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INFRAESTRUTURA E TECNOLOGIA

O que são bioinsumos e qual o seu potencial para o agro brasileiro?

25/07/25 - Gabriela Mota da Cruz

Baixo Carbono | Meio Ambiente | Segurança Alimentar

O que são bioinsumos e qual o seu potencial para o agro brasileiro?

canva.com

Novas leis e inovações ampliam o uso de agentes biológicos para uma agropecuária mais sustentável, mas o acesso a financiamento e assistência técnica ainda limita sua expansão em larga escala

Os bioinsumos podem ser definidos, de forma objetiva, como produtos, processos ou tecnologias de origem biológica utilizados principalmente na agropecuária para melhorar a produção, a proteção e a qualidade dos cultivos e dos animais. Também podem ser empregados em sistemas aquícolas e florestas plantadas. Na agricultura e pecuária, esses insumos contribuem para a nutrição das plantas e animais, o controle biológico de pragas e doenças, a saúde do solo e a redução de perdas pós-colheita, tornando-se peças-chave para uma produção mais sustentável. Recentemente, a Lei nº 15.070/2024 formalizou o conceito de bioinsumos e criou um marco regulatório específico para sua produção e uso na agropecuária.

“Produto, processo ou tecnologia de origem vegetal, animal ou microbiana, incluído o oriundo de processo biotecnológico, ou estruturalmente similar e funcionalmente idêntico ao de origem natural, destinado ao uso na produção, na proteção, no armazenamento e no beneficiamento de produtos agropecuários ou nos sistemas de produção aquáticos ou de florestas plantadas, que interfira no crescimento, no desenvolvimento e no mecanismo de resposta de animais, de plantas, de microrganismos, do solo e de substâncias derivadas e que interaja com os produtos e os processos físico-químicos e biológicos” (BRASIL, 2024)

A definição legal dos bioinsumos contempla sua aplicação em diferentes etapas da cadeia produtiva agropecuária, incluindo não apenas a produção no campo, mas também o armazenamento, o beneficiamento e a conservação de alimentos. Nessas fases, esses insumos podem ser empregados como bioconservantes para inibir a ação de microrganismos indesejados, como biofilmes aplicados sobre frutas e hortaliças para prolongar a vida útil ou como agentes de controle biológico voltados à preservação de produtos processados. Tais aplicações demonstram a multiplicidade de usos dos bioinsumos, inclusive em estratégias de redução de perdas pós-colheita e conservação da qualidade dos alimentos.

O uso de bioinsumos na agropecuária também está diretamente associado aos seus atributos ambientais positivos. Esses produtos, de origem biológica, contribuem para práticas agrícolas mais sustentáveis ao reduzirem a dependência de insumos químicos, melhorarem a saúde do solo e estimularem o equilíbrio ecológico dos sistemas produtivos. A seguir, apresenta-se uma classificação que resume os principais tipos de bioinsumos utilizados no agro brasileiro, com suas respectivas descrições, impactos sustentáveis e exemplos práticos:

 

Classificação dos bioinsumos no agro

Tipo de Bioinsumo Descrição Impacto sustentável Exemplo
Inoculantes Contêm microrganismos vivos que promovem a fixação biológica de nitrogênio e auxiliam na absorção de nutrientes. Redução do uso de fertilizantes nitrogenados sintéticos e melhoria da saúde do solo. Aplicação de bactérias do gênero Rhizobium em sementes de soja para fixação biológica de nitrogênio.
Biofertilizantes Produtos que melhoram a fertilidade do solo e estimulam a microbiota benéfica. Diminuição da dependência de fertilizantes químicos e maior equilíbrio biológico do solo. Uso de compostos líquidos ou sólidos contendo matéria orgânica e microrganismos benéficos que melhoram a fertilidade do solo.
Agentes de controle biológico Organismos ou substâncias naturais que controlam pragas e doenças de forma sustentável. Substituição de defensivos químicos, preservando inimigos naturais e reduzindo resíduos. Utilização da bactéria Bacillus thuringiensis como bioinseticida para controlar lagartas em culturas como milho e algodão.
Solubilizadores de nutrientes Transformam nutrientes pouco disponíveis no solo (como fósforo) em formas assimiláveis pelas plantas. Aumento da eficiência do uso de nutrientes e menor lixiviação para o ambiente. Emprego de Bacillus megaterium para solubilizar fósforo no solo, tornando-o disponível às plantas.
Bioestimulantes Substâncias que favorecem o crescimento vegetal e aumentam a tolerância a estresses abióticos. Aprimoramento da produtividade com menor uso de insumos sintéticos. Aplicação de ácido húmico ou extratos de algas marinhas para estimular o crescimento e a resistência das plantas.
Semioquímicos e bioquímicos Compostos naturais que influenciam o comportamento de insetos e microrganismos. Controle seletivo de pragas com menor impacto ambiental. Uso de feromônios sexuais sintéticos em armadilhas para atrair e monitorar pragas como a traça-do-tomateiro.
Bioinsumos para produção animal e aquícola Produtos utilizados para melhorar a saúde e nutrição de animais e organismos aquáticos. Promoção do bem-estar animal e redução do uso de antibióticos. Incorporação de probióticos na alimentação de peixes em sistemas de aquicultura para melhorar a saúde intestinal e o ganho de peso.
Tecnologias pós-colheita Biofilmes e compostos que reduzem perdas e prolongam a vida útil dos produtos agrícolas após a colheita. Menor desperdício de alimentos e redução de perdas na cadeia agroalimentar. Aplicação de biofilmes comestíveis sobre frutas frescas, como maçãs ou mangas, para prolongar sua vida útil após a colheita.

