Como o agronegócio brasileiro deve se posicionar na nova geopolítica
21/05/25
Geopolítica | Comercio Internacional

Evento promovido pelo Insper Agro Global e pelo Cebri discutiu os impactos das tensões entre os EUA e a China sobre o Brasil e o futuro do comércio global
Diante da crescente instabilidade nas relações internacionais e do ressurgimento do protecionismo como ferramenta de disputa geopolítica, o Insper promoveu o evento “O Agro na Nova Geopolítica – Desafios e Oportunidades na Era Trump 2.0”. Organizado pelo núcleo Insper Agro Global com o apoio do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e das entidades estudantis AgroInsper e Liga de Relações Internacionais do Insper, o encontro reuniu especialistas para debater os impactos das tensões comerciais entre os Estados Unidos e a China sobre o agronegócio brasileiro e a economia global.
A abertura foi conduzida por Marcos Jank, coordenador do Insper Agro Global, que destacou a relevância do tema, especialmente após a surpreendente trégua comercial firmada entre Washington e Pequim poucos dias antes do evento, no dia 12 de maio. “Ninguém imaginava que Estados Unidos e China chegariam a um acordo agora. As tarifas caíram com a mesma velocidade com que subiram. É um momento estratégico para analisarmos os impactos disso sobre o Brasil”, observou Jank.
O pano de fundo das discussões foi a recente decisão dos EUA de reduzir tarifas sobre produtos chineses de 145% para 30%, enquanto a China baixou suas tarifas sobre importações americanas de 125% para 10%. A chamada “trégua de 90 dias” serviu de ponto de partida para refletir sobre os efeitos de curto e longo prazo no comércio global, em especial no setor agroexportador.
Ariane Costa, diretora-adjunta especialista em geopolítica e comércio internacional do Cebri, contextualizou o momento atual como parte de uma transformação mais ampla do sistema internacional. “Vivemos hoje o que muitos chamam de uma ‘tempestade perfeita’. Crises simultâneas — comerciais, sanitárias, fiscais, climáticas — estão se sobrepondo, exigindo que o Brasil atue com estratégia clara e postura propositiva no cenário internacional.”
Entre os pontos mais relevantes trazidos por Ariane, destacou-se a mudança na forma como os EUA percebem outras potências globais. “Trump vê a Rússia não mais como inimiga, mas como aliada estratégica. Isso aponta para uma nova configuração global, baseada na aceitação tácita de esferas de influência: russa, chinesa e americana.”
Ela também chamou atenção para os riscos da imprevisibilidade: “O setor privado prefere um cenário ruim, mas estável, a um ambiente onde tudo pode mudar de um dia para o outro. E é justamente isso que temos visto. Em 2 de abril, por exemplo, os EUA aumentaram tarifas sobre produtos chineses no chamado ‘Liberation Day’. Pouco depois, recuaram, e neste último fim de semana anunciaram uma nova trégua com nova rodada de negociações em Genebra.”
Concorrência direta e diplomacia pendular
Ariane destacou ainda a natureza concorrencial da relação comercial entre Brasil e EUA no setor agropecuário. “Nosso comércio agrícola com os americanos é de concorrência direta, não de complementaridade. Exportamos os mesmos produtos — soja, milho, carnes — para os mesmos mercados. Isso precisa ser levado em conta na formulação da política externa brasileira.”
Nesse contexto, defendeu uma diplomacia estratégica que explore oportunidades com ambos os polos de poder: “O Brasil pode adotar uma diplomacia pendular — firmar acordos vantajosos com os EUA em determinadas áreas e com a China em outras, sem se alinhar automaticamente a nenhum dos lados.”
“Uma nova ordem, ou uma prolongada desordem”
Na sequência, Marcos Jank reforçou o diagnóstico de desorganização global. “Trump ignora as instituições multilaterais. Prefere relações diretas, assimétricas e unilaterais. Hoje não há espaço para uma governança baseada na ONU, G20, G7 ou OMC. O que temos é uma nova ordem — ou, mais precisamente, uma prolongada desordem.”
Ele também criticou a lógica por trás do tarifaço de abril, cujas alíquotas foram calculadas com base no déficit comercial dos EUA com cada país: “Essa fórmula — déficit dividido pelo volume de comércio — não tem base em nenhuma teoria econômica. Ainda assim, foi o raciocínio que gerou tarifas absurdas.”
Com a recente redução tarifária, Jank aponta para um retorno ao “quase normal”, mas com efeitos já sentidos: “Com tarifas de 125%, os EUA praticamente não conseguiam exportar para a China, especialmente produtos agropecuários. Isso favoreceu o Brasil momentaneamente. Agora, com a redução para 10%, essa vantagem praticamente desaparece.”
