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Risco de judicialização pode colocar em xeque a Lei do Licenciamento Ambiental

03/12/25 - Gabriela Mota da Cruz | Ernesto Yoshida

Meio Ambiente | Política

Risco de judicialização pode colocar em xeque a Lei do Licenciamento Ambiental

Rafael D. Marques /Secom - MT

Derrubada de vetos flexibiliza regras ambientais e reacende insegurança jurídica, com possíveis impactos sobre o agro, biomas e povos tradicionais

O Congresso Nacional derrubou 52 vetos presidenciais à Lei Geral do Licenciamento Ambiental, alterando significativamente seu texto final. A decisão restabeleceu dispositivos que flexibilizam exigências, ampliam o uso de licenças simplificadas e reduzem a participação de órgãos federais na análise de empreendimentos.

Segundo reportagem do Poder360, a derrubada dos vetos reativou pontos centrais da proposta, como a autorização para que atividades classificadas como de médio potencial poluidor sejam submetidas a procedimento simplificado, além da ampliação do uso da Licença por Adesão e Compromisso (LAC). Nesse modelo, o empreendedor assume compromisso formal e obtém a licença sem análise técnica prévia detalhada por parte do órgão ambiental. Também voltaram a valer mudanças que restringem a obrigatoriedade de estudos como o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), e dispositivos que enfraquecem a influência de pareceres de órgãos federais responsáveis por áreas indígenas, quilombolas e unidades de conservação.

Consultado pelo Insper Agro Global, o advogado de agroambiental do VBSO e pesquisador da FGV Leonardo Munhoz avaliou que a ampliação da LAC para atividades de médio impacto é o ponto mais vulnerável da nova legislação. “Não há precedentes nacionais ou internacionais para o uso da LAC nesse nível de impacto”, afirmou. Segundo ele, esse tipo de licença é adotado exclusivamente para atividades de baixo risco, tanto no Brasil quanto em países europeus. “Isso abre margem para questionamentos judiciais”, avaliou.

Outro aspecto crítico, segundo Munhoz, é a alteração da Lei da Mata Atlântica, incorporada ao novo texto por meio da Lei de Licenciamento. A mudança retira do órgão ambiental federal a competência para autorizar a supressão de vegetação do bioma. “A redação gera fragilidade jurídica ao modificar uma lei especial dentro de uma lei geral — prática que pode ser associada a dispositivos ‘jabutis’”, explicou. A alteração também pode intensificar conflitos entre a Lei da Mata Atlântica e o Código Florestal, que já geram disputas judiciais em diversos estados.

Sobre o argumento de retrocesso ambiental, frequentemente citado por entidades socioambientais, Munhoz acredita que não deve ser eficaz em eventuais ações no Supremo Tribunal Federal. “O STF tende a aplicar essa tese em casos de evidente nulidade de direito constitucional, não de atualização ou alteração de critérios técnicos ambientais nas leis”, afirmou. Para ele, a aplicação do princípio do retrocesso ambiental é, na prática, restrita.

No setor agropecuário, a derrubada dos vetos teve impacto direto. O Congresso retomou o dispositivo que dispensa o licenciamento para atividades rurais em imóveis com Cadastro Ambiental Rural (CAR) ainda não homologado — previsão anteriormente vetada pelo governo por receio de que legalizasse situações irregulares.

Munhoz pondera, no entanto, que exigir o CAR homologado é inviável no cenário atual. “Boa parte dos estados enfrenta dificuldades para validar os cadastros. Isso poderia gerar insegurança jurídica e levar pequenos produtores à judicialização de pedidos de licenciamento”, observou. Nesse caso, ele avalia que a derrubada do veto tende a reduzir conflitos, ao evitar que agricultores fiquem em um limbo regulatório.

A nova lei também reduz o peso decisório dos pareceres de órgãos federais responsáveis pela proteção de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais. Embora a consulta continue obrigatória, sua força vinculante é enfraquecida. “Embora a descentralização possa ser positiva em alguns contextos, muitos estados não têm capacidade técnica para substituir a atuação federal, o que pode comprometer a proteção de territórios vulneráveis”, alertou Munhoz.

A ausência de definições claras sobre o que constitui pequeno, médio e grande impacto é apontada como a maior fragilidade estrutural da legislação. Sem parâmetros técnicos objetivos, disputas ambientais tendem a ser resolvidas politicamente — e, posteriormente, no Judiciário. Munhoz cita o exemplo do Código Florestal, cuja constitucionalidade levou oito anos para ser julgada pelo STF. “Durante esse período, licenças concedidas ficaram sob risco de invalidação retroativa, exigindo modulação de efeitos para evitar prejuízos econômicos. O mesmo pode ocorrer agora: licenças emitidas enquanto durar a judicialização poderão ser anuladas, gerando forte insegurança para investidores e empreendedores”, concluiu.

Ao flexibilizar exigências e redistribuir competências, a nova Lei do Licenciamento busca simplificar processos e acelerar projetos. No entanto, a ausência de critérios técnicos sólidos, a inserção de dispositivos desconexos e o enfraquecimento de salvaguardas ambientais criam um ambiente de incerteza que, paradoxalmente, pode resultar em mais paralisação — e não em agilidade. O desafio agora é equilibrar previsibilidade regulatória, proteção socioambiental e eficiência administrativa. Sem esse equilíbrio, a lei corre o risco de se tornar mais um capítulo de judicialização prolongada — com custos elevados para o agro, para os biomas e para as populações que dependem diretamente da integridade ambiental.