 

Dados recentes da CropLife Brasil apontam um avanço na adoção dos bioinsumos no Brasil. A taxa média de adoção por área plantada subiu de 23% na safra 2023/2024 para 26% na safra 2024/2025, considerando os principais segmentos (controle biológico, inoculantes, bioestimulantes e solubilizadores). Esse crescimento de 3 pontos percentuais sinaliza um ritmo de expansão, consolidando uma taxa média anual de crescimento de 22% nos últimos três anos — aproximadamente quatro vezes acima da média global.

 

 

O uso de bioinsumos no Brasil continua concentrado em algumas cadeias produtivas estratégicas. Dados recentes da CropLife Brasil mostram que a soja responde por 62% do total de aplicação desses produtos, seguida pelo milho (23%) e pela cana-de-açúcar (10%). Já culturas como algodão, café, citrus e hortaliças somam juntas apenas 6% do uso. Esse perfil reforça o peso econômico desses setores no agronegócio brasileiro e a consolidação de práticas já disseminadas, como o uso de inoculantes na soja e de agentes biológicos no manejo da cana-de-açúcar.

 

 

Além disso, observa-se um crescimento expressivo por segmento na safra 2024/2025: a adoção de bioinseticidas passou de 26% para 30% da área, bionematicidas de 23% para 24%, biofungicidas de 11% para 13%, bionoculantes de 54% para 56% e solubilizadores de nutrientes de 4% para 5%. Esse avanço revela maior integração dos bioinsumos aos programas de manejo agrícola, não apenas nas culturas já consolidadas, mas também abrindo espaço para ampliar o uso em sistemas menos representativos até agora, reforçando o potencial de expansão desses insumos para toda a matriz produtiva.

 

 

Do ponto de vista regional, o Mato Grosso lidera o uso de bioinsumos agrícolas, concentrando 34% da área tratada no país. Em seguida aparecem Goiás/DF (12%), São Paulo (10%), Paraná e Mato Grosso do Sul (ambos com 8%). Estados como Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Bahia, Tocantins e Maranhão apresentam participação menor. Essa distribuição evidencia a forte correlação do uso de bioinsumos com os principais polos agrícolas do país e reforça a necessidade de políticas diferenciadas para fomentar sua adoção em regiões menos tradicionais.

 

 

A produção de bioinsumos no Brasil ocorre em dois formatos principais: produção comercial por biofábricas e produção para uso próprio, conhecida pelo termo “on farm”. Cada modelo atende perfis distintos de produtores e segue exigências regulatórias específicas.

As biofábricas são estabelecimentos registrados junto ao órgão federal de defesa agropecuária. Operam em escala comercial e devem cumprir requisitos técnicos e sanitários definidos por lei. Produzem insumos com registro e garantia de qualidade, que são distribuídos a propriedades de diferentes portes, cooperativas e revendas.

Já a produção on farm é realizada diretamente na propriedade rural e voltada ao uso exclusivo pelo produtor. Regulamentada pela Lei nº 15.070/2024, essa modalidade é dispensada de registro desde que não envolva comercialização. Ainda assim, deve seguir boas práticas de fabricação e, em algumas situações, contar com assistência técnica.

A legislação também permite a produção coletiva on farm, organizada por associações, cooperativas ou consórcios, ampliando o acesso a bioinsumos entre agricultores familiares. A lei reconhece ainda a diversidade produtiva de povos indígenas e comunidades tradicionais, dispensando o cadastramento formal dessas unidades e prevendo normas adaptadas às suas realidades locais.

A análise da produção, exportação e importação de bioinsumos enfrenta um desafio importante: a limitação dos códigos HS (Harmonized System) utilizados para classificar esses produtos em bases de dados oficiais. Muitos desses códigos não distinguem claramente os bioinsumos de produtos químicos convencionais que podem ter usos semelhantes na agropecuária ou em outros setores. Por exemplo, no caso dos biofertilizantes, os códigos frequentemente agrupam formulações de origem biológica e química, dificultando a obtenção de dados precisos sobre o volume comercializado de bioinsumos propriamente ditos.

