A COP30 e o Agro Brasileiro: entre o desafio climático e a oportunidade de liderança
24/04/25 - Gabriela Mota da Cruz | Victor Martins Cardoso
Meio Ambiente | Baixo Carbono | Imagem e Comunicação | Política

Como a transição sustentável da agropecuária pode viabilizar o cumprimento da NDC e reposicionar o Brasil na agenda climática internacional
O Brasil consolidou ao longo das últimas décadas uma imagem de articulador nas negociações climáticas multilaterais. Desde a organização da Cúpula da Terra em 1992, o país passou a ocupar espaço de destaque nos fóruns ambientais, contribuindo para a criação de acordos como o Protocolo de Kyoto e o Acordo de Paris. Essa trajetória reforçou sua capacidade diplomática, mas também ampliou as expectativas internacionais sobre sua atuação. Agora, com a realização da COP30 na Amazônia, o Brasil será chamado a traduzir seu histórico de protagonismo em compromissos concretos.
Em 2024, o Brasil atualizou sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC), estabelecendo metas absolutas para limitar suas emissões líquidas de Gases de Efeito Estufa (GEE), com limites absolutos de 1,32 bilhão de toneladas de CO₂ equivalente em 2025 e 1,20 bilhão em 2030, em comparação aos níveis de 2005. Essas metas absolutas substituem os compromissos anteriores expressos em percentuais. Além disso, o país indicou, em seu Plano Clima, a intenção de reduzir suas emissões líquidas entre 59% e 67% até 2035. A atualização buscou demonstrar maior ambição climática, em resposta à crescente cobrança internacional por ações efetivas de mitigação.
A estrutura das emissões no Brasil difere da observada em muitos países industrializados. Cerca de metade das emissões nacionais está relacionada à mudança de uso da terra, especialmente o desmatamento. Além disso, o setor agropecuário responde por uma fatia significativa — aproximadamente 28% —, impulsionado principalmente pelas emissões de metano do rebanho bovino e pelas práticas de manejo inadequadas. Isso torna o desafio brasileiro particularmente complexo, exigindo soluções integradas que aliem políticas de conservação ambiental à inovação tecnológica na produção agrícola.
Reduzir as emissões no Brasil passa, necessariamente, pelo controle do desmatamento, em especial na Amazônia. A maior parte dessa devastação está associada a práticas ilegais, como grilagem e ocupação irregular de terras públicas. A ausência de um sistema fundiário robusto e a fragilidade da fiscalização dificultam a contenção dessas atividades. Avançar na regularização de terras e no combate aos crimes ambientais será fundamental para que o país apresente resultados consistentes durante a COP30 e cumpra os compromissos firmados em sua NDC.
Nesse esforço, a transformação da agropecuária brasileira será decisiva. O sucesso da NDC depende de um setor agropecuário capaz de produzir mais com menos. A boa notícia é que essa transição já está em curso: o Brasil vivenciou, nas últimas décadas, uma revolução tecnológica no campo, com ganhos expressivos de produtividade que permitiram reduzir significativamente a demanda por novas áreas. Segundo estudo recente do Insper Agro Global, se o país mantivesse os níveis de produtividade de 1997, seriam necessários 224 milhões de hectares adicionais para atingir o volume atual de produção[1] — área superior à soma das áreas totais de Espanha, França, Alemanha, Suécia e Finlândia. Essa trajetória evidencia que a intensificação produtiva e a adoção de tecnologias sustentáveis têm gerado um importante “efeito poupa-terra”. Consolidar e expandir essa tendência é essencial para conter o desmatamento, aumentar a eficiência na produção e garantir que os compromissos climáticos brasileiros sejam cumpridos de forma viável e alinhada ao desenvolvimento do setor.
Além de contribuir para evitar o avanço do desmatamento por meio do aumento da produtividade, a agropecuária brasileira também tem ampliado sua capacidade de capturar carbono pelo solo. Dados recentes do SEEG mostram que as remoções líquidas de carbono pela atividade agropecuária cresceram de forma expressiva entre 2005 e 2023. Esse avanço é resultado da adoção crescente de práticas como o plantio direto, a recuperação de pastagens e os sistemas integrados lavoura-pecuária-floresta. Em 2023, o solo do setor agropecuário brasileiro removeu 283,7 MtCO₂e da atmosfera, o maior volume da série histórica. Esses dados reforçam o potencial do setor não apenas como parte do problema, mas também como parte fundamental da solução climática, desde que políticas públicas e incentivos econômicos sustentem essa transição em larga escala.
