O que é a Moratória da Soja e por que ela foi suspensa?
09/10/25 - Gabriela Mota da Cruz | Luiz Arthur Chiodi Pereira

canva.com
Entenda como um pacto privado ajudou a reduzir o desmatamento na Amazônia — e por que seu futuro é incerto.
A soja ocupa posição central na economia brasileira. Estimativas do Insper Agro Global, com base em dados do USDA (2025), apontam que a produção nacional alcançou 65 milhões de toneladas na safra 2024/2025, cultivadas em 20 milhões de hectares, com produtividade média de 20 sacas por hectare. Esses números refletem a importância do grão tanto para a segurança alimentar, como base de proteínas e ração animal, quanto para a segurança energética, por seu papel na produção de biocombustíveis.
Além do mercado interno, o Brasil consolidou-se como um dos maiores exportadores de soja do mundo, fortalecendo seu papel estratégico na segurança alimentar global. Segundo estimativas do Insper Agro Global com base em dados do MAPA – Agrostat (2025), as exportações de grãos de soja atingiram mais de 120 milhões de toneladas em 2023, com destaque para a China como principal destino.
A expansão da sojicultura brasileira trouxe ganhos econômicos expressivos, mas também gerou questionamentos sobre seus impactos ambientais, especialmente no bioma Amazônia. A partir dos anos 2000, relatórios e campanhas internacionais passaram a relacionar a produção de soja ao desmatamento, o que levou empresas, organizações da sociedade civil e representantes do setor a buscarem mecanismos para reduzir essa associação.
Foi nesse contexto que, em 2006, foi criado o acordo privado conhecido como Moratória da Soja, um compromisso voluntário firmado entre empresas, entidades setoriais e organizações não governamentais. O pacto estabeleceu que traders e indústrias não comprariam soja oriunda de áreas desmatadas no bioma Amazônia, ainda que o desmatamento fosse permitido pela legislação (ponto que gera muitas críticas). O acordo definiu um marco temporal para a expansão da sojicultura, condicionando o aumento da produção ao uso de áreas já abertas, e consolidou-se como um instrumento de autorregulação setorial baseado em critérios de monitoramento e verificação independentes.
O pacto reuniu empresas responsáveis por grande parte da comercialização da soja produzida na Amazônia, configurando um mecanismo de autorregulação setorial. A implementação do acordo foi conduzida pelo Grupo de Trabalho da Soja (GTS), composto por representantes da ABIOVE, da ANEC, de órgãos do governo e de organizações da sociedade civil. O GTS é responsável por definir as regras e procedimentos de monitoramento, baseados em imagens de satélite e auditorias independentes das compras realizadas pelas empresas signatárias. O monitoramento é conduzido pela Agrosatélite, e as auditorias, sob coordenação do Imaflora, têm o objetivo de verificar o cumprimento do compromisso de não adquirir soja de áreas desmatadas após o marco estabelecido.
Nos primeiros anos, o monitoramento combinava imagens de satélite e sobrevoos de verificação. Com o avanço das tecnologias de sensoriamento remoto, o método passou a basear-se exclusivamente em imagens, permitindo a identificação de lavouras em conformidade com maior abrangência geográfica.
Com a promulgação do Código Florestal de 2012, que fixou 22 de julho de 2008 como data para definição de áreas rurais consolidadas, o GTS ajustou o marco temporal da Moratória para alinhar-se à legislação nacional. Esse novo parâmetro passou a valer a partir da safra 2014/15. Desde então, os relatórios anuais disponibilizam uma série histórica contínua (2012/13 a 2021/22) de monitoramento da soja na Amazônia com base nesse marco, o que possibilitou a observação de tendências de uso da terra e de conformidade com o acordo.
Figura 1 - Histórico da moratória da soja
Fonte: Elaborado pelo Insper Agro Global com base em Portal Moratória da Soja (2025)
Diversos estudos empíricos analisaram os efeitos da Moratória da Soja sobre a dinâmica de uso da terra no bioma Amazônia. As estimativas mais citadas indicam uma queda expressiva nas taxas anuais de desmatamento nos municípios produtores de soja após a adoção do pacto. Entre 2002 e 2008, período anterior à sua implementação, o desmatamento médio nesses municípios era de aproximadamente 10.600 km² por ano; após a entrada em vigor do acordo, esse valor diminuiu para cerca de 3.000 km² anuais, representando uma redução de mais de dois terços, segundos estimativas do Portal Moratória da Soja (2025). Estudos publicados em periódicos científicos internacionais corroboram esses resultados. A pesquisa de Gibbs et al. (2015), na revista Science, mostrou que antes da moratória cerca de 30% da expansão da soja ocorria sobre áreas recentemente desmatadas, enquanto depois do pacto esse percentual caiu para 1%.
Embora tenha alcançado resultados ambientais relevantes, a Moratória da Soja também gerou debates sobre seus impactos econômicos e institucionais. Diversos produtores, especialmente na região do Mato Grosso, argumentaram que o pacto criava restrições desiguais entre biomas, uma vez que a limitação se aplicava apenas à Amazônia, sem considerar outras áreas de expansão agrícola, como o Cerrado. Essa diferenciação territorial foi interpretada por parte do setor produtivo como um tratamento assimétrico, que limitava oportunidades de expansão para alguns produtores.
Além disso, a governança do acordo também foi alvo de questionamentos. As críticas destacaram a centralização das decisões em grandes tradings e organizações internacionais, bem como a ausência de mecanismos que garantissem maior representação de produtores rurais, sobretudo médios e pequenos.
