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Governo Trump 2.0: novos desafios no cenário geopolítico global e impactos no agronegócio

30/01/25 - Luiz Arthur Chiodi Pereira | Leandro Gilio

Comercio Internacional | Geopolítica | Política

Governo Trump 2.0: novos desafios no cenário geopolítico global e impactos no agronegócio

Gage Skidmore

O que esperar do segundo mandato de Donald Trump e as suas implicações para o agro brasileiro

Donald J. Trump assumiu seu segundo mandato como presidente dos Estados Unidos no dia 20 de janeiro de 2025 e, com isso, o mundo volta suas atenções às suas primeiras ações nos âmbitos político e econômico, que podem resultar em impactos globais significativos.

Cercado por personalidades leais que compõem sua nova equipe, agora mais alinhada ao seu ideal político, Trump dedicou seu discurso de posse a temas ideológicos, enfatizando questões migratórias e de soberania nacional. A grande expectativa do mercado em seus primeiros atos recaía sobre possíveis mudanças imediatas nas tarifas de importação, prometidas em campanha, mas esse anúncio não ocorreu durante a posse. A previsão agora é que o anúncio seja feito em fevereiro, o que pode sinalizar maior disposição para diálogo no comércio exterior, especialmente com a China, e uma avaliação mais comedida sobre os riscos associados a esse tipo de política — que pode ter forte impacto na inflação, em um momento em que a autoridade monetária norte-americana vem atuando para controlá-la.

Mas as ameaças tarifárias e a tendência de aumento do protecionismo nos EUA ainda permanecem, com efeitos que devem reverberar sobre os mercados agropecuários globais.  Há especulações sobre a possibilidade de taxação de 20% sobre importações do Canadá e do México, além de 10% adicionais nas tarifas sobre produtos chineses — em campanha, Trump chegou a mencionar taxas de 60% para produtos com origem na China. O discurso inicial também abordou a União Europeia, com Trump defendendo uma redução do déficit comercial com o bloco, seja por meio de tarifas, seja pelo aumento das exportações de petróleo e gás.

[Atualização em 4/2/2025: Governo Trump anunciou alta de 10% nas tarifas sobre todas as importações da China para os EUA. Em resposta, China retaliou com aumento de tarifas para setores específicos, como alta de 15% para tarifas em importação de energia e 10% especificamente sobre petróleo e máquinas agrícolas. Trump também anunciou 25% de tarifas sobre produtos mexicanos e canadenses, mas suspendeu por um mês a implementação de tarifas para estes dois países, em negociação relacionada ao reforço de fronteiras.]

O agronegócio brasileiro tem grande relevância nas exportações para a China, colocando em foco as consequências para o Brasil de um possível fortalecimento da guerra comercial entre chineses e americanos. O Brasil tem como principal concorrente no agronegócio os Estados Unidos e, em 2024, exportou cerca de US$ 57 bilhões para China das principais commodities agropecuárias produzidas, enquanto os Estados Unidos exportaram cerca de US$ 34 bilhões. Entre essas exportações, o Brasil e os Estados Unidos competem diretamente em soja, carne de frango, algodão e, mais recentemente, milho, com o Brasil liderando o comércio dessas commodities para a China.

 

Uma reação dos governos estrangeiros com retaliações às tarifas americanas é esperada, caso essas medidas sejam efetivamente implementadas. Durante o primeiro mandato de Trump, a China e os EUA travaram uma guerra comercial baseada em tarifas, o que resultou em benefícios ao Brasil na exportação de produtos agrícolas ao mercado chinês. Nesse período, o Brasil preencheu um vácuo deixado pelos Estados Unidos no comércio de commodities agropecuárias com a China devido à retaliação tarifária, consolidando-se como o maior parceiro comercial dos chineses nesse setor, especialmente no mercado de soja.

