Agricultura Regenerativa: o que há de novo?
19/02/25 - Gabriela Mota da Cruz | Victor Martins Cardoso
Baixo Carbono | Meio Ambiente | Segurança Alimentar | Tecnologia | Uso da Terra

Mayke Toscano / Secom-MT
A agricultura regenerativa surge como solução sustentável, mas suas práticas já são adotadas e desenvolvidas no Brasil há anos.
A Agricultura Regenerativa tem ganhado espaço nas discussões sobre sustentabilidade, mas ainda gera debates. Para alguns, o conceito reembala práticas já consolidadas, como a agricultura conservacionista e sustentável, que incluem preservação do solo e manejo eficiente dos recursos naturais. Já os defensores deste termo destacam que esse modelo vai além, priorizando a regeneração dos ecossistemas produtivos por meio da recuperação do solo, aumento da biodiversidade, captura de carbono e otimização do uso da água, sem comprometer a viabilidade econômica das propriedades. No Brasil, sua adoção cresce, mas a falta de uma definição única dificulta a implementação e mensuração de seus impactos.
Segundo Gheler-Costa et al. (2023), há duas abordagens para a definição de Agricultura Regenerativa: baseada em processos e orientada por resultados. A primeira enfatiza técnicas agrícolas específicas, como rotação de culturas e manejo integrado do solo, enquanto a segunda foca nos impactos gerados, como sequestro de carbono e aumento da biodiversidade. Ambas se complementam e ajudam a superar os desafios de definição e aplicação desse conceito.
A abordagem de processos foca em práticas agrícolas sustentáveis, como rotação de culturas, cobertura vegetal, manejo de nutrientes e conservação do solo, fundamentais para a regeneração dos ecossistemas. No entanto, por se basear em técnicas já existentes, pode limitar a adoção de novas tecnologias ou adaptações regionais. Por isso, o monitoramento contínuo é essencial para incorporar inovações e aprimorar os resultados da agricultura regenerativa.
As práticas da Agricultura Regenerativa estruturam-se em quatro eixos principais (Imagem 1): (i) Agricultura de Conservação, que protege o solo por meio de técnicas como plantio direto, rotação de culturas e manejo integrado de nutrientes, entre outras estratégias de conservação; (ii) Integração de culturas e árvores com a pecuária, que otimiza o uso da terra ao combinar diferentes sistemas produtivos, como manejo de pastagens, agrossilvicultura e sistemas silvipastoris; (iii) Restauração da saúde do solo, voltada à recuperação ambiental, com práticas como neutralidade da degradação do solo (LDN), arborização de áreas degradadas e restauração de zonas úmidas, essenciais para a regeneração dos ecossistemas; e (iv) Absorção de carbono da biosfera terrestre, que reduz emissões por meio do sequestro de carbono no solo (orgânico e inorgânico) e pela biomassa, contribuindo para a mitigação das mudanças climáticas.
Figura 1 - Práticas agropecuárias previstas na agricultura regenerativa
Fonte: GHELER-COSTA et al., (2023) apud Lal (2020)
O Brasil já adota diversas práticas associadas à agricultura regenerativa, como plantio direto, controle biológico e cultura de cobertura, amplamente utilizadas no setor agropecuário. Segundo a McKinsey (2022), que entrevistou 2.000 produtores rurais, o plantio direto é aplicado por mais de 80% dos agricultores, enquanto cerca de 60% adotam cultura de cobertura e controle biológico. No entanto, práticas que exigem maior investimento, como irrigação, ainda têm baixa adesão. A pesquisa indica também que a redução de custos e o aumento da produtividade são os principais fatores que impulsionam a adoção dessas práticas, reforçando a necessidade de incentivos financeiros e políticas de apoio para expandir a transição para a agricultura regenerativa.
