Mais salvaguardas e ações protecionistas: há motivos para o receio da União Europeia em um acordo com o Mercosul?
18/12/25 - Leandro Gilio | Victor Martins Cardoso
Geopolítica | Comercio Internacional | Macroeconomia
O acordo entre Mercosul e a União Europeia (UE), que teve a negociação iniciada em 1999 e concluída apenas ao final de 2024, teve aprovação do Parlamento Europeu no último dia 16 de dezembro e segue para a reunião dos países europeus em Conselho para deliberar sobre a aprovação do texto. Apesar dos passos importantes no processo de negociação e estabelecimento da parceria, o texto aprovado no parlamento foi mais rígido do que a proposta aprovada pela Comissão Europeia em 2024, impondo salvaguardas mais restritivas para produtos considerados “sensíveis”, com foco nos produtos agrícolas. Essa ação é mais um fator complicador para a concretização do acordo, cuja assinatura se previa para o dia 20 de dezembro de 2025.
Salvaguardas são mecanismos de proteção de mercado, aplicados com o objetivo de proteger a produção nacional contra um aumento das importações considerado súbito e prejudicial ao produtor interno. Na prática, salvaguardas são um instrumento que podem levar à suspensão dos benefícios concedidos ao Mercosul, caso a União Europeia conclua o seu processo de aplicação.
Embora já estivessem previstas no texto do acordo (inclusive para o Mercosul, no caso de automóveis, por exemplo), as condições definidas pelo Parlamento elevaram as exigências e ampliaram a possibilidade de aplicação dessas medidas. Entre as novas disposições, destaca-se a redução do limite necessário para iniciar investigações de salvaguardas: de um aumento de 10% das importações (proposta original da Comissão Europeia) para apenas 5% em comparação à média dos últimos três anos. O prazo das investigações também foi reduzido de seis para três meses no geral, e de quatro para dois meses no caso de produtos agrícolas sensíveis.
Os produtos incluídos nessa categoria são variados, abrangendo carnes (bovina, suína e de aves), lácteos, grãos (milho, arroz, sorgo), biocombustíveis (etanol e biodiesel), açúcar, mel, alho, entre outros. Além disso, salvaguardas poderão ser aplicadas caso os produtos importados não cumpram requisitos ambientais, de bem-estar animal, de saúde, segurança alimentar ou trabalho similares aos impostos aos produtores europeus.
A reação do Parlamento Europeu vai ao encontro das tentativas de França e Itália de postergar a assinatura do acordo, denotando a preocupação da União Europeia com relação à possibilidade de “invasão” de produtos agropecuários no mercado europeu, prejudicando produtores locais. No entanto, esse receio europeu realmente se justifica?
Em estudo realizado por pesquisadores do Insper Agro Global[1], indica-se que, ao se avaliar minuciosamente os termos do acordo, verificando-se todas as reduções tarifárias, cotas ampliadas, entre outros mecanismos, permaneceriam as características protecionistas e a UE seguiria impondo maiores barreiras às importações brasileiras de produtos agrícolas.
Um bom exemplo é o segmento de carne bovina, onde atualmente há cotas tarifárias (TRQ) bastante restritivas no acesso ao mercado. Mesmo com a previsão de uma maior abertura e cotas preferenciais ao Mercosul, o volume adicional intra-cota representaria apenas 1,5% do mercado consumidor europeu, com tarifas quase impeditivas extracota (veja mais aqui).
No geral, considerando todos os produtos (agrícolas e não agrícolas), prevê-se que um potencial ganho de comércio total no Brasil entre 2% e 7% a partir do que já se exportava para Europa, com a concretização final dos termos do acordo, faseada no período de 15 anos. Essa elevação seria principalmente decorrente de aumento das importações de produtos agrícolas oriundos do Brasil; no entanto, a maior parte (60%) viria de algum aumento definido na cota tarifária (TRQ) ao país. Ou seja, ainda haveria fortes restrições e baixíssimo risco de qualquer invasão de produtos brasileiros no mercado europeu com base no acordo, configurando-se mais como uma flexibilização controlada do comércio do que como uma maior abertura plena.
Nesse momento, a comissão europeia se reúne para avaliar o texto final e, se houver aval, a assinatura está prevista para sábado (20), em Foz do Iguaçu, durante a cúpula de chefes de Estado do Mercosul. No entanto, as salvaguardas impostas são medidas unilaterais. Se o Mercosul contestar, elas não serão aplicadas automaticamente e abre-se espaço para novas negociações comerciais.
[1] Estudo completo apresentado no 53º Encontro Nacional de Economia (ANPEC) – Para ler, clique aqui
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