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Nova geopolítica desafia o agro brasileiro e traz incertezas e oportunidades

21/03/24

Geopolítica | Comercio Internacional

Nova geopolítica desafia o agro brasileiro e traz incertezas e oportunidades

Especialistas debateram no Insper os impactos da intensificação da rivalidade entre a China e os EUA, dos conflitos em curso na Europa e no Oriente Médio e da fragmentação das instituições multilaterais

A intensificação da rivalidade entre a China e os Estados Unidos, somada aos conflitos em curso na Europa Central e no Oriente Médio, coloca em risco a estabilidade global e impacta diretamente o agronegócio brasileiro, que está sujeito a dinâmicas que podem gerar oportunidades e desafios. Alianças e acordos comerciais podem abrir mercados, mas instabilidades políticas ou disputas comerciais podem resultar em barreiras que prejudicam as exportações agrícolas.

Esse é o cenário analisado por especialistas que participaram do debate “Impactos da nova geopolítica do agronegócio”, realizado na terça-feira (19) no auditório do Insper. O evento reuniu Christopher Garman, diretor para as Américas da consultoria Eurasia Group; Otaviano Canuto, do think tank New South Center e ex-diretor executivo do Banco Mundial; Caio Carvalho, presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag); Marcos Jank, professor sênior e coordenador do Insper Agro Global; e Julia Dias Leite, presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri). O evento foi promovido pelo Insper Agro Global em parceria com o Cebri e com a empresa júnior AgroInsper.

Um dos pontos discutidos pelos participantes foram as consequências de uma eventual vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais americanas de 2024. Para Christopher Garman, da Eurasia, as repercussões da volta do candidato republicano à Casa Branca seriam enormes. As relações bilaterais com a China tenderiam a se tornar mais tensas, dadas as posições protecionistas de Trump. O Brasil, segundo Garman, não seria um alvo prioritário da política de Trump, cujo foco estaria mais na China, na Europa e no México (este último, especialmente em questões relacionadas à imigração). Isso poderia abrir espaço para o Brasil expandir sua participação no mercado agrícola, como ocorreu no primeiro governo Trump, embora possam surgir agora novos desafios geopolíticos.

Marcos Jank, do Insper observou que os Estados Unidos e o Brasil são muito próximos em suas histórias da agricultura e do agronegócio. Ambos são líderes mundiais no mercado de commodities, sendo os maiores produtores em várias áreas. “Em breve, o Brasil ultrapassará os Estados Unidos em exportações de commodities, incluindo produtos como soja e algodão, tradicionalmente associados às regiões do cotton belt e corn belt, que agora, do jeito que as coisas estão caminhando, vão ser transferidos para o Mato Grosso”, disse Jank. “Entretanto, devemos reconhecer que os dois países são competidores. E, sob a administração Trump, o Brasil não vai ter vida fácil.”

Caio Carvalho, da Abag, chamou a atenção para a emergência global da Índia. Segundo ele, embora a Índia faça parte dos Brics e, teoricamente, tenha uma relação amigável com o Brasil, essa dinâmica pode ser comparada a um “abraço de urso”. “Precisamos abrir os olhos. Embora a Índia tenha apoiado o Brasil recentemente na questão do etanol, é essencial reconhecer que o país asiático tem o segundo maior nível de subsídios do mundo, atrás apenas da China. Essa é uma nova variável que precisa ser levada em conta”, afirmou.

Fragmentação geopolítica

Jank citou instituições multilaterais que surgiram após a Segunda-Guerra.  “Nem a ONU, nem a OMC, nem mesmo a OMS estão funcionando como deveriam. Essas instituições do pós-guerra estão em decadência, sem capacidade de resolver os problemas atuais. Diante desse cenário, será que os novos arranjos que surgiram nos últimos anos, como o Brics, oferecem alguma esperança? Como o Brasil pode navegar nesses novos arranjos geopolíticos no mundo pós-ONU?”, questionou.

Garman comentou que seu chefe na Eurasia, o cientista político Ian Bremmer, costuma dizer que o mundo passou de uma governança centrada nos países do G-7 para o G-20 e, agora, para o que chama de “G-0”. Segundo Garman, a proliferação de instituições e fóruns multilaterais reflete uma profunda fragmentação geopolítica, que se agravou com a competição entre os Estados Unidos e a China. “Para países como o Brasil, é crucial buscar alianças táticas em diferentes áreas, como em agricultura e biocombustíveis, e aproveitar os múltiplos fóruns disponíveis para seus próprios interesses. O realinhamento geopolítico está oferecendo maior liberdade de escolha para os países do Sul global, e é essencial usar essa oportunidade de forma estratégica.”

