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Adiamento da EUDR: União Europeia cede às pressões internacionais

16/10/24 - Gabriela Mota da Cruz

Comercio Internacional | Meio Ambiente

Adiamento da EUDR: União Europeia cede às pressões internacionais

canva.com

Postergação do regulamento ambiental europeu traz alívio temporário para exportadores brasileiros, mas mantém incertezas e gera críticas de ambientalistas

A União Europeia (UE) decidiu adiar a aplicação da sua lei antidesmatamento, a Regulamentação para Produtos Livres de Desmatamento (EUDR), após intensa pressão de países produtores e das próprias empresas europeias. Originalmente prevista para entrar em vigor no final de 2024, a EUDR agora deverá ser implementada em 2025 para grandes empresas e em 2026 para micro e pequenas empresas, conforme anunciado pela Comissão Europeia.

A EUDR representa uma mudança significativa no comércio internacional, exigindo que países exportadores para a UE assegurem que seus produtos não estejam associados ao desmatamento. Com foco em sete commodities essenciais (soja, carne bovina, óleo de palma, café, cacau, madeira e borracha), a EUDR impõe exigências rigorosas para garantir que esses produtos sejam oriundos de áreas livres de desmatamento a partir de uma data limite: 31 de dezembro de 2020. Essas regulamentações visam promover práticas sustentáveis e reduzir a contribuição da UE para o desmatamento global.

No entanto, a implementação dessa regulamentação apresenta desafios complexos para países exportadores, como o Brasil. Os requisitos de rastreabilidade e comprovação de origem constituem um obstáculo significativo, particularmente para comunidades tradicionais e pequenos agricultores, que muitas vezes carecem de recursos e infraestrutura para atender a essas demandas. O quadro analítico a seguir detalha os principais aspectos da EUDR, suas regras e os impactos que podem ser sentidos no Brasil.

Quadro 1 – Aspectos da EUDR que podem impactar no Brasil

Aspecto Descrição Impacto no Brasil
Diligência devida Exportadores fora da UE devem provar que seus produtos são provenientes de áreas livres de desmatamento desde 2020. Isso inclui a coleta de dados geográficos e ambientais das áreas de produção, a fim de comprovar a conformidade com a EUDR. Exige investimentos em tecnologia e sistemas de rastreabilidade para exportadores brasileiros, aumentando os custos operacionais.
Segregação de riscos A EUDR classifica países e regiões como de baixo, médio ou alto risco de desmatamento. Exportadores de países de alto risco estão sujeitos a controles mais rigorosos, o que aumenta a complexidade e o custo de conformidade para esses exportadores. Países de alto risco, como o Brasil, terão mais dificuldades e custos para atender às exigências, o que pode impactar negativamente exportadores brasileiros.
Commodities-alvo A regulamentação inclui commodities associadas ao desmatamento, como soja, carne bovina, óleo de palma, café, cacau, borracha e madeira. Produtos derivados também precisam cumprir as exigências, como couro e móveis de madeira. Exportadores brasileiros de soja, carne e café, entre outros, terão que atender a exigências rigorosas, o que pode limitar o acesso ao mercado europeu.
Implementação e penalidades Grandes empresas têm 18 meses para adequação, enquanto micro e pequenas empresas têm 24 meses. A não conformidade pode resultar em multas proporcionais ao faturamento da empresa na UE, confisco de bens e restrições comerciais. Possíveis perdas financeiras e acesso reduzido ao mercado da UE caso não cumpram as exigências. Setores de carne bovina e soja são particularmente afetados.
Impacto em comunidades tradicionais Comunidades tradicionais, incluindo povos indígenas, enfrentam dificuldades com a EUDR devido à exigência de comprovar a origem dos produtos e o cumprimento das normas ambientais. Essas comunidades muitas vezes não possuem os recursos tecnológicos ou o apoio institucional necessário para fornecer dados de rastreabilidade detalhados. Isso pode levar à exclusão de seus produtos do mercado europeu, impactando sua subsistência e acesso a mercados internacionais. A falta de infraestrutura e apoio dificulta a conformidade das comunidades tradicionais, que podem ser excluídas de mercados como o da UE. Isso afeta diretamente a renda e a sustentabilidade dessas populações.

 

A EUDR é uma peça central de uma política climática mais ampla da União Europeia, integrada ao European Green Deal, que visa atingir metas ambiciosas de sustentabilidade e neutralidade climática até 2050. Embora essas iniciativas busquem reduzir o impacto ambiental e proteger as florestas globais, elas têm gerado controvérsia e desencadeado críticas significativas. Na Europa, agricultores e outros setores afetados têm protestado contra o que consideram regulamentações excessivamente restritivas, que colocam em risco sua competitividade e aumentam os custos de produção ( ver: Tempos de Crise: Uma Análise das Manifestações Agrícolas na Europa).