A definição de Agricultura Regenerativa pela abordagem orientada por resultados concentra-se nos impactos obtidos pelas práticas agrícolas, avaliando os benefícios ecossistêmicos e socioeconômicos gerados. Essa perspectiva prioriza métricas mensuráveis, como sequestro de carbono, aumento da biodiversidade, melhoria da qualidade do solo e retenção hídrica. A principal vantagem dessa abordagem é sua flexibilidade, permitindo que novas práticas sejam incluídas conforme evoluem as tecnologias e o conhecimento sobre sustentabilidade agrícola. Contudo, ela depende do desenvolvimento de indicadores robustos e métodos padronizados para monitorar e certificar os impactos desejados, o que exige esforços técnicos e financeiros significativos (GHELER-COSTA et al., 2023).
A diversidade de climas e sistemas produtivos no Brasil dificulta a criação de métricas padronizadas para a agricultura regenerativa, especialmente pela falta de infraestrutura e conhecimento técnico em algumas regiões. Indicadores simples, acessíveis e cientificamente confiáveis são essenciais para medir seus impactos e ampliar o acesso a financiamentos. Além disso, a cooperação entre governo e setor produtivo é fundamental para desenvolver essas métricas e garantir um modelo sustentável e economicamente viável. Investimentos em pesquisa e inovação também são cruciais para fortalecer a transparência do mercado e a competitividade do Brasil em cadeias produtivas que exigem comprovação de sustentabilidade (GHELER-COSTA et al., 2023).
A adoção da agricultura regenerativa deve ser financeiramente atrativa para garantir sua expansão, oferecendo ganhos como aumento da produtividade e acesso a mercados diferenciados. Nesse sentido, programas como o Plano ABC, ABC+ e RenovAgro têm sido fundamentais no financiamento da transição para práticas regenerativas. Entre 2010 e 2020, o Plano ABC superou suas metas, recuperando 26,8 milhões de hectares de pastagens degradadas (179% da meta) e implementando 10,76 milhões de hectares em sistemas de integração lavoura-pecuária-floresta (269% da meta), resultando na mitigação de mais de 193 milhões de toneladas de CO₂ equivalente (BRASIL, 2023).
A experiência brasileira mostra que, além do financiamento público, há espaço para a iniciativa privada ser incentivada por mecanismos como o Blended Finance, que combina recursos públicos e privados para mitigar riscos e ampliar investimentos. Esse modelo permite que capital privado seja direcionado a projetos de maior impacto socioambiental, potencializando os esforços para uma agropecuária mais regenerativa e inclusiva.
Além dos aspectos econômicos e financeiros, um ponto-chave da agricultura regenerativa é a resiliência climática. A capacidade de adaptação dos sistemas produtivos às mudanças no clima deve estar entre os resultados esperados desse modelo. Práticas regenerativas, como a diversificação de culturas, o manejo integrado do solo e a restauração da biodiversidade, não apenas promovem a regeneração dos ecossistemas, mas também aumentam a capacidade das lavouras e pastagens de suportar eventos climáticos extremos, como secas e chuvas intensas. Dessa forma, a adoção dessas práticas se torna um mecanismo essencial para garantir a estabilidade da produção agrícola a longo prazo e minimizar os impactos adversos das mudanças climáticas sobre a segurança alimentar.
A Agricultura Regenerativa tem se consolidado como um modelo essencial para a agropecuária sustentável, unindo produtividade, conservação ambiental e adaptação climática. Embora muitas de suas práticas já sejam adotadas, seu diferencial está na abordagem sistêmica, que busca restaurar ecossistemas produtivos, e não apenas mitigar impactos negativos. No Brasil, esse modelo ganha relevância diante da necessidade de equilibrar expansão agrícola e preservação dos recursos naturais. Para que essa transformação ocorra em larga escala, é fundamental superar desafios como a padronização de definições, desenvolvimento de métricas confiáveis e incentivos financeiros. A viabilidade desse modelo dependerá da integração entre inovação, conhecimento técnico e políticas públicas eficazes, permitindo que a agricultura regenerativa fortaleça a resiliência climática e posicione o Brasil como referência global em produção sustentável.
