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Os riscos da guerra Israel-Palestina para o agro brasileiro

16/11/23 - Marcos Jank | Leandro Gilio | Isabela Duleba | Victor Martins Cardoso

Comercio Internacional | Geopolítica

Os riscos da guerra Israel-Palestina para o agro brasileiro

A escalada do conflito pode impactar a demanda do Oriente Médio e os custos do setor

O atual conflito entre Israel e Palestina tem como marco inicial o dia 7 de outubro, quando os israelenses sofreram o ataque do Hamas, que surpreendeu o mundo pela facilidade com que invadiu as fronteiras israelenses. A ofensiva do grupo terrorista palestino deixou mais de 900 mortos em diversas cidades do sul de Israel. Em resposta ao ataque, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, decretou estado de guerra contra o Hamas, bombardeando a Faixa de Gaza.

Além da tragédia humanitária que se desenvolve, a situação de conflito e a elevação da tensão geopolítica global contaminam os mercados, gerando consequências econômicas relevantes no mundo todo. Para o Brasil, as atenções voltam-se ao agronegócio, o setor econômico mais integrado com o mercado internacional e, por isso, mais exposto a choques externos.

O efeito mais direto sobre o agronegócio brasileiro com a eclosão do conflito seria a diminuição do fluxo comercial entre o Brasil e os países da região possivelmente afetados pela guerra. Israel e Palestina não são destinos relevantes para produtos brasileiros — juntos, representam menos de 0,5% do montante exportado pelo agro brasileiro em 2022.  No entanto, é crucial mencionar que o Hezbollah, grupo com forte presença no Líbano e que mantém laços com o Irã, apoia o Hamas e representa um elemento com potencial de escalar o conflito pela região.

Eventuais bloqueios de comércio envolvendo países como Irã, Arábia Saudita, Egito e Líbano poderiam gerar um choque significativo no fornecimento brasileiro, já que os países que circundam o conflito importaram US$ 10,2 bilhões em produtos do agronegócio brasileiro em 2022, o equivalente a 6% das exportações do setor em valor. Esses cinco países responderam por metade das exportações totais do agro brasileiro para países islâmicos do Oriente Médio e Norte da África (MENA, em inglês), que atingiram US$ 20,1 bilhões em 2022.

Atualmente, o Brasil é o segundo maior fornecedor global de produtos do agronegócio para Israel, Egito, Arábia Saudita e Irã. A União Europeia liderou as importações desses países, com 23% do total. O Brasil vem logo em seguida, respondendo por 9% desse comércio. A commodity mais demandada pela região é o milho, produto no qual o Brasil tem a liderança global em embarques.

Com relação à oferta, os países da região não são exportadores relevantes de produtos do agronegócio. Portanto, não se espera que esse conflito produza uma pressão direta sobre preços internacionais de commodities alimentares, como ocorreu no conflito entre a Rússia e a Ucrânia, que afetou o comércio global de grãos como trigo e milho.

 
 

Além do impacto das exportações potenciais de produtos do agro brasileiro, o conflito gera preocupações em relação a energia e insumos estratégicos. Israel responde por cerca de 5% das importações brasileiras de fertilizantes (principalmente potássio e fosfatos), mas o impacto mais significativo advirá dos efeitos sobre os preços internacionais do petróleo. A região do Oriente Médio abriga algumas das maiores reservas de petróleo e de gás natural do mundo e, historicamente, qualquer instabilidade na região tem o potencial de afetar fortemente os preços e custos internacionais, devido a riscos de interrupções de produção ou transporte na região.  

A escalada dessa guerra é muito preocupante, pois poderia afetar o crescimento da economia mundial, como já vimos no passado. A existência de Israel sempre foi contestada por seus vizinhos, que, em geral, apoiam a causa palestina. Houve vários conflitos diretos entre Israel e países árabes, mas um dos mais significativos ocorreu na década de 1970. Em 1973, uma coalizão de estados árabes lançou um ataque surpresa contra Israel, no episódio que ficou conhecido como a Guerra do Yom Kippur. Em resposta, os Estados Unidos enviaram ajuda de emergência a Israel, o que levou as nações árabes que faziam parte da Opep a imporem um embargo contra os norte-americanos. Esse embargo impediu os Estados Unidos de importarem petróleo dos países membros árabes da Opep e desencadeou uma série de cortes na produção que afetaram o mercado de petróleo.