A EUDR, embora represente uma tentativa ambiciosa da União Europeia para mitigar o desmatamento global, tem recebido críticas devido à sua falta de clareza e às complexidades operacionais. A regulamentação exige que exportadores forneçam evidências detalhadas de conformidade, mas não especifica quais documentos serão aceitos pelas autoridades europeias, o que gera incertezas. Pequenos agricultores e comunidades indígenas, que frequentemente carecem de recursos para cumprir essas exigências de rastreabilidade e monitoramento, encontram-se especialmente vulneráveis. Além disso, a ausência de um padrão unificado entre os sistemas de monitoramento e as bases de dados pode resultar em informações contraditórias no processo de diligência devida, aumentando os custos de conformidade para os produtores brasileiros. A falta de critérios claros sobre classificação de risco de países e regiões também é um ponto de crítica, pois essas áreas podem ser reclassificadas sem aviso prévio, afetando diretamente a competitividade dos exportadores no mercado europeu.

Outro ponto criticado na EUDR é que ela não leva em consideração as legislações ambientais e a dinâmica da vegetação de cada país. Nações que ainda possuem grande parte de sua vegetação nativa preservada acabam sendo prejudicadas em comparação com países que já perderam a maior parte de sua cobertura florestal. A regulamentação não diferencia entre desmatamento legal e ilegal, criando barreiras que podem não refletir a realidade das práticas sustentáveis adotadas localmente. Isso coloca produtores que operam de acordo com as leis nacionais em desvantagem em relação a países que, por já terem devastado suas florestas, agora podem adotar práticas agrícolas menos rigorosas em termos de conformidade ambiental.

Além das críticas externas, a própria posição da União Europeia como líder global no combate ao desmatamento é contestada internamente. Muitos europeus questionam se a UE está de fato cumprindo suas próprias metas de redução de emissões antes de impor políticas para outros países. Essa postura é vista como uma interferência na soberania dos países exportadores, que enfrentam desafios locais complexos e variados.

O adiamento da EUDR foi bem recebido no Brasil, pois oferece uma oportunidade para reavaliar as exigências e ajustar as práticas de monitoramento. Segundo um estudo recente realizado pelo governo federal (Brasil, 2024), a regulamentação pode afetar até 15% das exportações totais brasileiras.

Estimativas do Insper Agro Global para o setor agropecuário indicam que, em 2022, 65% dos produtos exportados pelo Brasil para a UE estarão sujeitos ao EUDR. No entanto, esse volume equivale a apenas 10% do total das exportações brasileiras no mesmo ano (ver gráfico). Embora o impacto do EUDR seja relevante para os produtos destinados ao mercado europeu, sua influência sobre a economia brasileira como um todo é limitada.

Apesar da extensão de prazo ser vista como um alívio temporário, ela não elimina as incertezas em relação aos critérios específicos e às diretrizes de conformidade, que permanecem como desafios significativos para o Brasil e outros exportadores.

Por outro lado, o adiamento gerou críticas intensas de ambientalistas e da sociedade civil, que o consideram um retrocesso nos esforços globais de combate ao desmatamento. Esse grupo argumenta que a prorrogação favorece interesses comerciais em detrimento da proteção ambiental, retardando as mudanças necessárias e urgentes nas cadeias produtivas. A decisão é percebida como um golpe na liderança climática da União Europeia, comprometendo a credibilidade do bloco no cumprimento de suas metas ambientais, como as estabelecidas no Acordo de Paris.

A EUDR, com toda a sua complexidade, é um lembrete de que a sustentabilidade global não se trata apenas de intenções, mas também de realidades políticas e econômicas que nem sempre convergem. Para o Brasil, a regulamentação representa uma oportunidade de reafirmar seu compromisso com práticas sustentáveis, mas também evidencia a importância de um diálogo aberto e equilibrado com a União Europeia. É preciso reconhecer que, embora o combate ao desmatamento seja inadiável, ele não deve ser feito à custa de um tratamento justo e equitativo entre nações. O futuro das relações comerciais entre o Brasil e a Europa dependerá de como esses dois blocos conseguirão colaborar para transformar a sustentabilidade em uma ponte, e não em uma barreira. Ao fortalecer parcerias e considerar as particularidades de cada país, a UE e o Brasil têm a chance de liderar um novo modelo de cooperação ambiental, onde os esforços globais avançam em conjunto com a prosperidade e a justiça econômica para todos os envolvidos.

 

Referências e leituras indicadas:

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. Proposta de adiar lei antidesmatamento reconhece pleito do governo por maior clareza na lei. 02 out. 2024. Acesso em: 14 out. 2024.

EUROPEAN COMMISSION. EU Deforestation Regulation implementation. Press release, 2024. Acesso em: 14 out. 2024.

FOLHA DE S.PAULO. EUDR: Europa propõe adiar lei antidesmatamento. Café na Prensa, 2024.

INSPER AGRO GLOBAL. O agro brasileiro escapa do novo capítulo do plano europeu de descarbonização. Insper, 2024.

INSPER AGRO GLOBAL. Aumenta a pressão internacional contra o desmatamento. Insper, 2022.  Acesso em: 14 out. 2024.

INSPER AGRO GLOBAL. Tempos de crise: Uma análise das manifestações agrícolas na Europa. Working paper n.3-2024. Insper, 2024. Acesso em: 14 out. 2024.

 

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