Emissões e remoções de carbono pelo solo do setor agropecuário brasileiro (2005 – 2023)
Fonte: SEEG (2024)
Esse desempenho positivo na captura de carbono pelo solo reforça o potencial da agropecuária brasileira como parte das soluções climáticas. Para que esse papel se consolide, é necessário integrar essas práticas produtivas a estratégias climáticas mais amplas, conectando o campo às políticas públicas e aos instrumentos de financiamento. A COP30 representa uma oportunidade para o Brasil apresentar essa experiência como exemplo de ação alinhada à redução de emissões e ao uso sustentável da terra.
Nesse contexto, espera-se que o Brasil tenha protagonismo nas discussões sobre financiamento climático, mecanismos de mercado e adaptação. Um dos focos será garantir recursos para iniciativas que combinem aumento de produtividade, redução do desmatamento e ordenamento territorial. A adoção de tecnologias de baixo carbono, o fortalecimento da regularização fundiária e a ampliação da capacidade de monitoramento ambiental exigem mecanismos de financiamento mais acessíveis e previsíveis. Como interlocutor do Sul Global, o Brasil pode contribuir com propostas baseadas em suas próprias experiências e necessidades, ampliando o alcance e a efetividade do apoio internacional.
Esse esforço ocorre em um cenário internacional marcado por retração do compromisso climático. Em 2025, a nova saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris, após a reeleição de Donald Trump, e o fortalecimento de lideranças céticas em relação à agenda ambiental em partes da Europa aumentaram as incertezas quanto ao futuro da cooperação multilateral. A redução de investimentos em fundos ESG e a fragmentação de interesses entre países dificultam a mobilização de recursos. Diante disso, torna-se ainda mais relevante que o Brasil apresente propostas técnicas consistentes, com foco em agricultura sustentável, conservação ambiental e governança fundiária, articuladas a instrumentos financeiros viáveis e de implementação concreta.
Ao mesmo tempo, a preparação logística para a COP30 tem gerado questionamentos. A capacidade da cidade de Belém para receber um evento dessa magnitude foi alvo de atenção, com destaque para a rede hoteleira limitada, restrições no sistema de transporte e pressões por obras emergenciais. Há preocupações específicas quanto ao risco de que a expansão acelerada da infraestrutura urbana e rodoviária leve à abertura de novas frentes de desmatamento na região amazônica. Críticas à condução dos processos licitatórios e à falta de transparência também foram levantadas. Esses fatores ampliam a necessidade de um planejamento integrado entre os diferentes níveis de governo, capaz de garantir a realização do evento sem comprometer compromissos ambientais e orçamentários assumidos pelo país.
No campo das negociações, a expectativa é de avanço em metas mais ambiciosas de redução de emissões, com destaque para a implementação efetiva do compromisso de zerar o desmatamento ilegal até 2030. Embora esse tema já esteja presente na NDC brasileira, a COP30 será um momento chave para demonstrar como o país pretende superar os entraves estruturais que dificultam esse objetivo, como a governança fundiária e a fiscalização ambiental. A clareza na apresentação dessas estratégias poderá fortalecer a credibilidade do Brasil nas negociações e sinalizar compromisso com a implementação.
A agenda da COP30 também demandará atenção à dimensão social da crise climática. Isso inclui garantir que diferentes segmentos da população sejam ouvidos e considerados, em especial comunidades indígenas, povos tradicionais e grupos em situação de vulnerabilidade. Incorporar esses atores às discussões será fundamental para que as políticas climáticas adotadas tenham legitimidade e efetividade.
Por fim, o sucesso da COP30 dependerá da articulação entre diversos setores da sociedade brasileira — governos, setor privado, academia e organizações civis — e da capacidade do país de transformar compromissos assumidos em ações consistentes. Esse esforço poderá consolidar o papel do Brasil na agenda internacional, ao demonstrar capacidade de alinhar desenvolvimento econômico, proteção ambiental e inclusão social de maneira concreta e integrada.
[1] Leia estudo clicando aqui.
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