Isso desencadeou um aumento significativo nos preços do petróleo, com forte impacto global. O preço do petróleo por barril inicialmente duplicou e, em seguida, quadruplicou, resultando em custos exorbitantes para os consumidores e desafios estruturais para a estabilidade de economias nacionais[1].

Atualmente, considera-se improvável que um cenário semelhante ao de 1973 se repita cinquenta anos depois, em 2023, uma vez que não se espera que outros países se envolvam na guerra de maneira direta. Muitos países árabes demonstram simpatia pela causa palestina, mas o cenário econômico e geopolítico no Oriente Médio mudou drasticamente desde os anos 1970.

Os produtores de petróleo do Golfo que são membros da Opep não têm motivos para reduzir as vendas de petróleo. Nos anos 1970 os principais importadores de petróleo bruto eram os Estados Unidos e a Europa, enquanto os estados árabes da Opep dominavam as exportações globais. Hoje, os mercados são muito mais diversificados, e a participação da Opep na produção de petróleo diminuiu. Além disso, reduzir o fornecimento e aumentar os preços afetaria as economias do Oriente Médio e as relações dessa região com os países asiáticos.

Atualmente, os conflitos no Oriente Médio também contam muito mais com a participação de grupos terroristas não estatais - como o Hezbollah e o Hamas, apoiados pelo Irã - do que efetivamente com Estados nacionais. Esses movimentos ainda têm uma escala relativamente restrita, e é provável que continuem assim.

Por enquanto, avalia-se que o Hezbollah tem a posição de tentar encontrar um equilíbrio entre apoiar o Hamas e evitar se envolver em um conflito militar amplo com Israel. No Líbano, onde o Hezbollah está baseado, há pouco apetite pela guerra devido à grave crise econômica que o país enfrenta. Mas se o movimento de destruição de Gaza prosseguir, isso poderia pressionar o Hezbollah a se envolver de forma mais ampla, aumentando a pressão sobre as forças israelenses e criando o risco de maior envolvimento dos EUA ou do Irã.

Mapa de conflitos no Oriente Médio


Fonte: Foreign Policy

 

No caso de uma entrada direta do Irã no conflito, o resultado seria mais preocupante. De acordo com estimativas de mercado, esse cenário causaria forte alta nos preços do barril de petróleo e intensa pressão inflacionária em escala global. Para o agro brasileiro, além do bloqueio de um mercado mais relevante, os custos com a alta do petróleo exerceriam maior pressão sobre o produtor. Uma recessão em nível global também resultaria em queda da demanda geral, inclusive de produtos agropecuários.

Portanto, pode-se concluir que o atual contexto ainda traz poucos riscos e efeitos diretos sobre o agronegócio brasileiro, mas as incertezas associadas à possibilidade de escalada do conflito são preocupantes. Ainda que essa probabilidade seja hoje pequena, tal perspectiva carrega consigo consequências econômicas severas, o que contribui para a apreensão e a cautela entre os investidores e agentes do setor.

[1] Dados completos disponíveis no do site Federal Reserve. Para mais informações acesse: https://www.federalreservehistory.org/essays/oil-shock-of-1973-74

 

Referências

Abi-habib, M., & Hubbard, B. (2023). Hezbollah hesitates as Israel strikes Gaza. The New York Times.

Alkadiri, R., Brew, G., & Allen, C. (2023). Only minimal risks of disruptions to Gulf oil exports absent an escalation of conflict to include Iran. Eurasia Group.

Kamel, A., Meranto, S., Brew, G., Alkadiri, R., Kahn, R., Kupchan, C., & Monieb, O. (2023). Risks of a wider regional conflict primarily driven by Israel-Hizbullah confrontations. Eurasia Group. 


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