A armadilha das “soluções fáceis” no combate à alta dos preços dos alimentos
23/06/25 - Leandro Gilio
Segurança Alimentar | Política | Macroeconomia | Desenvolvimento Social

A elevação dos custos de produtos alimentares atinge diretamente a população mais vulnerável, exigindo respostas que desafiam a formulação de políticas públicas
Para além das altas pontuais nos preços do café e do ovo, a elevação geral nos preços dos alimentos segue preocupando e impactando a renda da população do país. E esse crescimento não é uma preocupação exclusiva ao Brasil, mas um fenômeno que vem se intensificado globalmente. Segundo dados do IBGE, no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o grupo “alimentos e bebidas” acumula um crescimento 48% superior ao do índice geral de inflação no Brasil (cerca de 16 pontos percentuais acima), no acumulado entre 2020 e 2024 (Figura 1). Considerando apenas o acumulado de janeiro a maio de 2025, o grupo ainda segue acima do índice geral, sendo o segundo com maior alta no período (atrás apenas de “educação”, grupo que costuma ter reajustes no início do ano) — Figura 2. Globalmente, segundo dados da FAO, entre 2020 e 2024, os preços dos alimentos tiveram crescimento real (acima da inflação) de quase 20% (Figura 2).
Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), valor do índice geral e subgrupos, em valores acumulados de janeiro de 2020 a dezembro de 2024
Fonte: elaborado com base em dados do IBGE (2025)
Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), valor do índice geral e subgrupos, em valores acumulados de janeiro de 2025 a maio de 2025
Fonte: elaborado com base em dados do IBGE (2025)
Índice de preço dos alimentos FAO (FAO Food Price Index), valores anuais, índice geral, nominal e real, de 1961 a maio de 2025 (base 2014-2016=100)*
Fonte: elaborado com base em dados da FAO (2025) *Nota: valor de 2025 considera o índice de maio de 2025.
Fatores como crescimento populacional, urbanização acelerada e crescimento da renda global, quando descasados com a produção, contribuem progressivamente para uma pressão sobre a demanda e encarecimento de alimentos de modo geral. Mas questões mais recentes, como a pandemia de Covid-19, intensificação de guerras, protecionismo comercial, crises climáticas e sanitárias, têm acelerado esse processo, desafiando governos à tomada de ações que visam garantir a segurança alimentar dos países.
Ao longo da história, várias políticas foram e são adotadas no sentido de regular, moldar ou apoiar a produção, o consumo e o comércio de alimentos. Mas, em momentos de crise, frequentemente as ações são aceleradas e, por vezes, implementadas sem discussão mais aprofundada dos resultados que podem produzir em um sistema complexo como o alimentar. A história mostra que não há uma saída simples, e que políticas que visam atacar questões como proteger os consumidores, regular preços, aumentar a oferta nacional, apoiar a renda dos agricultores e proteger a produção, entre outros objetivos centrais, por vezes também geram efeitos deletérios, muitas vezes contrários à ideia inicial, podendo agravar ainda mais situações delicadas.
No Brasil, a preocupação com o preço dos alimentos ganha mais força a partir da década de 50. De lá até os anos 70, entendiam-se os problemas da alta de preços de alimentos como associados à questão da baixa oferta de alimentos (e, por consequência, de abastecimento) para a população que crescentemente se dirigia às cidades, em um país que se industrializava e urbanizava de modo acelerado — até então, o Brasil era um importador líquido de alimentos. As políticas públicas foram muito direcionadas à produção agroalimentar e ocorriam sob vários aspectos de intervenção (alguns especificados mais adiante), que envolviam desde mecanismos de incentivo à pesquisa e à tecnologia agrícola, financiamento altamente subsidiado, incentivos à migração e ao estabelecimento de agricultores em novas áreas, e até mesmo uma maior regulação de comércio.
Já nos anos 80, o governo passou a ter dificuldades para financiar políticas direcionadas à produção, promovendo ações mais voltadas à intermediação na regulação de preços e controle da oferta. Nos anos 90, com grandes dificuldades inflacionárias e problemas de gestão (e financiamento) de políticas, o setor passa a ser cada vez mais desregulamentado, com ações mais voltadas ao acesso da população de baixa renda a alimentos (como programas de transferência de renda).
Entre execução de políticas bem e malsucedidas, vários aprendizados decorreram desse processo — muitos deles exaustivamente estudados e documentados na literatura científica. No entanto, em momento de elevação de preços dos alimentos, como o que observamos hoje, velhas opções são novamente colocadas em pauta, como se não tivéssemos nenhuma referência passada com relação aos seus efeitos. E o maior risco, de modo geral, concentra-se no imediatismo.
