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O que está acontecendo com os preços dos alimentos?

27/02/25 - Victor Martins Cardoso | Leandro Gilio

Macroeconomia | Segurança Alimentar

O que está acontecendo com os preços dos alimentos?

Mesmo com a desaceleração da inflação em janeiro, a alta persistente nos preços dos alimentos mantém a pressão sobre o orçamento das famílias e desafia as políticas do governo

A inflação mensal, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), recuou de 0,52% para 0,16% em janeiro, atingindo o menor nível para o mês desde o início da série histórica em 1994, após a implementação do Plano Real. Apesar desse resultado positivo, a persistente alta nos preços dos alimentos preocupa tanto a sociedade quanto o governo. Nos últimos 12 meses, a categoria de alimentação e bebidas — a mais relevante no cálculo do IPCA — acumulou alta de 7,3%, muito acima do 1,8% registrado em janeiro de 2024.

 

A inflação dos alimentos impacta significativamente o orçamento das famílias, sobretudo as de baixa renda, que destinam uma parcela maior de sua renda para itens essenciais - famílias com renda de até dois salários-mínimos destinam cerca de 22% do orçamento em alimentação, segundo a última pesquisa de orçamentos familiares (POF – IBGE). Diante desse cenário, o governo discute medidas para conter a escalada dos preços, incluindo crédito subsidiado ao produtor rural, controle de tarifas de importação e mudanças nas regras do vale-refeição e do vale-alimentação. No entanto, a eficácia dessas medidas depende de um diagnóstico preciso das causas do problema.

Vários fatores explicam a alta dos preços dos alimentos conjuntural nos últimos meses. A desvalorização do real, o aquecimento do mercado de trabalho, condições climáticas adversas e particularidades da produção agrícola contribuem para essa tendência. Vale destacar que essa pressão inflacionária não é recente: desde 2020, os alimentos acumularam alta de 55%, enquanto a inflação geral ficou em 33% no mesmo período1.

Nesse contexto, alguns produtos merecem especial destaque. As carnes, principalmente a bovina, registraram uma das maiores altas acumuladas até janeiro de 2025. Nos últimos 12 meses, os preços subiram 21,2%, contrastando com a tendência baixista observada no início de 2024. Esse aumento está atrelado à escalada do preço da arroba do boi gordo desde setembro passado, quando uma severa estiagem, agravada por queimadas, reduziu a oferta de animais enquanto a demanda permaneceu forte. Em novembro de 2024, a arroba do boi gordo atingiu a máxima de R$ 350 e, embora tenha recuado, segue em patamar elevado, ao redor de R$ 315.

O café também foi duramente afetado por condições climáticas adversas. A combinação de seca, geadas, chuvas intensas e um fenômeno El Niño mais intenso contribuiu para uma inflação acumulada de 50,4% no setor até janeiro de 2025. Além disso, problemas na produção do Vietnã, o segundo maior produtor global, elevaram os preços internacionais. Em janeiro, os contratos futuros de café arábica em Nova York subiram 29,3%, enquanto no Brasil o café moído ficou 8,6% mais caro. As projeções do Itaú BBA indicam que a safra de café 2025/26 será de 64,4 milhões de sacas, uma redução de 3% em relação ao ciclo anterior, o que pode sustentar a tendência de alta dos preços.

Outro produto em destaque é o óleo de soja, cujo preço tem subido nos últimos meses. A forte alta no preço do azeite, causada pelo calor extremo que prejudicou as oliveiras nos principais países produtores, levou consumidores a optarem pelo óleo de soja como alternativa. Com a demanda redirecionada, os preços desse produto dispararam, acumulando alta de 24,6% nos últimos 12 meses. Para conter essa escalada, o governo suspendeu o aumento da mistura obrigatória de biodiesel no diesel comum, que passaria de 14% para 15%, como forma de evitar um aumento ainda maior do preço do óleo — já que grande parte do biodiesel brasileiro é produzido a partir da soja.

Além da carne, do café e do óleo de soja, outros produtos também registraram aumentos expressivos:

  • Ovos: o preço da caixa com 30 dúzias atingiu R$ 227, um recorde, segundo o Cepea/Esalq. As ondas de calor reduziram a produtividade das aves, enquanto o preço da ração vem subindo desde setembro do ano passado;
  • Cacau: a crise agrícola em países africanos, responsáveis por 54% da produção global, reduziu a oferta e impulsionou os preços internacionais do produto, afetando também o custo do chocolate;
  • Frutas: a seca e as altas temperaturas no Brasil encareceram diversas frutas. O abacate (+68,7%), a tangerina (+68,6%) e a laranja-lima (+59,6%) registraram as maiores altas nos últimos 12 meses.

A alta dos alimentos não é um fenômeno isolado, mas parte de um cenário mais amplo de instabilidade na produção agropecuária, tanto nacional quanto global -– segundo dados do índice de preços dos alimentos globais levantados pela FAO (FAO Food Price Index), desde 2020 registra-se alta de 26%2. Eventos climáticos extremos têm impactado cada vez mais a oferta. Além disso, tensões geopolíticas e medidas protecionistas aumentam a volatilidade nos mercados de commodities, afetando fortemente os custos para os produtores em nível global. A taxa de câmbio também é um fator crucial: em períodos de incerteza, investidores migram para ativos mais seguros, como o dólar, desvalorizando o real e encarecendo produtos importados. As altas taxas de juros, no mundo e consequentemente no Brasil, também elevam custos de investimentos produtivos e reduzem o dinamismo no setor — no contexto brasileiro, a recente suspensão do Plano-Safra e redução das linhas de crédito com juros subsidiados agravam essa questão.

Por fim, os desafios estruturais do Brasil — como gargalos logísticos, déficit de armazenagem, elevada carga tributária e um certo grau de insegurança jurídica — também influenciam na alta de preços e dificultam o planejamento de investimentos de produção. No entanto, não existem soluções fáceis ou saídas de curto prazo. Políticas que por vezes são ventiladas pelo governo, como diminuição de tarifas de importação de alimentos ou tentativas de estoques públicos, historicamente, quando utilizadas no Brasil, não trouxeram os resultados esperados – algumas, inclusive, desestimulam a produção e geram um efeito contrário de aumento de preços no longo prazo.

Para garantir maior previsibilidade nos preços e reduzir o impacto sobre a população, é essencial que políticas públicas e estratégias de produção sejam bem planejadas de forma integrada, equilibrando os interesses dos produtores e dos consumidores, visando reduzir custos de produção e elevar a capacidade produtiva nacional.

1 Ler mais aqui
2 Valor acumulado pelo índice de preços geral do FAO Food Price Index

 

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