Jank alertou ainda para o risco de um acordo mais profundo entre EUA e China, em que os chineses sejam pressionados a comprar mais produtos agrícolas americanos. “Se isso ocorrer, o Brasil pode perder espaço. E, caso seja percebido como alinhado demais à China ou à Rússia, poderá sofrer retaliações por parte de Washington.”
Para ele, a melhor postura é a neutralidade pragmática: “O Brasil deve se posicionar como fornecedor confiável, competitivo e imparcial. Temos o maior superávit agrícola do mundo e não podemos correr o risco de sermos excluídos por alinhamentos ideológicos.”
Quando a tarifa vira embargo
Em sua apresentação, o economista Roberto Dumas abordou os efeitos macroeconômicos das recentes medidas protecionistas. “Com tarifas de 125% ou 145%, o que se tem é, na prática, um embargo comercial. Seria mais honesto dizer: ‘você não compra de mim, eu não compro de você’.”
Ele destacou o impacto direto dessas medidas na inflação americana: “Faltará produto chinês. Trump quer trazer indústrias de volta aos EUA, mas ignora as vantagens comparativas. Nenhuma empresa toma decisões de longo prazo com base em surtos tarifários de 90 dias.”
Segundo Dumas, a imprevisibilidade é o maior inimigo da economia: “Risco se gerencia. Incerteza, não. Se ninguém sabe se a tarifa será de 34%, 67% ou 145%, ninguém investe. E foi esse ambiente que o mercado passou a precificar.”
Em relação ao câmbio, ele foi direto: o yuan não substituirá o dólar enquanto a China mantiver o controle sobre sua conta de capital. “Você pode ganhar um bilhão de yuans numa operação, mas onde investir esse dinheiro? Em Xangai? Shenzhen? Não pode. Se for para converter em dólar, é melhor transacionar em dólar desde o início.”
O agro diante da guerra de tarifas
O pesquisador Leandro Gilio concentrou sua análise nos efeitos diretos sobre o agro brasileiro. “A palavra-chave é incerteza. O governo Trump já sinalizava, desde a campanha, um endurecimento tarifário. Mas a intensidade surpreendeu até os analistas mais pessimistas.”
Para ele, o agronegócio é o setor mais impactado: “Concorrência direta com os EUA nos principais produtos que a China importa — soja, milho, algodão, carnes. Em 2018 e 2019, o Brasil se beneficiou da guerra comercial e ganhou mercado. Mas essa vantagem é insustentável em um ambiente tão instável.”
Ele alertou que o verdadeiro risco está na falta de previsibilidade: “A instabilidade limita o investimento. Quando o mercado enxerga uma oportunidade com o aumento de tarifas, uma simples mudança no fim de semana pode anular tudo. Foi o que vimos agora: uma reversão inesperada em 90 dias. E ninguém sabe se isso vai durar.”
Gilio concluiu ressaltando o impacto sobre o planejamento: “Essa imprevisibilidade contamina o ambiente de negócios e compromete o investimento. Mesmo os setores que se beneficiam da guerra comercial têm dificuldade de operar com segurança diante de mudanças tão abruptas. É preciso cautela antes de considerar qualquer cenário como favorável.”
Cautela, pragmatismo e ação estratégica
Ao fim do evento, o consenso entre os participantes foi claro: o Brasil precisa adotar uma postura estratégica, pragmática e de longo prazo. A nova ordem — ou desordem — internacional exige mais que reações imediatas. Exige liderança, coordenação e, sobretudo, previsibilidade interna para enfrentar um mundo cada vez mais volátil.
Nas palavras finais, Marcos Jank defendeu a agregação de valor nas exportações brasileiras: “Somos líderes em commodities, mas ainda fazemos pouco em valor agregado. Há oportunidades em café, frutas, carnes, azeites, queijos e vinhos. Os europeus dominam isso muito melhor. Precisamos aprender.”
Sobre o cenário global, Jank foi categórico: “Trump não apenas rasgou 70 anos de instituições multilaterais — de GATT a OMC — como ignorou 250 anos de teoria econômica, desde Adam Smith. Achou que tarifas recriariam a indústria americana. O resultado foi inflação, risco de recessão e desorganização das cadeias produtivas.”
Por fim, avaliou a recente trégua como um sinal de realidade se impondo: “O tarifaço de abril era insustentável. A economia americana estava em risco. A redução para patamares de 10% e 30% revela um choque de realidade.”
Jank encerrou com um tom sóbrio, mas com espaço para otimismo estratégico: “Ainda não sabemos o que virá nos próximos 90 dias. Mas, se houver moderação, o impacto poderá ser administrável para todos os lados. Cabe ao Brasil manter serenidade, evitar alinhamentos automáticos e se posicionar como um fornecedor confiável, competitivo e neutro nesse novo cenário global.”
*O texto acima é de responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, uma opinião do Insper Agro Global.
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