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Aumento da produção argentina pressiona preços da soja no mercado internacional

03/04/24 - Pâmela Borges | Leandro Gilio

Comercio Internacional | Macroeconomia | Política

Aumento da produção argentina pressiona preços da soja no mercado internacional

Marcos Vergueiro - Secom - MT

A maior oferta do grão no país vizinho vem compensando a queda da produção brasileira. A volta da Argentina ao cenário global exige atenção.

A safra brasileira de soja 2023/24 teve início em meio a preocupações climáticas e riscos de quebra, previstos pelo mercado devido às irregularidades de chuvas e temperaturas provocadas pelo El Niño na fase inicial de plantio. Com o desenvolvimento da safra, tais apreensões foram sendo minimizadas ao longo do tempo, e algumas regiões vêm apresentando resultados melhores do que o inicialmente esperado para a cultura. No entanto, os principais levantamentos, até o momento da publicação deste texto, indicam, de modo geral, uma produção menor do que a registrada em 2022/23 no Brasil, ano-safra de volume recorde: 154,6 milhões de toneladas de soja produzida no país.

A Conab prevê uma queda de 5% na produção, estimando 146,8 milhões de toneladas de soja em grãos para a safra brasileira de 2023/24. A USDA, em seu último relatório publicado em 8 de março, projeta uma queda de 7% em relação à sua estimativa da safra anterior, no entanto a base de comparação da USDA era mais elevada e o valor final para a entidade projeta-se em 155 milhões de toneladas, valor que é seguido por estimativas de algumas consultorias de mercado no Brasil. Para a atual safra, as estimativas vêm apresentando disparidades de até 10 milhões de toneladas, a depender da fonte, algo que não é usual, mas que ocorre neste momento devido às incertezas geradas por questões climáticas, diferença na utilização de insumos por produtores e a queda de preços observada ao longo de 2023 que influenciou investimentos. Sem entrar no mérito da diferença nas estimativas, observa-se a convergência para a configuração de um cenário com redução da produção brasileira concomitantemente a um forte movimento de queda de preços do grão no mercado na atual temporada.

Uma das grandes causas de queda nos preços internacionais é o forte crescimento da produção argentina, que tem compensado a redução brasileira na oferta global. Estimativas do USDA apontam que a safra argentina de soja 2023/24 vai mais do que dobrar o volume de produção do ano anterior: 50 milhões de toneladas, ante 22,3 milhões de toneladas produzidas na safra 2022/23. Estimativas oficiais argentinas são mais otimistas ainda: recorde de 56,5 milhões de toneladas do cereal. Essa forte alta na produção argentina mais do que compensou a menor produção brasileira, gerando um maior excedente do produto no mercado internacional. Isso tem contribuído para a redução dos preços no mercado e gerado preocupações ao produtor brasileiro.

A safra argentina de soja 2022/23 foi fortemente afetada por uma seca histórica, que atingiu todas as regiões produtoras do país. A produção anual caiu drasticamente, de 43,3 milhões de toneladas em 2021/22 para 22,3 milhões de toneladas, o pior nível da década. A queda na produção de soja significou um grande prejuízo financeiro para a Argentina. Estimativas oficiais indicam perdas de produção de quase 20 bilhões de dólares, o que equivale a quase 3% do PIB do país. Essa perda agravou a crise fiscal e monetária que a Argentina já enfrentava.

O retorno dos níveis de produção e das exportações vem em boa hora para a Argentina: o governo de Javier Milei pretende colocar as contas em ordem e recompor as reservas cambiais do país, a fim de afastar a crise de confiança dos investidores e reequilibrar o câmbio para então eliminar o “cepo cambial” (modelo de controle do câmbio que dificulta o acesso a dólares, com o objetivo de tentar frear a desvalorização do peso argentino).

A meta de recompor as reservas cambiais argentinas tem como elemento-chave o setor agroexportador, que vem sendo muito prejudicado pela taxação de exportações, as chamadas “retenciones” (impostos sobre a arrecadação total do setor com exportações de produtos agropecuários). Em dezembro, Milei enviou um projeto de lei ao Congresso que propunha aumentar as alíquotas das "retenciones"  — a soja, por exemplo, hoje tem uma alíquota de 33%. O projeto estava em desacordo com o que foi prometido durante a corrida eleitoral — eliminar os impostos —, gerando protestos por parte do setor e acabou não sendo aprovado pelo Congresso argentino. Tal taxação cria uma barreira à exportação e vem prejudicando a competitividade do agro argentino já há alguns anos, o que de certo modo tem beneficiado o Brasil no mercado — o país vem ocupando parte do mercado deixado pela Argentina.

Mesmo sem conseguir elevar a alíquota de impostos, o setor agroexportador deve contribuir fortemente para a atração de dólares para a Argentina devido à alta nas exportações agrícolas de 2024, impulsionada pela elevada produção.  Caso o governo argentino regularize questões cambiais e diminua as “retenciones”, o país tende a elevar seus investimentos produtivos e se tornar um player mais competitivo no cenário global, o que pode ser um fator de atenção para o Brasil, que atualmente se beneficia com a menor concorrência do país vizinho em alguns produtos importantes ao nosso mercado, como carnes e a soja, por exemplo. O retorno da Argentina ao mercado global, portanto, é um dos aspectos que devem ser monitorados de perto pelo setor produtivo brasileiro.

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