Referências e leituras recomendadas
BRASIL. Ministério da Agricultura e Pecuária. Plano ABC: dez anos de sucesso e uma nova forma sustentável de produção agropecuária. Brasília: MAPA/SDI, 2023. ISBN 978-85-7991-215-3.
BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL (BNDES). Circular SUP/ADIG nº 53/2024-BNDES - RenovAgro: Programa de Financiamento a Sistemas de Produção Agropecuária Sustentáveis - Ano Agrícola 2024/2025. Rio de Janeiro, 2024.
GHELER-COSTA, C.; LOPES, J.; CRUZ, G. M. da. Agricultura regenerativa no Brasil: desafios e oportunidades.
LAL, R. Regenerative agriculture for food and climate. Journal of Soil and Water Conservation, v. 75, n. 5, p. 123A–124A, 2020.
* Utilize esse material como referência livremente.
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GLOSSÁRIO
É uma estratégia financeira que combina recursos públicos, privados e filantrópicos para financiar projetos de alto impacto social e ambiental. O objetivo é atrair investimentos privados ao reduzir riscos associados a projetos que, de outra forma, não receberiam financiamento suficiente. Por meio dessa abordagem, capital público e filantrópico atua como catalisador, oferecendo garantias, subsídios ou crédito a taxas mais atrativas, enquanto o capital privado amplia a escala e a sustentabilidade econômica dos projetos. Essa técnica é amplamente utilizada em setores como infraestrutura sustentável, energia renovável e agricultura regenerativa.
É uma estratégia de produção sustentável que integra atividades agrícolas, pecuárias ou florestais na mesma área, em um processo de sucessão ou rotação, em busca de sinergias entre os componentes do ecossistema agropecuário. A iLPF contribui para a recuperação de solos degradados e a manutenção das áreas, além de melhorar a produtividade. A estratégia pode ser desenvolvida em quatro modalidades: integração lavoura-pecuária (agropastoril), lavoura-pecuária-floresta (agrossilvipastoril), pecuária-floresta (silvipastoril) e lavoura-floresta (silviagrícola).
O Plano ABC+ (Agricultura de Baixa Emissão de Carbono) é uma evolução do original Plano ABC, uma política pública do Brasil que visa promover práticas agrícolas sustentáveis. Este plano busca reduzir a emissão de gases de efeito estufa através de tecnologias e práticas que aumentem a produtividade agrícola e a resiliência ambiental, como o manejo adequado do solo, recuperação de pastagens degradadas, integração lavoura-pecuária-floresta, e sistemas agroflorestais.
É a movimentação do solo apenas no local de semeadura. A cobertura do solo fica intacta (palha), permitindo a diversificação de espécies e a minimização do tempo entre a colheita e a nova semeadura. Este tipo de sistema está associado à agricultura conservacionista do solo e da água, melhorando a adubação e aumentandoo conteúdo de matéria orgânica do solo. Outros benefícios estão relacionados à redução dos custos de produção, assim como do consumo de energia fóssil e agrotóxicos.
É um programa de financiamento oferecido pelo BNDES destinado a apoiar sistemas de produção agropecuária sustentáveis. O objetivo é mitigar os impactos ambientais causados por atividades agropecuárias, financiando produtores rurais e suas cooperativas para implementar práticas mais sustentáveis no campo. O programa busca promover a adoção de técnicas que melhorem a sustentabilidade ambiental, econômica e social das atividades agrícolas.
Na agricultura referem-se à combinação de diferentes práticas agrícolas no mesmo espaço, como a integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF). Esses sistemas visam otimizar o uso dos recursos naturais, melhorar a eficiência da produção e aumentar a sustentabilidade ambiental, econômica e social da atividade agrícola. Eles permitem uma melhor reciclagem de nutrientes, redução de pragas e doenças, e aumento da resiliência dos sistemas de produção frente a variações climáticas.
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