Abertura do mercado chinês para DDG e DDGS brasileiros reposiciona o Brasil na geopolítica dos insumos agrícolas
21/05/25 - Guilherme Marques Campbell | Ana Julia Moura
Geopolítica | Comercio Internacional

David González M. / Diálogo Chino
A autorização para exportação de grãos secos de destilaria marca um movimento estratégico nas relações comerciais Brasil-China, abrindo mais espaço em um dos maiores mercados de proteína do mundo
INFORMAÇÕES PRINCIPAIS
● Durante a última visita do presidente Lula à China, foram firmados acordos que autorizaram a exportação de DDG (dried distillers grains) e DDGS (dried distillers grains with solubles) para o mercado chinês;
● A China, que até então importava 99,6% de seus DDG/DDGS dos EUA, movimentou US$ 65 milhões em importações do produto em 2024 e passa a contar com o Brasil como novo fornecedor autorizado;
● Os DDG/DDGS são coprodutos do etanol de milho, usados na nutrição animal (suínos, aves, bovinos), sendo uma alternativa econômica ao milho e à soja;
● A produção brasileira de DDG/DDGS na safra 2024/25 foi de 4,1 milhões de toneladas, com 21,8% destinados à exportação. A expectativa é alcançar 6 milhões de toneladas até a safra 2030/31;
● A abertura do mercado chinês é vista como uma estratégia do país asiático para diversificar fornecedores e mitigar riscos geopolíticos em sua cadeia de suprimentos alimentares, além de representar uma oportunidade para o Brasil consolidar sua presença global em mercados de ração animal;
● Para consolidar-se como player global, o Brasil precisará investir em logística, certificações, inteligência comercial e diálogo institucional com mercados estratégicos.
No dia 13 de maio de 2025, no contexto da visita oficial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à China e de seu encontro com o presidente Xi Jinping, foram firmados dois importantes acordos bilaterais[1] no campo da cooperação agropecuária. Na ocasião, o ministro da Agricultura e Pecuária do Brasil, Carlos Fávaro, assinou dois protocolos e um memorando de entendimento com a Administração-Geral de Aduanas da China (GACC), estabelecendo marcos normativos para a expansão das exportações brasileiras de produtos agropecuários. Ambos os acordos têm sido vistos como um avanço estratégico nas relações comerciais entre os dois países, especialmente por consolidarem o Brasil como um ator relevante no suprimento de alimentos e insumos agroindustriais para o mercado chinês, mas também como uma porta estratégica para a China ao pensar sua política de diversificação comercial frente aos aumentos tarifários com os Estados Unidos.
Os acordos em si resultaram na abertura do mercado chinês para cinco produtos brasileiros: (i) carne de pato, (ii) carne de peru, (iii) miúdos de frango (coração, fígado e moela), (iv) grãos secos de destilaria, subprodutos da produção de etanol de milho (DDG e DDGS), e (v) farelo de amendoim. Esses produtos integram cadeias globais de suprimento alimentar e têm na China um dos principais polos de consumo global. Segundo dados do mercado asiático de DDGs, a demanda por esse insumo específico movimentou cerca de US$ 65 milhões na China em 2024 em importações. Até então, os Estados Unidos detinham virtualmente a totalidade das exportações para o mercado chinês, respondendo por algo em torno de 99,6% do volume importado. A autorização concedida ao Brasil para ingressar nesse segmento representa não apenas uma oportunidade comercial, mas também uma reconfiguração do mapa global de fornecimento deste subproduto. Nesse contexto, estes acordos devem ser compreendidos como parte de uma estratégia mais ampla de diversificação de origens e fortalecimento de segurança alimentar por parte da China frente às turbulências tarifárias que rondam a relação China-EUA.
De forma bastante pragmática, existem algumas formas de se entender a questão dos DDG e DDGS e o seu contexto para a China. Como maior produtora e consumidora de carne suína do mundo, tem na estrutura do seu sistema agroalimentar uma demanda interna massiva por ração animal. Essa realidade tem colocado a alimentação de suínos como um fator central nas discussões sobre segurança alimentar. A ração destinada à suinocultura chinesa é tradicionalmente composta por uma combinação de fontes energéticas e proteicas, com destaque para o milho e o farelo de soja. Ambos os insumos são fundamentais não apenas pela sua disponibilidade calórica e proteica, mas também por seu papel consolidado nas cadeias de suprimento globais. Ou seja, os DDGs, têm emergido como uma alternativa nutricional e econômica relevante. Os DDGs apresentam um perfil proteico bastante elevado, além de boa digestibilidade e custo competitivo.
A utilização de DDGs tem contribuído fortemente para a diversificação da matriz alimentar da suinocultura chinesa, ao permitir a redução relativa da dependência por soja e milho in natura. Em termos estratégicos, isso representa uma vantagem em períodos de volatilidade de preços ou de tensões comerciais, como observado nas últimas disputas tarifárias com os EUA, que também é o maior produtor de milho mundial. Em estudos recentes sobre desenvolvimento de rações não convencionais, os DDGs têm sido valorizados por seu alto teor de proteína bruta, gordura, fibra digestível e fósforo efetivo, características que os qualificam como uma matéria-prima proteica de alta qualidade, sobretudo quando comparados ao milho. Ainda que não sejam substitutos energéticos perfeitos para o milho, os DDGs se mostram altamente eficientes como fontes de proteína e lipídios, especialmente em sistemas voltados à redução de custos sem comprometer o desempenho zootécnico.