Em 2023, a Nota Técnica nº 18/2023 do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) analisou parte dessas controvérsias, avaliando possíveis efeitos concorrenciais da moratória. O documento levantou hipóteses sobre potenciais barreiras de entrada ao mercado, impactos sobre preços e riscos de violação da legislação antitruste. O tema culminou na decisão de agosto de 2025, quando o CADE determinou a suspensão imediata da Moratória da Soja e abriu investigação sobre o papel das entidades signatárias, incluindo associações como a ABIOVE e a ANEC.
A suspensão representou um ponto de inflexão para a governança da cadeia da soja, abrindo um vácuo institucional após quase duas décadas de vigência do acordo e trazendo incertezas sobre quais instrumentos poderiam substituir sua função de coordenação setorial.
Com o término da Moratória, a cadeia da soja entra em fase de transição regulatória, e as certificações socioambientais privadas passam a ocupar espaço central na governança do setor. Programas como o Round Table on Responsible Soy (RTRS), ProTerra e ISCC oferecem sistemas de verificação e rastreabilidade baseados em critérios ambientais, sociais e legais, que vêm sendo adotados em resposta às exigências de mercados internacionais — em especial da União Europeia, com a entrada em vigor do Regulamento de Combate ao Desmatamento (EUDR) prevista para 2026.
A tendência indica que certificações reconhecidas globalmente poderão preencher parte do espaço deixado pela moratória, oferecendo mecanismos auditáveis e comparáveis internacionalmente. No entanto, sua expansão também impõe desafios, como custos de adesão, assimetria de acesso entre produtores e risco de concentração de benefícios em agentes de maior escala.
A consolidação de uma nova governança pós-moratória dependerá da capacidade de construir instrumentos inclusivos e legitimados por diferentes elos da cadeia — produtores, indústria, governo e sociedade civil. Nesse contexto, o fortalecimento de iniciativas públicas nacionais de rastreabilidade e certificação, como o programa Agro Brasil + Sustentável, pode complementar os mecanismos privados, reduzindo fragmentações e assegurando previsibilidade e transparência às regras de mercado.
A experiência da Moratória da Soja evidencia que acordos voluntários podem desempenhar papel relevante na coordenação de cadeias complexas, mas também ressalta a necessidade de estruturas de governança equilibradas, capazes de garantir competitividade, segurança jurídica e legitimidade socioambiental para o agronegócio brasileiro.
Referências e leituras indicadas:
CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA - CADE. Nota técnica 18 – SEI_CADE – 1285202 – 087000002702018-72. 2023. Acesso em: 18 ago. 2024.
ESTADÃO. Aprosoja MT estuda denunciar moratória da soja no CADE. Agro Estadão. Acesso em: 18 ago. 2024.
FORBES AGRO. Órgãos do governo divergem sobre moratória da soja, aumentando riscos para tradings. Forbes Brasil, 22 ago. 2025. Acesso em: 11 set. 2025.
GIBBS, H. K.; RAUSCH, L.; MUNGER, J.; SCHELLY, I.; MORTON, D. C.; NOOJIPADY, P.; SOARES-FILHO, B.; BARRETO, P.; MICOL, L.; WALKER, N. F. Brazil’s Soy Moratorium: Supply-chain governance is needed to avoid deforestation. Science, v. 347, n. 6220, p. 377-378, 2015.
MORATÓRIA DA SOJA. Home. Acesso em: 18 ago. 2024.
ROUND TABLE ON RESPONSIBLE SOY (RTRS). Visão geral 2024: adoção global de material certificado RTRS. 15 maio 2025. Acesso em: 11 set. 2025.[GMdC1]
* Utilize esse material como referência livremente.
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GLOSSÁRIO
Conjunto de atividades econômicas ligadas à produção, processamento e comercialização da soja e de seus derivados, como farelo, óleo e biodiesel. Engloba toda a cadeia produtiva, desde o cultivo até as exportações.
Empresas que atuam na compra, venda e exportação de grandes volumes de commodities agrícolas. No setor da soja, exercem papel central na logística, no financiamento da produção e na comercialização internacional.
Legislação que define regras para a proteção da vegetação nativa no Brasil, incluindo áreas de preservação permanente e reserva legal, além de estabelecer a data de 22 de julho de 2008 como marco para a regularização ambiental das propriedades rurais.
Regulamento da União Europeia que exige que produtos agrícolas, como soja, carne e café, importados para o bloco não estejam associados ao desmatamento. Entrará em vigor em 2026, impondo novas exigências de rastreabilidade e verificação de origem.
Sistemas privados de verificação que avaliam o cumprimento de padrões ambientais, sociais e legais na produção agrícola. Exemplos incluem RTRS (Round Table on Responsible Soy), ProTerra e ISCC, amplamente usados no comércio internacional.
Processo que permite identificar a origem e o percurso de um produto ao longo da cadeia produtiva, garantindo transparência e conformidade com exigências legais e de mercado.
Conjunto de instituições, normas e mecanismos que coordenam as relações entre diferentes elos da cadeia produtiva — produtores, indústrias, exportadores e consumidores —, influenciando práticas e padrões adotados pelo setor.
Mecanismo em que os próprios agentes de um setor econômico estabelecem regras e práticas de controle, sem imposição direta do Estado, com o objetivo de alinhar condutas e reduzir riscos regulatórios.
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