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O Brasil precisa transformar a logística do agronegócio de gargalo em diferencial competitivo

31/03/25 - Thiago Guilherme Péra

Logística e Infraestrutura | Política

O Brasil precisa transformar a logística do agronegócio de gargalo em diferencial competitivo

Wenderson Araújo/Trilux | Sistema CNA/Senar

Investimentos em logística não têm acompanhado o crescimento da produção e uma mudança nessa rota é imediatamente necessária para manter a competitividade no setor

O agronegócio brasileiro vive uma era de conquistas produtivas históricas. Batemos recordes seguidos de produção de grãos e consolidamos o país como uma potência global na produção de alimentos. Mas esse sucesso nos impõe um grande desafio: escoar essa produção com eficiência, competitividade e sustentabilidade.

Hoje, o maior limitador do avanço do setor não é o campo, mas a logística. Se aplicarmos a velha Lei de Liebig – que nos ensina que a produção de uma cultura agrícola é limitada por seu nutriente mais escasso – a infraestrutura logística é, sem dúvida, o “nutriente mais escasso” do agronegócio brasileiro. Temos avanços importantes, mas seguimos presos a uma matriz de transporte desequilibrada, com forte dependência do modo rodoviário.

Para se ter uma ideia, 69% da soja brasileira foi transportada por caminhões em 2023, enquanto a ferrovia respondeu por 22% e a hidrovia por 9%. É um contrassenso: estamos usando o modo menos eficiente para longas distâncias, com impacto direto no custo, na previsibilidade e na pegada ambiental da logística.

O Brasil precisa reverter essa tendência. A boa notícia é que há exemplos que mostram que isso é possível. O corredor do Arco Norte é um caso emblemático. Em 2010, ele representava 12% das exportações de grãos; em 2024, esse número subiu para 35%. Isso só foi possível em função de uma conjunção entre investimento privado e mudanças regulatórias, como o marco dos portos (Lei nº 12.815/2013). Quando o marco legal incentiva e dá segurança jurídica, o investimento aparece. Caso recente, também, é o projeto de expansão da ferrovia no Mato Grosso para o grande cinturão de produção de grãos, que poderá trazer impactos significativos para a logística mato-grossense.

Outro gargalo relevante é a armazenagem. O Brasil hoje tem capacidade para armazenar cerca de 60% a 70% da produção de grãos, o que é insuficiente. Isso gera o fenômeno do “estoque sobre rodas”, com caminhões parados em filas, aumentando o custo logístico e a ineficiência do sistema. Estudos do Esalq-log mostram que uma capacidade de armazenagem maior, principalmente nas fazendas, poderia reduzir significativamente a demanda por caminhões nos picos da colheita. Mas, para isso, é preciso facilitar o acesso ao crédito, reduzir o custo dos investimentos e divulgar amplamente as linhas de financiamento existentes.

Outro ponto estrutural é a baixa produtividade do sistema logístico como um todo. Ainda temos caminhões esperando 30 horas para descarregar. Isso não é apenas uma questão de infraestrutura física, mas de gestão. Agendamento eletrônico, digitalização de processos e sistemas de informação integrados podem aumentar muito a eficiência operacional.

Também não podemos esquecer dos impactos climáticos recentes – estiagens, cheias, rompimento de infraestruturas – que revelam a vulnerabilidade da nossa logística. Precisamos de infraestruturas resilientes e planos de contingência para lidar com extremos climáticos cada vez mais frequentes.

Quando analisamos a competitividade do Brasil no comércio internacional, outro fator estrutural se impõe: o custo logístico interno. Embora a distância entre o Mato Grosso e os portos seja, em média, de 1.500 a 2.000 quilômetros, essa etapa representa cerca de 70% do custo total para exportar soja até a China. Em 2024, o transporte interno da soja brasileira até o porto custou, em média, US$ 12 por tonelada a menos do que no ano anterior — muito mais em função da quebra de safra e da desvalorização cambial do que de ganhos estruturais. Por exemplo, o custo logístico para colocar a soja do Mato Grosso até Shanghai (China) via Santos foi de US$ 126 por tonelada em 2023 e US$ 109 por tonelada em 2024. O Brasil apresenta corredores logísticos que são bastante competitivos para o fornecimento de soja globalmente, como, por exemplo, Rio Grande do Sul e e Paraná, que apresentaram custos logísticos totais para a China de US$ 63 e US$ 61 por tonelada, respectivamente, posicionando-os como um dos corredores mais competitivos do mundo.

Estamos em um momento decisivo. O Brasil precisa investir mais – hoje alocamos apenas 0,5% do PIB em infraestrutura de transporte – e precisa investir melhor, com planejamento, dados de qualidade, marcos regulatórios modernos e governança multissetorial. Ferrovias e hidrovias devem ser prioridade, mas sem negligenciar os eixos rodoviários que conectam as fazendas aos corredores logísticos.

Além disso, precisamos olhar para a questão humana. Cerca de 50% da nossa frota de caminhões é operada por motoristas autônomos. Precisamos de políticas que garantam condições dignas de trabalho e que estimulem a entrada de novas gerações nessa profissão, como já vem sendo discutido na Europa e nos Estados Unidos.

Por fim, a transição energética é um novo desafio que bate à porta. O Brasil terá que renovar sua frota e apostar em tecnologias limpas e eficientes. Isso pode, inclusive, abrir novas oportunidades de investimento e produtividade.

O Brasil tem vocação para ser líder global não apenas na produção, mas também na logística do agronegócio. Temos a escala, a demanda e o conhecimento técnico. O que falta é transformar gargalos em diferenciais. E isso só se faz com integração entre setor privado, governo e universidades, visão de longo prazo, decisões bem fundamentadas e investimentos.

 

Sobre o autor:
Thiago Guilherme Péra
Professor do Departamento de Economia, Administração e Sociologia da Esalq/USP e Coordenador do Grupo ESALQ-LOG

*O texto acima é de responsabilidade do autor, não refletindo, necessariamente, uma opinião do Insper Agro Global.


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