Seca e queimadas geram impactos negativos para o agro
02/10/24 - Lorena Liz Giusti e Santos
Condições climáticas extremas e incêndios ameaçam a produção agrícola, elevando os custos e pressionando os preços dos alimentos
O Brasil enfrenta uma das maiores secas de sua história, segundo dados do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), com falta de chuvas atingindo quase todo o país. Na esteira desse problema agravam-se as queimadas, que são intensificadas pela situação climática. Embora algumas dessas queimadas sejam causadas por ações criminosas, a seca contribui para sua rápida disseminação, dificultando o controle e tornando o combate ainda mais desafiador.
Conforme dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Brasil registrou em agosto de 2024 um crescimento alarmante de 144% nos focos de queimadas em comparação ao mesmo período de 2023. Dos focos de incêndios registrados até setembro de 2024, cerca de 50% ocorreram no bioma amazônico.
Estimativas do MapBiomas sobre o uso da terra nas áreas afetas por incêndios no Brasil, de janeiro a agosto de 2024, apontam que a maior parte ocorreu em Formação Campestre (24,70%), seguida por Pastagem (21,10%), conforme figura abaixo.
A seca atual resulta de uma combinação de fatores, sendo parte desse cenário relacionada aos efeitos do El Niño — fenômeno climático caracterizado pelo aquecimento das águas do Oceano Pacífico na região próxima ao Equador. A ocorrência desse fenômeno em alta intensidade trouxe vários impactos, como as fortes chuvas na região Sul do país — que contribuíram para o grande volume de chuvas e desastres no Rio Grande do Sul (culminando na tragédia climática de 2024) — e clima seco para regiões Norte, Centro-Oeste e Sudeste.
O clima seco no norte do país afeta importantes bacias hidrográficas e torna a vegetação mais suscetível ao fogo. Com o fluxo de ar de norte a sul do país, não apenas as queimadas, mas também a fumaça e a fuligem resultante se espalham, levando ainda mais secura, calor e poluição atmosférica para outras regiões. Segundo monitoramento do MetSul, a fumaça das intensas queimadas na Amazônia, no Cerrado e no Pantanal já reduziu a umidade do ar a níveis inferiores aos do deserto do Saara, ficando abaixo de 10%.
Nesse cenário, a atividade agropecuária sofre impactos relevantes, seja pelas perdas provocadas diretamente pelas queimadas, seja pelos prejuízos resultantes na produção devido à estiagem prolongada. Segundo dados levantados pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), foram registrados R$ 14,7 bilhões em prejuízos em cerca 2,8 milhões de hectares de propriedades rurais no Brasil.
Um caso emblemático é o da cana-de-açúcar. Desde agosto, as queimadas atingiram mais de 181 mil hectares dessa cultura em São Paulo, o que já se reflete na alta dos preços do açúcar cristal e refinado, além da possibilidade de aumento nos preços do etanol. A perda estimada apenas no estado é de R$ 1,2 bilhão, segundo a Organização de Associações de Produtores de Cana do Brasil (Orplana), sem avaliar outros possíveis impactos futuros, como a degradação do solo e maiores necessidades de tratos culturais no replantio — em uma cultura que já vinha enfrentando problemas devido à seca nas principais regiões produtoras. A CNA estima perdas de R$ 2,7 bilhões na atividade em todo o país.
É importante destacar que, por muitos anos, utilizaram-se queimadas para o processo de despalha na produção de cana-de-açúcar. No entanto, desde o protocolo agroambiental de 2007 e legislações subsequentes, praticamente toda a produção atual é mecanizada e há anos não utiliza queimadas em seu processo produtivo.
No caso do café, a seca registrada, principalmente em Minas Gerais, tem afetado significativamente a cultura, limitando a oferta e levando a recordes históricos de preços, tanto para o café Arábica quanto para o Robusta.
Algumas culturas são ainda mais sensíveis, como frutas e hortaliças. A laranja, em particular, é uma das mais afetadas, enfrentando dificuldades na manutenção da qualidade devido à crise hídrica nos pomares. É importante considerar que o Brasil é o maior produtor mundial da fruta e um dos principais exportadores de suco de laranja, atendendo a grande parte da demanda internacional.
No que se refere aos grãos, setembro e outubro são meses de plantio nas principais regiões produtoras, e a falta de chuvas pode provocar atrasos no plantio. Esse processo pode reduzir a janela de cultivo, resultando em menor produção e produtividade, além de um possível atraso da segunda safra para o próximo ano. Até o momento, instituições oficiais, como a Conab, ainda projetam alta produção na próxima temporada. No entanto, a continuidade da seca atual pode reverter esse cenário.
No setor pecuário, os meses de agosto e setembro são tipicamente de baixa oferta de animais criados a pasto, o que eleva os preços. No entanto, as queimadas agravaram essa situação, com muitos pecuaristas enfrentando dificuldades para alimentar o gado, sendo forçados a recorrer ao uso de ração, o que eleva os custos — que, segundo a Esalq/USP, podem ser ainda mais pressionados por uma possível alta nos preços dos grãos devido à estiagem. A escassez de animais prontos para o abate e a transição para o confinamento — um sistema mais caro — aumentou o preço da arroba do boi gordo em 10,55% em setembro, atingindo R$ 265,05, segundo dados do Cepea.
Já para o fim de 2024 e 2025, prevê-se a ocorrência de um La Niña em baixa intensidade — fenômeno climático oposto ao El Nino e que se caracteriza pelo resfriamento anormal das águas do Oceano Pacífico Equatorial. Esse fenômeno tende a afetar as chuvas de maneira diversa nas diferentes regiões brasileiras. Especificamente, espera-se uma recuperação da umidade do solo e a diminuição da secura no Brasil Central. Em contrapartida, o Sul do país pode enfrentar redução e irregularidade nas precipitações, agravando problemas já existentes, como a seca, e comprometer a qualidade das colheitas.
Com base nos dados do IPCA-15 de setembro de 2024, é possível observar variações significativas nos preços de alguns produtos, já refletindo o impacto das queimadas. O grupo de frutas apresentou aumento expressivo, com destaque para a laranja-lima, que registrou alta de 18,41%, seguida pela laranja-baía, com 2,81%, e pelas frutas nacionais em geral, que subiram 5,91%. Além disso, o preço das carnes teve um acréscimo de 1,76% no mês.
A recuperação das áreas afetadas, especialmente do solo, pode levar anos, gerando custos elevados para os produtores, que enfrentarão maiores despesas com insumos. O Brasil está diante de um cenário desafiador, no qual a agricultura e a pecuária são diretamente impactadas pelas mudanças climáticas e pela degradação ambiental. Esse contexto exige medidas urgentes para mitigar esses efeitos e proteger a produção nacional, além de estratégias de longo prazo para adaptação climática e ampliação do uso de instrumentos financeiros, como crédito e seguro rural, a fim de garantir a estabilidade dos produtores.
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