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Opinião: Trump ataca o Brasil mirando a China

16/07/25 - Alberto Pfeifer | Marcos Jank

Geopolítica | Comercio Internacional

Opinião: Trump ataca o Brasil mirando a China

rawpixel.com / National Archives

Reflexões sobre a carta de Donald Trump, que utiliza a majoração das tarifas de importação impostas unilateralmente ao Brasil para obter um rearranjo estratégico nas Américas, contra a China

A carta do Presidente dos Estados Unidos para o Presidente da República Federativa do Brasil, datada de 9 de julho de 2025, possui caráter singular e, em associação aos desdobramentos no mesmo período, indica um possível rearranjo estratégico nas Américas, com implicações profundas e de longo prazo. Embora as medidas comerciais anunciadas sejam dinâmicas e apresentem potencial de reversibilidade, as escolhas geopolíticas e estratégicas delineadas são de natureza duradoura. O assunto demanda máxima seriedade de parte das autoridades brasileiras encarregadas. A disputa em curso pela hegemonia global também está sendo jogada com força na América do Sul e, nesse momento, cada ação ou palavra contará.

A carta especifica medidas comerciais unilaterais a serem implementadas pelos EUA, sujeitas a negociação, com vigência a partir de 1º de agosto de 2025. Estas medidas seguem um padrão semelhante ao aplicado a outras nações.  Contudo, o fundamento econômico para tal abordagem revela-se frágil, dado que o Brasil acumula superávits comerciais em bens e serviços significativos a favor dos EUA, totalizando aproximadamente meio trilhão de dólares nos últimos 15 anos. Ademais, a tarifa de 50% sobre importações oriundas do Brasil é a mais elevada imposta até o momento.

Os dois parágrafos introdutórios fornecem a motivação para tais medidas: menciona-se um processo judicial supostamente iníquo contra um político brasileiro, manobras eleitorais antidemocráticas e ações de censura a redes sociais sediadas nos EUA. Notavelmente, o Brasil é o único país, até o momento, a ser alvo de sanções comerciais por razões essencialmente relacionadas à política doméstica, algo inédito na atual administração americana.

Entretanto, o eixo central da argumentação transcende tais justificativas diretas, apontando para uma disputa geopolítica abrangente em curso no Hemisfério Ocidental. A região sul da América do Sul desponta como uma área-chave, onde a influência global permanece, ainda, indefinida. O Cone Sul, que inclui Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Chile é estratégico em termos de projeção de poder sobre três oceanos (Atlântico, Pacífico e Antártico) e acesso às rotas logísticas do Sul do planeta.  O Cone Sul projeta capacidades no continente antártico, suas vizinhanças e até os céus do sul, cruciais para a exploração espacial. No panorama geopolítico mais amplo, observa-se uma dinâmica em reconfiguração: a influência chinesa na Argentina foi significativa nas últimas duas décadas, mas há fortes sinais de mudança. A intensificação das tratativas entre autoridades de alto escalão dos EUA e da Argentina, nas últimas semanas, acompanhada por acordos bilaterais comerciais e relacionados à defesa, reforçam uma realocação estratégica norte-americana na região. Por outro lado, o Brasil demonstra uma inclinação recente em direção à China, tanto por meio de relações bilaterais, quanto como um proeminente defensor do posicionamento desafiador do BRICS frente aos EUA.

O Brasil será testado. O bem-estar de seu povo e os valores e princípios de sua Constituição estarão em jogo. Não se trata de procedimentos judiciais, nem de censura virtual; e muito menos no comércio. Trata-se de uma reconfiguração das esferas de projeção e domínio sobre as vizinhanças territoriais. Repaginando a Doutrina Monroe da “América para os americanos” - formulada no início do século XIX - é preciso hoje neutralizar a presença e influência chinesa em qualquer lugar, por qualquer meio necessário.

Some-se a isso a investigação “Seção 301” que o Escritório do Representante Comercial dos EUA (USTR) iniciou em 15/07 contra o Brasil. Esta legislação permite que o governo americano investigue e imponha penalizações contra práticas comerciais de outros países consideradas "injustas, discriminatórias ou que restrinjam o comércio dos Estados Unidos". No caso do Brasil, a investigação foca em práticas relacionadas a comércio digital e serviços de pagamento eletrônico, tarifas preferenciais injustas, interferência em medidas anticorrupção, proteção de propriedade intelectual, acesso ao mercado de etanol e combate ao desmatamento ilegal.  Abre-se, assim, mais uma bateria de possíveis sanções a relevantes ramos produtivos brasileiros.

O setor agrícola é uma fortaleza e um ativo do Brasil, além de representar um dos principais prêmios em jogo nessa disputa de poder.  O agro brasileiro demonstra rápida expansão em direção à Ásia e China, que respondem por dois terços das suas exportações, sendo os EUA o principal concorrente. O Brasil deve evidenciar aos EUA que as tarifas sobre as exportações agrícolas acabarão prejudicando seus consumidores de café, suco de laranja, açúcar, carne bovina, açúcar e celulose. Por outro lado, ressaltar que o Brasil é um grande usuário de tecnologia e serviços sofisticados de empresas americanas, de insumos agrícolas e base de operação de trading companies de capital norte-americano. Dificultar as exportações brasileiras do agronegócio para os EUA induzirá seu desvio para outros mercados. O principal destino seria... a China – algo que vai contra o próprio interesse estratégico vital que os EUA querem preservar na região.

 

*Nota: O Prof. Dr. Alberto Pfeifer passa a integrar o time de pesquisadores do Insper Agro Global a partir de julho de 2025, como “Policy Fellow em Geopolítica e Estratégia Internacional”

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