A expectativa é que o mercado de bioinsumos no Brasil continue apresentando taxas de crescimento acima da média global nos próximos anos. Segundo levantamento da CropLife Brasil, o setor movimentou cerca de R$ 5 bilhões na safra 2023/2024, registrando um aumento de 15% em relação ao ciclo anterior. No cenário internacional, as projeções apontam que o mercado global de bioinsumos poderá atingir US$ 45 bilhões até 2032, com uma taxa anual de crescimento entre 13% e 14%, impulsionada pela maior adoção desses produtos em culturas de larga escala como soja, milho e trigo.

O uso de bioinsumos no Brasil ainda se concentra em culturas como soja, milho e cana-de-açúcar, mas políticas públicas vêm buscando ampliar sua adoção em outras cadeias produtivas. Entre essas iniciativas, destacam-se os programas de crédito rural com juros subsidiados, como o antigo Plano ABC e seu sucessor, o RenovaAgro, que financiam tecnologias sustentáveis, incluindo bioinsumos.

Um dos principais gargalos para a expansão desses insumos é a falta de assistência técnica adequada, especialmente entre pequenos e médios produtores. O uso eficiente de bioinsumos exige conhecimento sobre manejo integrado, formulação, aplicação e monitoramento de resultados. Sem orientação qualificada, o risco de uso inadequado aumenta, o que pode comprometer a eficácia e desestimular a adoção. Nesse sentido, políticas públicas que integrem crédito com capacitação técnica são essenciais para ampliar o acesso e garantir resultados consistentes em campo.

A sanção da Lei nº 15.070/2024 representa um marco regulatório importante, ao estabelecer regras claras para a produção, comercialização e uso de bioinsumos, inclusive prevendo modalidades adaptadas à realidade da agricultura familiar e de comunidades tradicionais.

O estímulo legal, aliado ao crédito direcionado e à assistência técnica estruturada, é fundamental para viabilizar uma transição em larga escala rumo a uma agropecuária mais sustentável no Brasil. Essa trajetória pode reduzir a dependência de insumos importados, valorizar a biodiversidade nacional e fortalecer a inovação tecnológica no campo.

 

Referências e leituras indicadas:

BRASIL. Lei nº 15.070, de 23 de dezembro de 2024. Regulamenta a produção, uso e comercialização de bioinsumos na agropecuária.

VIDAL, M. C. et al. Bioinsumos: a construção de um programa nacional pela sustentabilidade do agro brasileiro. EALR, 2021.

SAMBUICHI, R. H. R. et al. A produção de bioinsumos no Brasil: desafios e potencialidades. Boletim Regional, Urbano e Ambiental, IPEA, 2024.

EMBRAPA CERRADOS. Aspectos econômicos da produção de soja com o uso de remineralizadores e bioinsumos no Cerrado. Documentos 410, 2024.

 

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GLOSSÁRIO

Agentes de controle biológico:

Organismos vivos ou derivados naturais utilizados para combater pragas e doenças de forma sustentável. Podem incluir insetos predadores, parasitoides, fungos, bactérias ou vírus que atacam especificamente os organismos indesejados, como lagartas, pulgões, fungos patogênicos ou nematoides. Substituem ou complementam o uso de defensivos químicos, promovendo equilíbrio ecológico e redução de impactos ambientais.

Biofilme:

Película fina formada por substâncias naturais, geralmente aplicadas sobre frutas, hortaliças ou outros alimentos, com a função de proteger contra perda de umidade, ação de microrganismos e oxidação. Os biofilmes atuam como barreira física e biológica, prolongando a vida útil dos produtos e preservando sua qualidade durante o armazenamento e a comercialização. Podem ser compostos por materiais como amidos, proteínas, ceras vegetais ou polissacarídeos, e são considerados uma alternativa sustentável às embalagens plásticas convencionais.

Bioinsumos:

São produtos derivados de materiais biológicos, como microorganismos, extratos vegetais, substâncias orgânicas ou minerais, que são utilizados na agricultura para melhorar a fertilidade do solo, promover o crescimento das plantas, controlar pragas e doenças de forma sustentável. Eles são uma alternativa aos insumos químicos tradicionais, como pesticidas e fertilizantes sintéticos.

 

Programa Nacional de Bioinsumos:

Iniciativa do MAPA, lançada em 2020, com o objetivo de fomentar a produção, registro e uso de bioinsumos no Brasil.

Inoculantes:

Produtos contendo microrganismos vivos que, aplicados às sementes ou ao solo, promovem benefícios como a fixação biológica de nitrogênio.

Bioinsumos on farm:

Bioinsumos cuja a produção é realizada diretamente na propriedade rural para consumo próprio, dispensada de registro conforme a nova lei.

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