Ainda assim, os países já sinalizaram à administração Trump a disposição para resolver divergências comerciais por meio de negociação e maior diálogo. No próprio gabinete de Trump, há divisões sobre a condução das políticas de comércio exterior. Por exemplo, Scott Bessent, secretário do Tesouro, defende aumentos graduais das tarifas, enquanto outros membros do gabinete preferem a implementação total e direta das taxações. A presença de Elon Musk no círculo pessoal do presidente também pode aliviar as tensões em relação à China, devido aos interesses comerciais do empresário no país asiático, sobretudo relacionados a metais raros, matéria-prima essencial para seus negócios de eletrificação.

Por ora, a transição de governo nos Estados Unidos permanece cercada de incertezas. Será necessário tempo para avaliar a efetivação de medidas previamente anunciadas e seus reais impactos ao longo do segundo mandato de Trump sobre a economia americana e mundial. Um cenário de intensificação da guerra comercial pode gerar rupturas de cadeias globais de valor e novas configurações de relações de comércio global. Além disso, a deportação em massa de imigrantes, como prometido em campanha, afetará principalmente o estoque de mão de obra e os custos de produção nos Estados Unidos, especialmente nos setores de serviços, construção civil e agronegócio. Isso poderá resultar em desaceleração econômica e aumento da inflação, tanto na economia norte-americana quanto no mundo. Atualmente, a curva de juros nos EUA já reflete os riscos inflacionários do segundo mandato de Trump, e as perspectivas de maiores gastos fazem com que o FED indique uma estabilização das taxas de juros na faixa de 4,25% a 4,5% ao ano, com pouco ou nenhum espaço para cortes em 2025.

Os discursos envolvendo o controle do Canal do Panamá, a compra da Groenlândia e a possível anexação do Canadá podem gerar tensões geopolíticas e abrir espaço, por exemplo, para o avanço da Rússia sobre a Ucrânia e da China sobre Taiwan. Conforme apontado por Trump em seu discurso de posse, seu objetivo é pressionar pelo encerramento de guerras ao redor do mundo e evitar que os Estados Unidos se envolvam em novos conflitos. O presidente citou como exemplo o cessar-fogo em Gaza entre Israel e o Hamas. No entanto, Trump não mencionou diretamente a guerra entre Rússia e Ucrânia nem as tensões entre China e Taiwan, o que gera dúvidas sobre como essas questões serão tratadas durante sua segunda administração.

A relação entre Estados Unidos e China ainda é incerta, o que gera dúvidas acerca da direção das exportações do agronegócio e coloca dois cenários principais em consideração. No primeiro, a administração Trump aumenta as tarifas sobre produtos chineses, adicionando 10% às taxas existentes, o que levaria a retaliações da China e ao fortalecimento da guerra comercial iniciada em 2017. Nesse caso, as exportações do agronegócio brasileiro podem ter espaço para crescer, seguindo o sentido que ocorreu entre 2017 e 2021, aumentando a participação do país no mercado chinês em commodities como algodão e carne bovina. No caso da soja, porém, as exportações dificilmente terão a mesma expansão observada anteriormente. O Brasil conseguiu absorver a demanda chinesa por soja no primeiro mandato de Trump abrindo uma grande frente de comércio. Hoje as exportações brasileiras para a China já estão mais consolidadas, com pouco espaço para absorção de demanda. Além disso, a China busca diversificar fornecedores para garantir entregas ao longo do ano, aproveitando períodos de safra diferentes no hemisfério sul e norte.

No segundo cenário, Trump mantém os níveis atuais de tarifas após negociar com o governo chinês. Nesse caso, os governos americano e chinês encontram um equilíbrio comercial e a China não precisará retaliar as taxações americanas. Como consequência, os produtos agrícolas americanos não teriam restrição de entrada na China. Isso implicaria um aumento de concorrência para os produtos brasileiros, dado que a China, assim como o Brasil, tem os Estados Unidos como principal fonte de importação de produtos agropecuários.

 

Como é possível observar no gráfico anterior, o Brasil vem atendendo à demanda chinesa por soja desde o início da guerra comercial. Entretanto, essa realidade pode não se repetir diante da atual conjuntura do mercado agropecuário. A incerteza sobre as dinâmicas do mercado no segundo mandato de Trump dificulta a previsão sobre a direção das exportações brasileiras destinadas a China. Assim, será necessário mais tempo para avaliar os rumos do agronegócio brasileiro.

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