Canuto lembrou a Rodada Doha, as negociações comerciais multilaterais iniciadas sob a tutela da OMC em Doha, Catar, em 2001. O objetivo era promover a liberalização do comércio internacional e o desenvolvimento global, com foco em temas como agricultura, acesso a mercados, propriedade intelectual e serviços. Por falta de um consenso entre os países participantes, no entanto, a Rodada Doha naufragou em 2015. “Esse fracasso foi um claro indicativo da dificuldade em alcançar resultados significativos no comércio por meio de negociações consensuais. Naquele momento, tornou-se evidente que o caminho a seguir seria o dos acordos plurilaterais”, disse Canuto.

Na avaliação do ex-diretor do Banco Mundial, o Brasil é um dos países comercialmente mais fechados do mundo, em termos de tarifas e de barreiras não tarifárias. “Eu e meus colegas do Banco Mundial fizemos vários estudos empíricos mostrando isso. No fundo, falta ao Brasil a disposição de se integrar, de iniciar processos de adesão mais substanciada à globalização”, disse Canuto. “É uma pena que, agora, com tudo o que está acontecendo no mundo, isso vai virar uma desculpa para os que desejam manter o Brasil fechado, com a indústria desaparecendo. A agricultura consegue escapar disso, mas o resto não.”

Garman comentou sobre a os recentes protestos de produtores agrícolas na Europa, que enfrentam os resultados de políticas adotadas no passado. “Há uma onda de insatisfação em toda a Europa, agravada pelo choque inflacionário não apenas pós-pandemia, mas também devido ao choque energético após a crise na Ucrânia. O nível de insatisfação popular está elevado, e há uma crônica falta de confiança nas instituições políticas centrais. É crucial chamar a atenção para esse caldeirão de insatisfação, pois isso também dificulta a capacidade de abrir mercados”, observou.

Conflitos na Ucrânia e no Oriente Médio

Ao analisar a guerra entre a Ucrânia e a Rússia e a tensão no Oriente Médio, Garman afirmou que os dois conflitos geopolíticos apresentam “risco de cauda” — ou seja, são eventos que podem ter consequências de enorme impacto, embora a probabilidade de sua ocorrência seja baixa. Na Ucrânia, segundo ele, a grande preocupação até o ano passado era que uma contraofensiva bem-sucedida poderia ameaçar a posição russa na Crimeia. Se o presidente russo, Vladimir Putin, sentisse que poderia perder a Crimeia, poderia reagir de forma a arrastar a Otan para a guerra, escalando o conflito.

“Hoje, o risco é diferente. A vantagem militar agora está com os russos, que não têm falta nem de munições nem de pessoal, enquanto os ucranianos sofrem com a escassez das duas coisas”, disse Garman. “O risco é que uma contraofensiva russa bem-sucedida deixe Volodymyr Zelensky [presidente ucraniano] desesperado, levando-o a tomar medidas mais dramáticas. Isso poderia levar a uma escalada da crise militar capaz de impactar a produção de grãos. No entanto, acreditamos que os russos não avançarão ao ponto de gerar esse tipo de disrupção na produção agrícola e de fertilizantes.”

A situação do conflito no Oriente Médio também é preocupante, segundo Garman. “Certamente, há risco de uma escalada. Há um consenso em Israel de que é preciso garantir a segurança após o ataque do Hamas e há a convicção política de que as investidas na Faixa de Gaza não terminarão tão cedo. Depois, o foco se voltará para o norte, para o Hezbollah e o Líbano.” Apesar do cenário de instabilidade, Garman avalia que os principais atores envolvidos na região — Irã, Israel, Arábia Saudita e Estados Unidos — não têm interesse em entrar em um conflito maior, capaz de ter um impacto mais relevante no preço global do petróleo.

Ao fechar os debates, Jank lembrou que o Brasil conseguiu expandir suas exportações em oito vezes entre 2000 e 2022, passando de 20 bilhões de dólares para 167 bilhões de dólares, mesmo com o fracasso da Rodada de Doha e a ausência de qualquer bloco ou acordo comercial significativo no período. “A dúvida agora é se os próximos 20 anos serão tão favoráveis quanto foram os últimos 20 anos para o Brasil. Durante esse período, conquistamos uma grande competitividade e o mercado mundial foi receptivo às nossas exportações. Agora, enfrentaremos desafios adicionais que tornarão o cenário um pouco mais complexo”, afirmou.

 

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