Como pode ser a contribuição da agropecuária brasileira para a agenda climática?
27/06/23 - Camila Dias de Sá
Wenderson Araujo/Trilux - Sistema CNA/Senar
O potencial brasileiro para conciliar produção de alimentos, fibras e energia e mitigação das mudanças climáticas
As Soluções Climáticas Naturais (NCS, do inglês Natural Climate Solutions) têm sido apontadas como um meio importante para redução das emissões de gases de efeito estufa (GEEs) e para armazenamento de carbono. Estima-se que o Brasil responda por 21% do potencial tropical de NCS ou aproximadamente 15% do potencial global. Apesar de grande parte das oportunidades estarem relacionadas aos recursos florestais brasileiros, o país também possui opções de mitigação relacionadas à agricultura e ao manejo do solo, que representam cerca de 14% do potencial brasileiro.
O solo terrestre é um importante sumidouro de CO2, com potencial anual de sequestro de carbono que pode chegar a 20% do total de emissões globais anuais. Segundo a FAO (2022), um dos maiores potenciais de armazenamento de carbono no solo está no Brasil. A UNFCCC tem examinado o potencial de mitigação climática dos solos e da agricultura, incluindo estratégias de carbono orgânico no solo. Tais oportunidades vão ao encontro da necessidade de mitigar os efeitos indesejados da agricultura e mudança no uso da terra no aquecimento do planeta. Globalmente atribui-se a esses dois setores cerca de 20% das emissões, no Brasil ambos respondem por 74% das emissões. Portanto, a atuação do Brasil é globalmente relevante para agravar ou mitigar a crise climática.
Vários serviços ecossistêmicos podem ser prestados por meio de intervenções e práticas de manejo sustentáveis, como sistemas integrados e agroflorestas, recuperação de pastagens degradadas, plantio direto, fixação biológica de nitrogênio, entre outras. Os sistemas integrados, por exemplo, têm efeito positivo nos solos, aumentando a retenção e ciclagem de nutrientes, teores de carbono e nitrogênio, retenção de água e redução da perda de solo devido à erosão. As árvores também oferecem conforto térmico para os animais e promovem a diversificação econômica das propriedades. A Integração Lavoura- Pecuária-Floresta é considerada como uma opção promissora para recuperar pastagens degradadas e tem potencial para reduzir a pegada de carbono da produção leiteira e de carne bovina.
Aumentar a oferta de alimentos, fibras e energia em consonância com a mitigação das mudanças climáticas é um potencial que poucos países do mundo têm. Em regiões tropicais e subtropicais nota-se a possibilidade de aumentar os aportes de carbono por meio da melhoria da produtividade e da maior frequência de cultivo (múltiplas safras ao longo do ano) em preparo mínimo.
O modelo brasileiro de produção, que ocupa o solo o ano inteiro com até três safras, favorece o sequestro de carbono concomitantemente a produção agrícola. A maior rotação de culturas - dada a maior frequência de cultivo - aumenta a produtividade e, consequentemente, proporciona o acúmulo mais rápido de carbono no solo. A extensa área com plantio direto também contribui para a melhoria da qualidade do solo e a adaptação às mudanças climáticas. Nesse contexto, a dimensão da área dedicada a lavouras, pastagens e florestas plantadas no Brasil - aproximadamente 240 milhões de hectares – representa enorme oportunidade para a implementação de esquemas de descarbonização. A possibilidade de integrar o modelo de produção de baixo carbono ao mercado de créditos de carbono pode ser vista como uma forma de financiamento ou até como incentivo adicional para adoção das práticas. Para isso se concretizar, no entanto, um dos principais desafios diz respeito à necessidade de se avançar no tema de mensuração, reporte e verificação (MRV) para conferir credibilidade às iniciativas. O manejo compreendendo plantas de cobertura e sistemas agropecuários integrados é um grande desafio quando se considera a heterogeneidade de solos e climas no Brasil. As diversas intervenções variam quanto às suas estimativas de mitigação, co-benefícios e trade-offs. Práticas como cultivo de cobertura, plantio direto, rotação de culturas, manejo de pastagem, possuem cada uma níveis de viabilidade, bem como impactos potenciais no carbono orgânico do solo e emissões de óxido nitroso, muito diferentes entre si. Estratégias para aumentar o carbono orgânico em um tipo de solo podem ser ineficazes em outros. Além disso, os seus níveis tendem a atingir um estado estável após 20 a 30 anos de manejo adequado, o que pode mudar novamente se forem adotadas práticas diferentes.
Por tudo isso, é preciso assegurar a integridade dos resultados obtidos com as intervenções. Nas condições tropicais brasileiras diversas são as particularidades das estratégias de carbono no solo bem como as complexidades associadas à sua mensuração. Por exemplo, no Brasil faz sentido medir o carbono a um metro de profundidade, tarefa que consome tempo e recursos e que ainda carece de avanços tecnológicos para desenvolvimento de soluções em escala comercial.
Para comprovar todos os aspectos da agropecuária brasileira são necessários procedimentos e tecnologias de MRV aprimorados e calibrados no contexto local, cuja adoção em larga escala ainda requer avanços. Seu desenho precisa ser suficientemente democrático para permitir ampla adesão, mas também cientificamente robusto para inspirar confiança do mercado.
A dissociação da produção agropecuária do desmatamento, de longe a maior fonte de emissões brasileiras de GEE, também é condição essencial para dar credibilidade aos projetos setoriais de mitigação. Isso permitiria ao Brasil transformar suas vantagens comparativas em NCS em uma posição de liderança entre as economias de baixo carbono.