Em busca de soluções rápidas, governos por vezes impõem políticas para controle da relação entre oferta e preços. Essas podem ser mais diretas aos preços, como a imposição de congelamentos ou tabelamentos de preços, algo que ocorreu no Brasil na década de 80 e na Argentina nos últimos anos, por exemplo. Ou mais indiretas no intuito de elevar a disponibilidade interna de produto, como a imposição de tarifas ou restrições à exportação — novamente a Argentina tem um exemplo recente na adoção dessa política, com as chamadas “retenciones” —, ou redução de tarifas de importação de alimentos. Todas essas políticas têm em comum o resultado não desejável de desestimular a produção interna (via redução das margens recebidas pelos produtores), o que acaba gerando, em um momento posterior, a diminuição da produção e, consequentemente, mais inflação e menos disponibilidade interna de produtos. No caso da redução de tarifas de importação, há outras variáveis que tornam viável ou não a importação de alimentos, como taxa de câmbio, competitividade dos produtos importados e custos logísticos, entre outros, o que pode tornar essa medida simplesmente inócua.
As iniciativas de controle mais direto em preços pressupõem que a agropecuária seria a causa da alta de preços e que os produtores estariam se beneficiando desse processo inflacionário. Entretanto, é importante observar essa relação também sob a ótica de preços relativos, ou seja, a relação entre a evolução nominal dos preços ao produtor agropecuário e os preços ao consumidor, isto é, a inflação. Historicamente, estudos demonstram que não têm havido aumentos de preços reais ao produtor agropecuário que justifiquem as elevações reais recentes dos alimentos e bebidas ao consumidor, e que o produtor sistematicamente enfrenta ainda condições de mercado desfavoráveis do ponto de vista de preços de produtos e insumos (leia mais em “Agronegócio: Preços relativos e inflação” - Barros e Castro, 2021) — resultado que só vem sendo sustentado pelo grande crescimento em produtividade das lavouras brasileiras.
Há uma medida um pouco mais diversa com relação a resultados — e também menos “curto-prazista” —, que é a política de estoques reguladores. Em geral, esse tipo de investimento do país visa garantir a oferta e estabilizar os preços, especialmente em momentos de crise ou forte alta. Diversos países, como China, EUA e alguns membros da União Europeia, adotam estoques públicos e políticas de estabilização com resultados positivos — é importante mencionar que esses países também são grandes importadores de alimentos, o que justifica uma maior preocupação com a disponibilidade interna. No caso do Brasil, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), criada oficialmente em 1991 mas derivada de outras instituições estatais existentes desde a década de 1940, já teve uma atuação mais forte nesse sentido. No entanto, problemas de gestão, corrupção e capacidade de cumprir tal função foram esvaziando as possibilidades de existirem estoques reguladores realmente efetivos no Brasil. Além disso, a elevada produção de excedentes internos, dado que o país hoje é um grande exportador líquido de alimentos, minimiza a necessidade ou reduz o impacto dessa política.
Mas é importante destacar as políticas que são (ou foram) bem-sucedidas. Medidas de estímulo à produção, desde as mais simples, como a redução de impostos na cadeia, até as mais complexas, como investimentos em pesquisa, tecnologia, logística e linhas de financiamento produtivo facilitadas, geram resultados significativos. A chamada “Revolução Verde” no Brasil e desenvolvimentos produtivos posteriores, amparados por políticas públicas e privadas de investimento produtivo que ocorrem no país desde a década de 60, geraram grande crescimento de produção, que em consequência resultou em excedentes produtivos e redução de preços dos alimentos. Tal fato, aliado a outras questões, como a própria evolução da renda do brasileiro, fez com que o peso das despesas com alimentação do consumidor gradualmente diminuísse ao longo do tempo, estando abaixo de outras economias mundiais com características similares às do Brasil.
Evolução da participação de grupos de despesas selecionados sobre as despesas totais
Fonte: Pesquisas de Orçamento Familiar (IBGE, vários anos).
Participação do grupo alimentação sobre despesas totais da população: comparativo entre países
Fonte: Our World in Data
As políticas abordadas até o momento concentram-se fundamentalmente na produção de alimentos. No entanto, questões alimentares são muito relacionadas ao acesso a alimentos, intrinsecamente ligado a problemas sociais como pobreza e desigualdade, requerendo uma abordagem integrada que considere, além das dinâmicas de mercado, os contextos sociais. Enfrentar a alta dos preços dos alimentos exige um esforço colaborativo entre governos, sociedade civil e setor privado, visando implementar soluções eficazes e sustentáveis, enquanto se evita a adoção de políticas que possam resultar em consequências adversas.
Historicamente, políticas voltadas para o estímulo à produção e à redução de custos foram as que mais contribuíram para superar desafios de preços e aumentar a disponibilidade de alimentos no último meio século. No entanto, muitas vezes, leva tempo para que os resultados dessas políticas sejam observados, indo muito além de mandatos de 4 anos. O desenvolvimento agrícola é um processo em contínua evolução, movido por uma diversidade de atores — produtores, consumidores, trabalhadores, formuladores de políticas e empreendedores —, que buscam melhorar as condições. E não há soluções fáceis e rápidas para atacar problemas como altas de preços mais estruturais. A transformação dos sistemas alimentares requer, portanto, uma evolução e um planejamento contínuo das políticas alimentares.
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