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Quem se importa com a biodiversidade?

02/10/24 - Luciana Ambrozevicius | Eder Toppa

Meio Ambiente | Política

Quem se importa com a biodiversidade?

Enquanto o mundo volta sua atenção para as emissões de carbono, a perda de biodiversidade avança como uma crise silenciosa, exigindo atenção e ação global imediata.

Estamos a menos de um mês do encontro dos países signatários da Convenção da Diversidade Biológica das Nações Unidas, a COP da Biodiversidade, que será realizada em Cali, na Colômbia. No entanto, a mídia continua concentrando sua atenção apenas na convenção relacionada às mudanças do clima. A questão não é decidir qual convenção merece o título de “mais importante”, mas de reconhecer que estamos diante de crises globais interligadas — a perda da biodiversidade, as mudanças climáticas, a insegurança alimentar. Esses desafios já afetam todos os países e exigem esforços coletivos urgentes de todos os setores da sociedade. Trata-se de crises que se reforçam mutuamente, com um impacto devastador sobre a capacidade e a qualidade da vida dos habitantes do planeta Terra.

Na COP da Biodiversidade, serão discutidos os compromissos assumidos pelos países no Marco Global da Biodiversidade de Kunming-Montreal (Marco Global Pós-2020). Trata-se de um conjunto de 23 metas para 2030 e 4 objetivos para 2050, estabelecidos por consenso entre todos os países e implementados por meio das EPANBs — Estratégias e Planos de Ação Nacionais para a Biodiversidade. As EPANBs funcionam como “NDCs da biodiversidade”, em referência às contribuições nacionalmente determinadas da Convenção do Clima, porém sem o mesmo nível de conhecimento e engajamento propiciado pelas NDCs.

As EPANBs são diretrizes que nortearão o desenvolvimento de ações e políticas públicas e estão atualmente em processo de revisão, sob a coordenação do Ministério do Meio Ambiente. Essas diretrizes contemplam metas para os mais diversos setores, incluindo o agrícola. As EPANBs fazem referência a vários fatores que levam à perda da biodiversidade, como a mudança no uso da terra, mudanças climáticas, poluição de diversas fontes e o aumento da ocorrência de espécies invasoras. No setor agrícola, os compromissos propostos incluem: redução de riscos no uso de pesticidas e fertilizantes, estabelecimento de regras para acesso a recursos genéticos voltados ao melhoramento vegetal e animal, aumento da conectividade entre áreas de reserva legal e de preservação permanente em propriedades rurais, adoção da biotecnologia, definição de práticas de agricultura e florestas plantadas sustentáveis e recuperação de áreas degradadas. Há também várias outras metas de caráter mais transversal e que também afetam setores do agro.

Além de serem políticas nacionais, as EPANBs representam a vitrine do Brasil para o mundo, demostrando como o Brasil pretende cuidar da sua natureza, indo além da conservação para incluir também o uso sustentável dos seus riquíssimos recursos naturais.O cumprimento das EPANBs deve ser demonstrado em um relatório nacional, que deverá se encaminhado ao secretariado da Convenção em 2026 e em 2029, com base em indicadores principais acordados por consenso na reunião da COP. Esses indicadores chegam a ser mais numerosos e complexos do que a medição de emissão de gases do efeito estufa (GEE), métrica usada na Convenção do Clima. Contudo, o que se pretende é que haja uma metodologia clara para esses indicadores, de forma que possam ser compilados apresentados de forma transparente ao mundo, evidenciando o progresso de cada país em relação aos compromissos assumidos.

Na próxima COP da Biodiversidade, o Brasil planeja apresentar suas EPANBs revisadas, alinhadas ao Marco Global da Biodiversidade de Kunming-Montreal. Para que essas diretrizes tenham sucesso, é imprescindível que todos os setores da sociedade estejam engajados nesse processo, já que as EPANB representam uma tentativa de estabelecer ações que permitam minimizar os impactos na natureza, essenciais para um sistema produtivo e de consumo mais sustentável. As EPANBs podem refletir os reais esforços do setor agrícola e projetar uma imagem positiva do Brasil ao mundo, possibilitando a efetiva implementação dos compromissos assumidos. Além disso, geram indicadores que demonstram uma evolução do país em relação às metas acordadas.

No cenário das discussões internacionais sobre meio ambiente, o setor agropecuário é frequentemente visto como o “vilão”, devido às emissões de gases de efeito estufa resultantes das mudanças no uso da terra e da pecuária. Ao mesmo tempo, o setor é uma “vítima” das mudanças climáticas causadas pela queima de combustíveis fósseis ao longo das décadas, principalmente por países industrializados, que já afetam a capacidade de milhares de produtores rurais em produzir alimentos. No entanto, é essencial que o setor também seja reconhecido como parte da solução. A promoção de inovações voltadas para práticas sustentáveis deve ser incentivada, e os produtores precisam ser valorizados como defensores da natureza, uma vez que sua sobrevivência e sucesso estão diretamente ligados à preservação do meio ambiente.

Estamos em um momento decisivo. Para um país megadiverso e um dos maiores exportadores agrícolas, como o Brasil, é crucial que haja um esforço conjunto em todas as frentes para que as negociações internacionais avancem e que sistemas alimentares mais sustentáveis sejam implementados. A COP da Biodiversidade oferece uma oportunidade única para o Brasil demonstrar ao mundo que o setor agrícola não apenas se importa com a biodiversidade, mas está comprometido em protegê-la, garantindo um futuro sustentável para todos. O papel do Brasil nessas negociações é central, e a responsabilidade do setor agrícola deve ser vista como uma oportunidade para contribuir com a mudança global e o sucesso das Metas acordadas.

Sobre os autores:
Eder Toppa é chefe do serviço de monitoramento em biossegurança de OGM SEBio/DSV/SDA/MAPA
Luciana Ambrozevicius é chefe-substituta do SEBio/DSV/SDA/MAPA e representantes do MAPA na CTNBio
•O texto é de responsabilidade dos autores referidos e não expressa necessariamente opiniões ou pesquisas do Insper Agro Global ou de professores e pesquisadores do núcleo.

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