais. A conformidade ambiental tende a se tornar um elemento central nas tratativas comerciais, independentemente da exigência legal de licenciamento no país de origem.
Esse cenário também pode representar uma oportunidade para certificadoras independentes, que passam a desempenhar papel relevante na verificação de práticas ambientais. Essas certificações podem ir além da comprovação de ausência de desmatamento, incluindo também parâmetros de sustentabilidade, integridade ambiental e avaliação de risco climático.
E quais cadeias produtivas estão mais vulneráveis à fragilização do licenciamento? Há risco de retrocesso nas cadeias sustentáveis?
Cadeias produtivas voltadas à exportação, especialmente aquelas integradas a mercados com elevado grau de exigência socioambiental — como soja, carne bovina e madeira — estão mais expostas à necessidade de comprovar regularidade ambiental com elevado grau de rastreabilidade e transparência.
Por outro lado, cadeias produtivas vinculadas a empresas multinacionais ou grupos com compromissos ESG assumidos publicamente tendem a manter seus padrões de conformidade ambiental, independentemente de eventuais flexibilizações internas, dado o escrutínio internacional contínuo por parte de consumidores, investidores e governos estrangeiros.
Com a crescente responsabilização ambiental ao longo da cadeia de fornecimento, impulsionada por normas estrangeiras, a tendência é de manutenção — e até fortalecimento — dos critérios de sustentabilidade em setores mais expostos ao comércio internacional. Isso reforça a necessidade de mecanismos consistentes de comprovação, inclusive para atividades eventualmente dispensadas de licenciamento formal.
Em novembro, as atenções estarão voltadas para a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP30), que será realizada em Belém, no Pará. Como essa flexibilização no licenciamento pode impactar o papel do Brasil em tratados ambientais e em negociações internacionais?
A COP30 será uma vitrine importante para apresentar as contribuições do Brasil à agenda ambiental global. O país possui diversos ativos ambientais reconhecidos, como uma matriz energética predominantemente limpa, o uso consolidado de etanol e de biocombustíveis como o biodiesel e o biogás — considerados alternativas estratégicas para a transição energética —, além do avanço em soluções baseadas na natureza, como bioinsumos e restauração ecológica.
Ao mesmo tempo, o cenário nacional apresenta desafios e tensões regulatórias que podem repercutir nas discussões multilaterais. Exemplo disso é o projeto de lei em discussão, cujas propostas — como a criação de uma licença especial para projetos estratégicos — podem ser vistas como desalinhadas com o movimento internacional de fortalecimento da proteção ambiental.
Historicamente, mudanças legislativas relevantes nessa área tendem a ser judicializadas, como ocorreu com o Código Florestal, que teve diversos dispositivos questionados no STF. A tendência é que o novo marco do licenciamento, se aprovado como está, também seja submetido ao crivo judicial. Isso pode gerar incertezas para investidores e dificultar a comunicação institucional do país em fóruns internacionais.
Por outro lado, a proposta também contempla aspectos positivos, como a integração entre bases de dados ambientais e a padronização de procedimentos entre os entes federativos, o que pode aumentar a eficiência e a transparência dos processos. A utilização de dados já disponíveis para subsidiar novas análises tem potencial para acelerar a tramitação sem comprometer a qualidade técnica das decisões.
Um dos pontos frequentemente mencionados em críticas ao PL é a ausência de abordagem específica para as questões climáticas. Contudo, é importante destacar que, embora o licenciamento ambiental seja um dos instrumentos centrais de controle, ele não é, por si só, o canal exclusivo para tratar de mudanças climáticas. Em diversos países, aspectos climáticos são abordados por outros instrumentos normativos e políticas específicas, não necessariamente inseridos nos processos de licenciamento. Levantamentos comparativos indicam que a integração direta de metas climáticas aos procedimentos de licenciamento ainda não é uma prática global.
Assim, o novo marco do licenciamento ambiental pode representar um avanço institucional importante se vier acompanhado de reforço técnico e normativo. Entretanto, sua compatibilidade com os compromissos internacionais do Brasil será um tema sensível no contexto da COP30, exigindo uma comunicação clara por parte do país sobre os instrumentos adotados para assegurar a proteção ambiental e o cumprimento de metas climáticas.
* As opiniões expressas na entrevista são de responsabilidade da entrevistada, e não representam, necessariamente, a opinião do Insper Agro Global.
Fernanda A. Tanure é sócia da área de Ambiente, Clima e Mineração do BMA, com atuação destacada no contencioso administrativo e judicial, e na solução estratégica de conflitos ambientais. Possui larga experiência no direito ambiental, atuando tanto no Poder Público como na advocacia privada. Sua atuação mais recente foi como Gerente do Departamento Jurídico da CETESB – Companhia Ambiental do Estado de São Paulo e, na advocacia privada, Fernanda atuou em casos de relevância nacional e internacional, sempre lidando no contencioso (com grande quantidade de ações judiciais, sejam coletivas ou individuais) e no consultivo da matéria ambiental.
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