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INFRAESTRUTURA E TECNOLOGIA

Quais são os principais desafios logísticos do agro brasileiro?

23/10/25 - Victor Martins Cardoso

Comercio Internacional | Logística e Infraestrutura

Quais são os principais desafios logísticos do agro brasileiro?

Wenderson Araújo/Trilux - Sistema CNA/Senar

Dados mostram o contraste entre a pujante produção agropecuária e a logística deficiente no Brasil

Nos últimos anos, o agronegócio brasileiro tem aumentado substancialmente a sua produção. O Brasil aumentou a sua quantidade de grãos produzida em média 5% ao ano desde o ano 2000, atingindo a marca recorde de 350,2 milhões de toneladas produzidos na safra 2024/25, segundo a Conab. Já as exportações do setor somaram no ano passado US$ 164,3 bilhões, valor oito vezes maior do que no começo desse século.

Em contrapartida, a infraestrutura logística brasileira caminha a passos lentos e não acompanha essa crescente produção agropecuária. Além do Brasil ser um país de dimensões continentais, o que faz de qualquer deslocamento de cargas pelo território ainda mais desafiador, a matriz de transportes desequilibrada e o alto déficit de armazenagem também tornam a logística para o agro brasileiro onerosa. O resultado desse “pesadelo logístico” é um paradoxo no qual o setor vive há tempos: quanto maior a produção, maiores são os problemas enfrentados. Os dados coletados revelam os gargalos enfrentados pelo agronegócio para poder comercializar seus produtos no mercado interno e ao externo.

A análise da logística do agronegócio brasileiro pode ser feita a partir de duas óticas: a de transportes, que envolve os modais viários existentes para deslocar e escoar os produtos agropecuários e agroindustriais; e a de armazenagem, que engloba a estrutura de estoques e armazenamento da produção agrícola. Em ambas esferas de estudo, o Brasil apresenta fracos resultados que não são compatíveis com o nível de produção do setor.

Figura 1: evolução da produção de grãos e da infraestrutura brasileira, em base 100 = 2014, entre 2014 e 2024

 

A malha de transportes brasileira pode ser dividida em três principais modais: rodoviário, ferroviário e hidroviário. Nos tempos do Brasil colônia, os meios de transporte eram rudimentares, sendo a navegação fluvial e marítima os únicos meios de locomoção no território. No final do século XIX, as primeiras ferrovias foram construídas, sendo instaladas nas principais regiões produtoras de café do país e interligadas com os portos, porém a integração entre as regiões brasileiras não era o foco naquela época. Somente a partir de 1930, as rodovias começaram a ganhar participação na malha de transportes, tendo como ponto de inflexão os anos 1950, nos quais os investimentos no modal rodoviário expandiram fortemente em detrimento do ferroviário e hidroviário, os quais perderam espaço no transporte de cargas no país desde então.

Dessa maneira, a malha de transportes brasileira tornou-se concentrada em rodovias. Estima-se que o Brasil tenha aproximadamente mais de 1,5 milhão de km em rodovias, sendo que apenas 13,7% é de fato pavimentado, o que resulta em 213,5 mil km de extensão, de acordo com a Confederação Nacional do Transporte. Já os modais hidroviário e ferroviário possuem uma infraestrutura relativamente menor, abarcando cerca de 20,4 e 30,6 mil km, respectivamente. Pelas rodovias passam 65% do transporte total de cargas no Brasil, uma participação elevada quando comparado com outros países, como os EUA (cerca de 56%), Austrália (36%), União Europeia (25%) e Ucrânia (9%), com base nos dados da OCDE.

No caso do agronegócio, essa concentração também é visível, tanto no transporte de grãos quanto no de insumos. De acordo com dados do Esalq-Log, o transporte de grãos de soja, milho e fertilizantes no Brasil é majoritariamente realizado pelas rodovias, cerca de 68,8%, 75,6% e 86%, respectivamente. A alta participação do modal rodoviário se estende à exportação de grãos e importação de insumos, visto que 44,7% e 54,2% do milho e da soja exportados pelo país são transportados por caminhões, respectivamente, assim como 84% dos fertilizantes importados. 

