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Impactos da geopolítica global no agronegócio brasileiro

12/11/24

Geopolítica | Comercio Internacional

Impactos da geopolítica global no agronegócio brasileiro

Em debate no Insper, especialistas analisaram os efeitos do retorno de Donald Trump ao poder e defenderam a diversificação de mercados para reduzir vulnerabilidades do setor

Em debate realizado no Insper em 11 de novembro, especialistas discutiram os potenciais impactos do retorno de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos e das tensões geopolíticas globais sobre o agronegócio brasileiro. O evento “Geopolítica e Agro: Conflitos atuais e perspectivas pós-eleições nos EUA” reuniu Chris Garman, diretor-geral para as Américas da Eurasia Group, Larissa Wachholz, sócia da Vallya Participações e especialista em relações com a China, e Roberto Dumas Damas, professor de Economia Internacional e Economia Chinesa no Insper. O debate foi mediado por Marcos Jank, coordenador do Insper Agro Global.

Jank iniciou destacando a escalada das tensões geopolíticas globais, desde os conflitos no Oriente Médio e entre Rússia e Ucrânia até a desaceleração da economia chinesa e o novo cenário pós-eleições americanas. “Esses fatores impactam diretamente o agronegócio brasileiro, que depende fortemente das exportações para a China, responsável por 40% das vendas externas do Brasil. Desde 2017, o Brasil se beneficiou da primeira guerra comercial entre EUA e China, ampliando significativamente suas exportações agrícolas, especialmente de soja”, ressaltou. “Essa disputa nos permitiu substituir os americanos como principal fornecedor em diversos setores, mas o cenário atual aponta para uma nova guerra comercial, potencialmente com impactos ainda mais profundos.”

Chris Garman, diretor da Eurasia Group, chamou atenção para um cenário sem precedentes no novo governo Trump: “Quando analisamos o ambiente geopolítico atual, enfrentamos o período de maior tensão e risco desde a fundação da Eurasia, há quase 25 anos. Estamos em um cenário de crescente tensionamento e de uma competição geopolítica cada vez mais intensa entre os EUA e a China”. Segundo ele, o segundo mandato de Trump terá características muito distintas do primeiro. “Na primeira eleição, Trump assumiu sem uma equipe preparada, e sua própria campanha duvidava da vitória. Agora, a realidade é outra: não existe mais espaço para debate no partido — ou você apoia Trump ou enfrenta retaliações eleitorais. Ele domina o partido com mão de ferro, e até seus antigos críticos se converteram ao ‘trumpismo raiz’.”

Em termos práticos, Garman alertou sobre medidas econômicas significativas: “Trump prometeu elevar a tarifa para 60% sobre todos os produtos chineses. Atualmente, a tarifa média de importação dos produtos chineses é de 11,3%. Nossa expectativa é que a tarifa média deve subir para algo entre 20% e 30%, o que, embora não alcance os 60%, ainda será uma mudança significativa.”

Direto de Pequim, onde acompanha uma delegação do agronegócio brasileiro, Larissa Wachholz compartilhou a visão dos chineses sobre o cenário: “Nas minhas conversas aqui, percebo que o nível de preocupação com Trump não aumentou. Ao contrário, os chineses o veem como um negociador com perfil transacional, o que paradoxalmente gera certo otimismo quanto à possibilidade de acordos comerciais”.

O professor Roberto Dumas Damas analisou as transformações estruturais na segunda maior economia do mundo: “A China tem consciência de seu menor ritmo de crescimento, com meta de 5% ao ano. Muitos questionam se Pequim voltará a estimular o setor imobiliário, mas isso é improvável”, comentou. “Em recente visita ao país, em reuniões com pesquisadores da Universidade de Fudan e executivos da Vale, ficou evidente para nós que a prioridade do governo é redirecionar a economia para o consumo das famílias.”

 

Agenda ambiental como oportunidade
Durante o debate, a agenda ambiental foi citada como elemento estratégico nas relações comerciais entre os países. Segundo Larissa Wachholz, a China manterá seu compromisso com as questões climáticas, independentemente do posicionamento de Trump. “A China não apenas reconheceu os danos ambientais causados por seu desenvolvimento acelerado, mas identificou na transição energética uma poderosa alavanca para seu avanço econômico e tecnológico. O sucesso da BYD no mercado global de veículos elétricos é apenas um exemplo dessa estratégia”, afirmou. Para ela, o Brasil tem uma janela de oportunidade única neste cenário. “A COP30 em 2025, que realizaremos no Brasil, oferece a chance de estabelecer acordos estratégicos com a China no setor agrícola. Podemos avançar significativamente em biocombustíveis e nos tornar parceiros-chave nas rotas de descarbonização chinesas, especialmente em setores críticos como a aviação”, destacou.

Em suas considerações finais, o professor Dumas ponderou sobre o potencial e os riscos para o agronegócio brasileiro. “O histórico do acordo bilateral EUA-China firmado no primeiro governo Trump serve de alerta. Embora não seja motivo para pânico, precisamos nos preparar para negociações difíceis. O Brasil provavelmente enfrentará impactos tarifários, como já ocorreu com nosso setor siderúrgico”, alertou. “O cenário global se tornará mais complexo e, caso o governo brasileiro não atue, é fundamental que o setor privado assuma a dianteira, buscando fortalecer sua presença na China e impulsionar o agronegócio.”

Garman, por sua vez, enfatizou a importância de o Brasil buscar a diversificação. “Em um cenário geopolítico incerto, a palavra-chave é diversificação — tanto de mercados quanto de importações. Isso significa buscar novos mercados na Ásia para o setor agro e investir em novos acordos comerciais, como o esforço do governo brasileiro para concluir o acordo entre União Europeia e Mercosul”, disse. Ele considera essencial mitigar riscos em uma relação bilateral difícil com os Estados Unidos. “O Brasil tem muito a oferecer, especialmente em minerais críticos, energia e defesa, onde a indústria brasileira pode contribuir, inclusive fornecendo armamentos e ajudando a reduzir a dependência dos EUA em relação à China nesses insumos estratégicos. Em resumo, a estratégia para o Brasil envolve, de um lado, fortalecer a defesa de seus interesses e, do outro, diversificar suas parcerias.”

Em suas palavras finais, Marcos Jank enfatizou a necessidade de um posicionamento estratégico equilibrado. “É essencial que o Brasil aproveite o atual cenário global para construir relações equilibradas com seus principais parceiros no agronegócio. A China é nosso maior cliente, enquanto a Europa é crítica em relação às questões ambientais, e os Estados Unidos são tanto nossos competidores quanto fornecedores vitais de tecnologia”, observou. “Manter uma equidistância prudente entre esses parceiros é crucial, explorando oportunidades na China e em outros mercados em expansão, como em outras regiões da Ásia e, futuramente, na África. Nesse contexto, o setor privado brasileiro precisa assumir protagonismo na construção de parcerias estratégicas, especialmente quando a diplomacia tradicional encontrar seus limites.”

Assista o debate na íntegra clicando aqui.

 

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