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“Combustível do Futuro”: como o projeto aprovado na Câmara pode estimular a bioenergia no país

20/03/24 - Leandro Gilio

Bioenergia | Política

“Combustível do Futuro”: como o projeto aprovado na Câmara pode estimular a bioenergia no país

Projeto que segue para avaliação do Senado cria mandatos para elevação das misturas de biocombustíveis em combustíveis fósseis. Mas cabe ponderar se isso é suficiente para alavancar o setor.

A Câmara dos Deputados aprovou, em 13 de março, o projeto de lei do “Combustível do Futuro”, substitutivo do deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP) ao Projeto de Lei 528/20, integrando também proposta do governo federal para a área (PL 4516), apresentada em 2023. O texto, que agora segue para a apreciação do Senado, busca reforçar a descarbonização da matriz energética brasileira, incentivando o uso de combustíveis sustentáveis nos transportes e criando regras para a captura e a estocagem de CO2.

O projeto contempla vários estímulos aos biocombustíveis de origem agrícola, integrando medidas já existentes, como a Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio), o Programa Rota 2030 e o Programa Brasileiro de Etiquetagem Veicular. Além disso, cria os novos Programa Nacional de Diesel Verde (PNDV), Programa Nacional de Combustível Sustentável de Aviação (ProBioQAV) e Programa Nacional de Biogás e Biometano (PNBB). Seu instrumento principal de ação é a previsão de mandatos de mistura de biocombustíveis aos combustíveis fósseis, tornando-os menos emissivos ao se considerar ciclos completos de produção e uso (“do poço à roda”).

Entre os biocombustíveis tradicionais, o projeto prevê a possibilidade de elevar a mistura de etanol anidro à gasolina em até 35% e estabelecer o piso de 14% de adição de biodiesel ao diesel de origem fóssil distribuído (atualmente em 12%), podendo atingir até 20% em 2030. A política também abrangerá novas rotas de desenvolvimento dos biocombustíveis no país, com mandatos direcionados a biometano, diesel verde (HVO) e combustível sustentável de aviação (SAF ou BioQAV). Para o primeiro, há a previsão de iniciar em 1% e atingir o patamar de mistura de até 10% ao metano tradicional comercializado até 2034. No caso do HVO e do SAF, prevê-se a análise para criação de mandatos progressivos de mistura e uso desses combustíveis.

Para todas as previsões de mandatos, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) ficará responsável por avaliar e reavaliar oportunamente a viabilidade das metas, definindo a progressividade de aumentos das misturas de combustíveis, de modo a perseguir as metas de descarbonização dos transportes no Brasil.

A aprovação do projeto na Câmara dá sinais positivos ao setor bioenergético. O Brasil tem ampla capacidade de produção desse tipo de energia, seja pelas condições edafoclimáticas favoráveis, que permitem a produção de múltiplas safras, seja pela vasta experiência na produção e pelo uso disseminado de biocombustíveis há mais de 50 anos. No entanto, políticas públicas voltadas à energia adotadas pelo país nas últimas duas décadas falharam em oferecer incentivos adequados ao maior desenvolvimento na área. Isso fez com que os biocombustíveis sempre estivessem em um nível subótimo de utilização no país, não se valorizando as externalidades positivas vinculadas ao desenvolvimento do setor, como a oportunidade de geração de renda, empregos e desenvolvimento tecnológico, alinhada aos esforços de redução nas emissões de carbono.

Portanto, o esforço na aprovação do projeto (a ser analisado no Senado) é um passo importante. No entanto, cabe ponderar sobre alguns aspectos. Primeiramente, o foco principal sobre mandatos de mistura, definidos pelo CNPE, pode não ser um incentivo suficiente ao setor, caso não se garanta uma previsibilidade adequada e de longo prazo, necessária para grandes investimentos na área — a história das políticas voltadas a biocombustíveis, em especial ao etanol, mostra que, por vezes, esses mandatos ou mesmo a aplicação de tributos como a Cide Combustíveis tiveram pouca estabilidade ao longo do tempo.

Além disso, também são necessários investimentos em pesquisa e desenvolvimentos tecnológicos no lado produtivo, para viabilizar a produção de novas alternativas em bioenergia a um custo mais baixo — atualmente, algumas alternativas mais recentes, como HVO, SAF e etanol de 2ª geração, ainda não são tão competitivas em preço com relação a combustíveis fósseis, o que pode impactar em margens de custo e inflação. Em países desenvolvidos, vêm se adotando estratégias no sentido de priorizar o caminho de investimentos (Veja mais aqui)

Portanto, o Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer nessa área para aproveitar todo o seu potencial. É necessário que os esforços possam convergir na busca de maior eficiência, menor custo de produção, avanço em comercialização e, inclusive, incentivar o desenvolvimento efetivo de um mercado internacional para esse tipo de energia. Mas considerar a bioenergia como um dos focos do país em políticas de transição energética não deixa de ser um grande acerto dentro desse processo.

Recomenda-se a leitura do texto “A BIOENERGIA TROPICAL NA TRANSIÇÃO ENERGÉTICA GLOBAL”

 

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