Ressalta-se que o mercado de NCS deve servir para estimular a adoção de inovações tecnológicas visando garantir a mitigação e potenciais co-benefícios e não com o objetivo de permitir a continuidade de sistemas energéticos obsoletos por grandes emissores globais.
Referências e leituras indicadas:
Climate Watch. Historical GHG Emissions. 2022. Washington, DC: World Resources Institute.
Griscom, B. W., Busch, J., Cook-Patton, S. C., Ellis, P. W., Funk, J., Leavitt, S. M., ... & Worthington, T. (2020). National mitigation potential from natural climate solutions in the tropics. Philosophical Transactions of the Royal Society B, 375(1794), 20190126.
Lal, R. (2018). Digging deeper: a holistic perspective of factors affecting soil organic carbon sequestration in agroecosystems. Global Change Biology, 24(8), 3285–3301. doi:10.1111/gcb.14054
Nicoloso, R. S.; Rice, C. W. (2021). Intensification of no‐till agricultural systems: An opportunity for carbon sequestration. Soil Science Society of America Journal, 85(5), 1395-1409.
SEEG - Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito. (2022a) Emissões Totais. SEEG/Observatório do Clima. Acessado em: 11/29/2022.
SØNDERGAARD, Niels; DE SÁ, Camila Dias; BARROS-PLATIAU, Ana Flávia (Ed.). Sustainability Challenges of Brazilian Agriculture: Governance, Inclusion, and Innovation. Springer Nature, 2023.
UNEP - United Nations Environment Program (2022). Emissions Gap Report 2022: The Closing Window — Climate crisis calls for rapid transformation of societies. Nairobi. Acessado em: 11/29/2022.
* Utilize esse material como referência livremente.
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GLOSSÁRIO
Referem-se especificamente a iniciativas de conservação e restauração de paisagens e melhoria de práticas de manejo de usos da terra que reduzem as emissões de gases de efeito estufa e/ou são capazes de armazenar carbono. As NCS estão sob o “guarda-chuva” das Soluções baseadas na natureza (NbS do inglês Nature based Solutions) que por sua vez se referem, de maneira mais ampla, a gestão e uso sustentável de recursos e processos naturais para enfrentamento de desafios socioambientais.
O carbono no solo pode ser encontrado como componente mineral, em estruturas de carbonatos, em estruturas orgânicas, componente de resíduos de animais e vegetais ou como carvão oriundo de incêndios naturais ou aplicado ao solo como biochar ou biocarvão. O carbono orgânico no solo contribuí para melhorar a porosidade e estruturação do solo contribuindo para a aeração do solo e a drenagem e retenção de água, além de reduzir o risco de erosão e lixiviação de nutrientes.
São as contribuições diretas e indiretas dos ecossistemas à economia e ao bem-estar humano, isto é, benefícios da natureza para a população. São classificados em quatro categorias:
1) Serviços de provisão (fornecimento de bens para o consumo humano);
2) Serviços culturais (turismo, recreação, educação, apreciação estética da paisagem, etc.);
3) Serviços de suporte (formação do solo, ciclagem de nutrientes, produção primária, etc.);
4) Serviços de regulação (são as regulações dos processos dos ecossistemas, tais como regulação da água, do clima, de enfermidades, etc.).
Plantio ou manejo de árvores em associação com culturas agrícolas ou forrageiras. Exemplo: árvores para extração de madeira nativa com espécies leguminosas e frutíferas.
É a movimentação do solo apenas no local de semeadura. A cobertura do solo fica intacta (palha), permitindo a diversificação de espécies e a minimização do tempo entre a colheita e a nova semeadura. Este tipo de sistema está associado à agricultura conservacionista do solo e da água, melhorando a adubação e aumentandoo conteúdo de matéria orgânica do solo. Outros benefícios estão relacionados à redução dos custos de produção, assim como do consumo de energia fóssil e agrotóxicos.
É a conversão realizada por microrganismos de N2 em nitrogênio assimilável pelas plantas (nitrogênio reativo). Este processo é essencial para a manutenção da vida no planeta e é muito estratégico para a agricultura, pois aumenta a fertilidade dos solos (fator limitante nos solos tropicais e subtropicais). O processo também reduz riscos ao meio ambiente devido à redução de emissões de GEE e sequestro de carbono ao elevar o conteúdo de matéria orgânica.
É uma estratégia de produção sustentável que integra atividades agrícolas, pecuárias ou florestais na mesma área, em um processo de sucessão ou rotação, em busca de sinergias entre os componentes do ecossistema agropecuário. A iLPF contribui para a recuperação de solos degradados e a manutenção das áreas, além de melhorar a produtividade. A estratégia pode ser desenvolvida em quatro modalidades: integração lavoura-pecuária (agropastoril), lavoura-pecuária-floresta (agrossilvipastoril), pecuária-floresta (silvipastoril) e lavoura-floresta (silviagrícola).
Transferência contínua de substâncias entre o solo e as plantas e vice-versa. Entre essas substâncias estão elementos essenciais às plantas, como nitrogênio (N), fósforo (P), enxofre (S) e outros.
Etapas a serem cumpridas para garantir a integridade ambiental em projetos ou ações de combate ao aquecimento do planeta. A mensuração consiste na geração de informações sobre as emissões e/ou remoções ou outros indicadores de sustentabilidade. Tal contabilidade deve seguir padrões de referência. O reporte ou relato refere-se à divulgação dessas informações para todas as partes interessadas. Esse relato deve ser transparente e acessível. A verificação refere-se a análise das informações divulgadas com finalidade de assegurar sua confiabilidade.
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