O que é SAF e qual é o potencial do Brasil no mercado de biocombustíveis para aviação?
10/09/25 - Leandro Gilio
Baixo Carbono | Bioenergia | Política | Uso da Terra

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As vantagens competitivas do Brasil na produção de biocombustíveis podem abrir caminho grandes oportunidades do país na produção de combustíveis para a aviação sustentável
O SAF (Sustainable Aviation Fuel) é um tipo de biocombustível projetado para ser usado em aeronaves como uma alternativa mais sustentável aos combustíveis tradicionais de aviação (querosene de aviação), tradicionalmente derivados de petróleo. É um tipo de biocombustível avançado, produzido a partir de fontes renováveis, como óleos vegetais, bioetanol, resíduos agrícolas, resíduos de madeira e outros materiais orgânicos, e apresentam efeitos positivos com relação à redução de emissões.
Os SAF podem ser considerados “sustentáveis”, uma vez que as suas matérias-primas não competem com as culturas ou a produção alimentar, nem exigem uma utilização incremental de recursos, como a água ou a limpeza de terras, e, mais amplamente, não promovem desafios ambientais, como a desflorestamento, a perda de produtividade do solo ou a biodiversidade.
Além disso, por possuírem propriedades análogas ao querosene atualmente existente na aviação, os SAF são considerados um combustível do tipo drop-in, ou seja, quando não são necessárias adaptações mais significativas tanto nas tecnologias dos motores quanto na infraestrutura de distribuição, podendo atender diferentes condições de mistura estabelecidas por órgãos reguladores
Segundo dados da Climate Watch the World Resources Institute, atualmente a aviação civil internacional representa cerca de 2% das emissões globais. Alternativas aos fósseis amplamente difundidas em outros segmentos de transporte, como a eletrificação, ainda não são viáveis para aeronaves devido a questões técnicas específicas da própria aviação (no caso de baterias, o peso elevado e a baixa autonomia). Daí a grande importância dos biocombustíveis na descarbonização do setor.
A produção de SAF envolve a conversão de matérias-primas renováveis, como óleos vegetais, resíduos agrícolas e outros materiais orgânicos, em um combustível adequado para uso em aeronaves. Existem várias tecnologias e processos para a produção de SAF, sendo as três mais populares: (1) Hydroprocessed Esters and Fatty Acids (HEFA), feito a partir de óleos vegetais, óleos residuais e gorduras animais; (2) Fischer-Tropsch (FT), que permite a produção a partir de uma diversidade de matérias primas diferentes; e (3) Alcohol-to-Jet (ATJ), que converte álcoois, como etanol e isobutanol, em hidrocarbonetos adequados para uso em aeronaves.
Entre as diferentes rotas disponíveis, para o Brasil entende-se como as maiores oportunidades a produção do HEFA, que poderia se incentivar com óleos vegetais oriundos da soja brasileira, e o ATJ, feito a partir de etanol de cana ou milho. Internacionalmente, a rota HEFA é considerada aquela com maior potencial para produção em larga escala, tendo em vista a consolidação de seu mercado e seu menor custo tecnológico e de produção[1]
Os atuais mandatos globais na área de aviação preveem o atingir o “net zero emission” até 2050, com 65% das emissões abatidas apenas com o uso de SAF[2]. Para tal, prevê-se que o consumo do biocombustível pelo setor terá que ser multiplicado em 7,5 vezes, subindo dos atuais 60 bilhões de litros em 2022 para 449 bilhões de litros em 2050. Caso essa demanda se concretize, o Brasil teria ampla oportunidade para produção ou suprimento de insumos para a produção global de SAF.
Estimativa de demanda para utilização de SAF pela aviação comercial até 2050, caso sejam cumpridos os compromissos globais de utilização do biocombustível
Fonte: Elaborado por Insper Agro Global com base em dados da Associação Internacional de Transportes Aéreo (IATA, 2025)
Além dos mandatos governamentais, inciativas de mercado, como o CORSIA (Carbon Offsetting and Reduction Scheme for International Aviation), ligada à Organização Internacional da Aviação Civil (International Civil Aviation Organization − OACI) tentam incentivar metas e mecanismos de mercado para a compensação ambiental na aviação, o que pode incentivar e acelerar o uso de SAF.
Mas o SAF também enfrenta desafios significativos — os principais ainda são os custos (utilização e produção) e a produção em larga escala. O alto custo de produção e a competição por recursos renováveis podem limitar sua adoção generalizada: o preço do galão do SAF hoje, em dólares, chega a ser 2 vezes o dos combustíveis tradicionais. Atualmente, segundo informações de algumas companhias aéreas[1], combustíveis representam quase 50% do custo operacional dessas empresas, o que torna esse patamar de elevação de preços ainda inviável para mercados. A expectativa de futuro é que a produção em larga escala orientada pela demanda, aliada a avanços tecnológicos, torne o SAF mais acessível e competitivo nos próximos anos.
O processo de implementação de Combustíveis Sustentáveis de Aviação (SAF) no setor aéreo demanda a formulação de políticas públicas que promovam a ampliação da produção deste recurso e a redução de seus custos operacionais. No Brasil, o Programa Nacional de Combustível Sustentável de Aviação (ProBioQAV), regulamentado pela Lei 14.993/2024, conhecida como "Lei do Combustível do Futuro", estabelece diretrizes concretas para o setor. O programa institui mandatos progressivos, exigindo que empresas aéreas reduzam suas emissões em 1% inicialmente, com metas de ampliação para 10% até 2037, priorizando o uso de SAF como alternativa sustentável.
Apesar dos avanços nas políticas públicas, a produção de SAF ainda enfrenta desafios técnicos e econômicos substanciais no país, decorrentes da complexidade dos processos produtivos e das elevadas exigências tecnológicas que demandam investimentos significativos. Nesse cenário, o Brasil ainda demonstra limitações estruturais, tanto no setor privado quanto no público, o que dificulta a consolidação do país como um ator global de destaque neste mercado. No entanto, a histórica experiência do Brasil na produção de biocombustíveis aponta para um potencial competitivo notável. E ganhos nesse mercado podem resultar em impulsos ao desenvolvimento econômico, avanços tecnológicos e a consequente geração de empregos e renda. Portanto, é indispensável que o país adote uma abordagem estratégica e integrada para atingir esses objetivos.
Leituras indicadas:
[2] Ver mais em CADO SAF Registry
[3] “Combustível já representa 50% do custo das aéreas, diz presidente da Gol”, notícia publicada no Valor Econômico em 22 de março de 2022. Acesso em janeiro de 2024.
* Utilize esse material como referência livremente.
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GLOSSÁRIO
Tipo de combustível de “origem biológica”, ou seja, derivado de biomassa, como plantas, óleos vegetais, resíduos orgânicos, ou basicamente de toda matéria-prima não mineral. Pode ser utilizado para gerar energia, incluindo combustíveis para veículos, eletricidade e calor. Em geral são uma alternativa mais sustentável em relação aos combustíveis fósseis por ser renovável e gerar menos emissões de gases de efeito estufa.
É a energia obtida de “origem biológica”, geralmente obtida a partir de biomassa vegetal, resíduos agrícolas, florestais ou até mesmo resíduos orgânicos. Ela é produzida por meio de processos como a combustão, a fermentação ou a conversão química e pode ser usada para gerar eletricidade, calor ou biocombustíveis.
Capacidade de uma nação ou região garantir um fornecimento confiável e acessível de energia para atender às necessidades de sua população e economia, minimizando riscos de interrupções ou escassez. Isso pode envolver diversificação de fontes de energia, infraestrutura resiliente e políticas energéticas sólidas.
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