Em contraste, a participação de hidrovias e ferrovias na movimentação e escoamento de grãos são menores e decrescentes, na contramão de um modelo logístico eficiente. Aproximadamente 22% e 16,5% da produção de soja e de milho foi movimentada por ferrovias, respectivamente, enquanto 9% e 8% do transporte foi realizado por hidrovias. Quanto às exportações, 33,4% e 38,9% da soja e do milho escoados aos portos foram por trens de carga, respectivamente, participações significativamente menores do que em 2010, quando esses shares eram de 47% e 77,5%, respectivamente. As hidrovias tiveram um aumento na participação do escoamento desses grãos, principalmente de milho, em grande parte devido à ampliação dos portos do Arco Norte. Em 2010, 8% e 2,5% da soja e do milho exportados eram levados por hidrovias navegáveis, respectivamente, contrastando com os atuais 12,4% e 16,4%. Ainda assim, esses percentuais não são o suficiente para reduzir a relação de dependência do agronegócio com o modal rodoviário.

 

Por conta disso, o setor é refém de um meio de transporte ineficiente e caro para longas distâncias. O transporte de cargas por rodovias possui uma baixa eficiência energética, uma vez que um caminhão de soja, por exemplo, consome aproximadamente 1 litro a cada 2 quilômetros percorridos – considerando um trajeto entre Sorriso e Santos. Isso se reflete em um custo de frete mais alto. Aproximadamente 70% do custo logístico para exportar grãos para a China se deve ao transporte interno, mesmo com o trajeto marítimo percorrido sendo mais extenso do que o terrestre. Ao importar insumos, o mesmo problema surge, uma vez que o frete de caminhões que transportam fertilizantes aumentou 21% em termos reais desde 2010, devido ao aumento dos preços do combustível e a alta demanda desses insumos. Em meio a safras recordes, os custos de transporte tendem a aumentar, levando os produtores a menores margens. Uma forma de se proteger contra esse risco é armazenar os grãos para vender num outro momento do ano em que o frete já não é tão caro e os preços dos grãos são mais favoráveis.

Contudo, a armazenagem no Brasil é igualmente problemática à infraestrutura viária.  Apesar de crescer mais do que a malha de transportes, a infraestrutura de armazéns de grãos no Brasil também não consegue acompanhar a produção graneleira, gerando um déficit de armazenagem. Atualmente, o país é capaz de armazenar por volta de 70% de seus grãos, uma capacidade menor do que a dos EUA, que consegue armazenar em média 150% da sua colheita. Além disso, cerca de 80% da capacidade de armazenagem brasileira não está na fazenda, mas fora dela, o que torna o produtor mais dependente do serviço de armazenagem de terceiros, conferindo-lhe menor poder de decisão na comercialização de sua produção. Entre a minoria que possui estruturas de armazenagem nas suas propriedades, apenas 41,2% conseguem estocar mais do que 75% da sua produção e obter ganhos econômicos no planejamento da venda, segundo estudo desenvolvido entre o grupo Esalq-LOG e a CNA. Portanto, é notável que mesmo sendo um mecanismo de aumento da rentabilidade do produtor, o recurso de armazenagem ainda não está ao seu alcance.

 

Dessa maneira, algumas alternativas para armazenagem de grãos têm sido utilizadas. Uma delas, mais utilizada em regiões em que o déficit de armazenagem é maior, é o “estoque sobre rodas”, em que os caminhões de transporte de grãos desempenham armazéns móveis.  Contudo, essa prática tem um problema estrutural, uma vez que, durante a colheita, gera-se uma forte demanda por caminhões, causando aumento do frete e falta de veículos para transportar os grãos. Outra opção é o uso do silo bolsa (sistema de armazenagem temporário e móvel feito com uma bolsa de polietileno em camadas), que tem sido adotado por 19% dos produtores para evitar altos custos com fretes e obter melhores preços na entressafra. Os maiores gargalos para o agronegócio investir em uma armazenagem própria e que lhe permita uma alta rentabilidade no longo prazo são o alto custo de construção, dificuldade de acesso à crédito (pesquisa da CNA mostra que 25% dos produtores desconhecem linhas de crédito específicas para armazenagem) e falta de capital de giro.

A superação do chamado “pesadelo logístico” exige uma transformação estrutural da infraestrutura nacional. Para isso, recomenda-se uma mudança na matriz de transportes com investimentos estratégicos e acelerados em ferrovias e hidrovias, mais eficientes para longas distâncias, sem negligenciar os eixos rodoviários, principalmente os vicinais. Na armazenagem, a prioridade deve ser o incentivo à estrutura própria nas fazendas, com políticas públicas voltadas ao crédito acessível, à disseminação de conhecimento técnico e à integração de fundos de investimento ao setor. Para que a logística deixe de ser o nutriente mais escasso do agronegócio e passe a ser seu diferencial competitivo no cenário global, o setor deve unir esforços para que essas medidas entrem em vigor o quanto antes.

 

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