Composição nutricional de diferentes ingredientes de ração não convencional e coeficiente de substituição do milho
Fonte: Adaptado e traduzido de Fan Dan, Fan Chuanqi, Hu Xiaoping (2017). 替代品进口对中国玉米消费市场的影响, p. 4.
Essa substituição também vem sendo amplamente motivada pelo chamado “preço redial”, segundo o qual a economia obtida ao substituir milho doméstico por DDGs importado supera 0,20 Yuan/kg[2], fazendo com que haja um aumento considerável nas importações. A ausência de cotas tarifárias para DDGs, aliada à sua eficiência nutricional e econômica, fez com que, ao longo desses últimos anos, o consumo chinês saltasse de 3,5 para 9,9 milhões de toneladas entre 2009 e 2015, reorganizando significativamente a matriz alimentar e contribuindo para o excedente de milho nacional. Assim, mais do que um mero substituto, os DDGs tornam-se uma variável crítica na política de segurança alimentar da China e na estabilidade do seu mercado interno de grãos.
As vantagens vão além dos sistemas de suinocultura: evidências crescentes têm demonstrado que os DDGs também são um aliado na suplementação de aves e gados[3]. Para os ruminantes, especialmente em sistemas de confinamento e em pastejo intensivo, indicando que os DDGs não apenas reduzem os custos com proteína de alta qualidade, mas também representam uma alternativa viável para estratégias de mitigação de emissões em cadeias de pecuária de corte. No contexto chinês, isso significa um duplo lucro, uma vez que a China tem buscado cada vez mais a modernização da sua cadeia pecuária. Com os Estados Unidos dominando quase integralmente o fornecimento de DDGs à China até 2024, a entrada do Brasil como novo exportador autorizado representa mais do que uma mera ampliação de mercado: trata-se de um movimento alinhado com o esforço chinês de garantir maior segurança no suprimento de ração animal por meio da diversificação de fornecedores.
O contexto de produção interna não pode ser subdimensionado. O Brasil vem consolidando-se como um importante produtor de DDG/DDGS, impulsionado pela expansão da indústria de etanol de milho. O Mato Grosso, atualmente o principal produtor de milho do país, deve colher por volta de 46,8 milhões de toneladas na safra 2024/25, segundo dados[4] da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Essa disponibilidade crescente de matéria-prima tem sustentado a expansão da produção de etanol e de coprodutos como DDG/DDGS, fundamentais para a nutrição animal. A safra 2024/25 produziu[5] quase 4 milhões de toneladas de DDG/DDGS, das quais 21,8% foram exportadas. A maior parte da produção, no entanto, é absorvida pelo mercado interno, em especial pelas cadeias da bovinocultura, suinocultura e avicultura. De abril de 2023 a abril de 2024, foram embarcadas 791,9 mil toneladas, com destaque para Vietnã, Turquia, Espanha e Nova Zelândia entre os principais destinos. A abertura do mercado chinês deve, no entanto, alterar esse cenário. A projeção é que o Brasil produza 6 milhões de toneladas de DDG/DDGs até a safra 2030/31, conforme dados do Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária (Imea), o que exigirá estratégias robustas de acesso a novos mercados.
Apesar dos recentes movimentos dos EUA para desescalar a guerra tarifária com a China, Pequim tem avançado de forma consistente em sua estratégia de diversificação de parceiros comerciais e origens de suprimento. O acordo firmado com o Brasil na semana passada não é um gesto isolado, mas sim mais uma peça colocada com precisão no tabuleiro geopolítico chinês. A nível de mercado, isso é um sinal claro de como a China deve operar no longo prazo para mitigar riscos estruturais à sua segurança alimentar, especialmente em setores sensíveis como a produção de proteína animal.
Nesse contexto, a abertura do mercado chinês para o DDG/DDGS brasileiro deve ser vista menos como um gesto de boa vontade e mais como parte de uma política ativa de reorganização das suas cadeias de insumos. Trata-se de uma oportunidade estratégica para o Brasil ocupar um espaço relevante em uma cadeia altamente demandada e, até então, concentrada totalmente nas exportações com os EUA. O desafio agora é consolidar essa inserção, seja por meio da ampliação da produção nacional, seja pela capacidade de manter padrões de qualidade, regularidade e competitividade no comércio internacional. O Brasil, por sua vez, vive um momento-chave, em que a consolidação do etanol de milho como vetor de desenvolvimento agroindustrial abre novas frentes de exportação e valor agregado. No entanto, para que o DDG/DDGS nacional se firme como player competitivo globalmente, será necessário ir além da produção: investir em logística, certificações, inteligência comercial e diálogo institucional com mercados estratégicos. A entrada no mercado chinês, portanto, não é apenas um feito diplomático, mas uma oportunidade para testar a maturidade e a coordenação entre os setores público e privado brasileiros na disputa por novos espaços na geoeconomia dos alimentos.
*O texto acima é de responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, uma opinião do Insper Agro Global.
[1] Fonte: China abre cinco novos mercados para produtos do agro brasileiro e avança na cooperação sanitária e fitossanitária
[2] 范丹; 范传棋; 胡小平. 替代品进口对中国玉米消费市场的影响. 中国农村经济, v. 5, p. 18-30, 2017.
[3] 印遇龙; 杨哲. 非常规饲料的开发与高效利用. Publicado em: 网站: 山东省畜牧总站 (Estação Provincial de Pecuária de Shandong), 25 fev. 2025.
[4] Disponível aqui.
[5] Disponível aqui.
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