Brasil conquista status de área livre de febre aftosa sem vacinação
04/06/25 - Victor Martins Cardoso
Comercio Internacional | Sanidade

Agência Brasília
O resultado abre a possibilidade de novos mercados para exportações de carne bovina brasileira, mas também traz desafios e responsabilidades para o setor pecuário
Na última quinta-feira, 29 de maio, a Organização Mundial de Saúde Animal (OMSA) concedeu ao Brasil o status de área livre de febre aftosa sem vacinação. Em maio do ano passado, o governo federal já havia feito o mesmo reconhecimento, mas a chancela internacional veio somente um ano depois do encerramento da vacinação do rebanho brasileiro. No total, mais de 244 milhões de bovinos e bubalinos deixaram de ser vacinados contra a doença, consolidando um processo de prevenção que começou há mais de 50 anos.
O título veio após oito anos da reformulação do PNEFA (Plano Estratégico do Programa Nacional de Febre Aftosa), que visava à ampliação de zonas livres no território nacional da doença sem vacinação. O Brasil não registra casos do vírus da febre aftosa há quase vinte anos e, desde 2018, o país é considerado pela organização como área de zona livre de febre aftosa, mas com vacinação.
O novo certificado sanitário é visto pelo setor como uma conquista valiosa para a abertura de novos mercados internacionais para a carne bovina brasileira. Como alguns dos maiores importadores da proteína no mundo, entre os quais Japão e Coreia do Sul, compram apenas de áreas livres de febre aftosa sem vacinação, e o novo status deve servir como um ativo estratégico para negociar a abertura de mercados mais remuneradores.
Nesse contexto, a conquista já começa a gerar movimentações concretas. De acordo com a Abiec, países como Filipinas e Indonésia reagiram ao anúncio da OMSA mostrando interesse imediato em importar miúdos bovinos do Brasil. Há anos o Brasil tenta abrir os mercados japonês e sul-coreano para sua carne bovina, mas o status sanitário reconhecido pela OMSA até então não o permitia. A expectativa é que as negociações sejam facilitadas após o reconhecimento da organização.
Além de novos mercados, a retirada da vacinação obrigatória contra a febre aftosa pode resultar na redução de custos para o setor. A estimativa dos custos anuais com a vacinação para a pecuária brasileira, que incluem aquisição de vacinas, contratação de veterinários e manejo sanitário, soma aproximadamente R$ 500 milhões anuais, segundo dados do Mapa (Ministério da Agricultura e Pecuária). Além disso, os efeitos colaterais da imunização também podem gerar custos à atividade, conforme dados do PNEFA 2017-2026.
No entanto, a chancela internacional também traz novos desafios e responsabilidades. O novo status sanitário, apesar de atestar o comprometimento do país com o combate à febre aftosa, não indica ausência completa do risco de reintrodução do vírus na população-alvo. No caso em que a suspensão da vacinação é um requisito obrigatório para a manutenção do certificado internacional, o risco de registros da doença aumenta.
Cenário parecido como esse ocorreu na Europa Central, no início do ano. A Alemanha, a Hungria e a Eslováquia, países pertencentes à União Europeia e considerados pela OMSA há anos como livre de febre aftosa sem vacinação, registraram novos casos da doença, algo que não ocorria havia mais de três décadas. O episódio levou ao fechamento de suas fronteiras e colocou em xeque o status sanitário do bloco europeu.
O Brasil atualmente é o maior exportador de carne bovina do mundo. Em 2024, o país exportou cerca de 2,9 milhões de toneladas, o equivalente a US$ 12,8 bilhões, para 160 países. Ao assumir esse papel importante no comércio mundial de carnes, a bovinocultura brasileira passa a ter também uma enorme responsabilidade em assegurar os protocolos sanitários necessários para coibir a reintrodução do vírus. A mera notificação de um caso de febre aftosa, ainda que sem disseminação para o resto do rebanho, pode provocar o fechamento imediato de mercados-chave para o Brasil, como ocorreu nos casos de doença de vaca louca, em 2023, e de gripe aviária, no começo de maio passado.
O PNIB (Plano Nacional de Identificação de Bovinos e Búfalos), lançado no final do ano passado, vai ao encontro desse esforço (para mais detalhes, recomenda-se a leitura de “PNIB: rastreamento individual de bovinos e os desafios da implementação”). Ao permitir a identificação precisa e individual dos animais, as autoridades conseguem realizar a contenção localizada de surtos sanitários. Com isso, o risco de bloqueios generalizados de comércio, assim como o de disseminação na cadeia produtiva, se reduz significativamente.
Em suma, a conquista do status de área livre de febre aftosa sem vacinação junto à OMSA representa um marco histórico para a pecuária brasileira, consolidando décadas de esforços sanitários e abrindo portas para mercados internacionais mais exigentes e possivelmente mais remuneradores. No entanto, essa conquista exigirá vigilância constante, reforço dos sistemas de rastreabilidade e um compromisso contínuo com práticas sanitárias rigorosas, como já é feito atualmente, com o objetivo de preservar a credibilidade conquistada e garantir o crescimento das exportações de carne bovina do Brasil.
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