COMPARTILHAR

Os impactos da tragédia no Rio Grande do Sul sobre a produção e os preços dos alimentos

16/05/24 - Pâmela Borges | Leandro Gilio

Macroeconomia | Política

Os impactos da tragédia no Rio Grande do Sul sobre a produção e os preços dos alimentos

Foto: Cadu Gomes / VPR

Chuvas e inundações de grandes proporções afetam o estado que é um dos grandes produtores agropecuários do país

Os temporais e as consequentes inundações no Rio Grande do Sul já levaram 446 dos 497 municípios do estado a declarar situação de calamidade pública até esta terça-feira (14). As imagens de cidades inteiras submersas, de pessoas e animais ilhados, mas também de voluntários trabalhando nos resgates e comboios de ajuda humanitária chegando às regiões afetadas, tomaram conta dos noticiários e das redes sociais.

Mesmo depois de duas semanas, as cheias seguem persistentes e ainda não há uma previsão de quando o cenário se normalizará. Por isso, ainda não há uma real dimensão dos estragos e da demanda por recuperação que o estado — e o país — enfrentarão logo a seguir. Por ser um estado de grande importância na produção agropecuária brasileira, algumas cadeias dentro desse setor são particularmente afetadas, o que deve resultar em alta de preços no mercado para alguns produtos.

 

Relevância do estado para a atividade econômica e produção agropecuária

O Rio Grande do Sul (RS) é 4º estado mais importante do país em termos de atividade econômica. De acordo com números do IBGE, em 2021 (dado mais recente), o produto interno bruto (PIB) do estado foi de R$ 581 bilhões (em valores correntes), o que representou 6,5% do PIB nacional no ano.

O RS tem uma economia com grande peso agropecuário: 12,6% do PIB do estado corresponde à agricultura. De acordo com os dados da Conab, o RS é líder em produtos importante como arroz (71% da produção nacional), trigo, canola, aveia e uvas (47%). O estado também tem grande tradição na produção pecuária, sendo o terceiro maior produtor de suínos (20%), destacando-se também na produção de frangos  e de leite, segundo dados do IBGE.

Tabela 1. Produção agropecuária do Rio Grande do Sul (produtos selecionados, volume em toneladas e representatividade percentual na produção nacional)

 

Principais culturas afetadas

Arroz: Por ser um importante produto da cesta básica do brasileiro, há grande preocupação com a disponibilidade do produto. O estado representa cerca de 70% das 10 milhões de toneladas que o país produz anualmente. Com efeitos do El Niño, a safra nesta temporada estava atrasada em relação aos anos anteriores, mas entidades setoriais indicam que cerca de 80% da safra já havia sido colhida. Por isso, o governo federal estuda a possibilidade de importar mais 1,5 milhão de toneladas de arroz, principalmente de países do Mercosul, como Paraguai, Uruguai e Argentina — o Brasil já importa regularmente cerca de 1 milhão de toneladas do produto anualmente, para atender à demanda interna.

No entanto, ainda não há uma dimensão real das perdas de produtos colhidos e beneficiados (estocados), além das dificuldades logísticas com o escoamento da produção armazenada. Portanto, essa demanda por importação pode ser ainda maior.

O arroz é um produto que já vinha apresentando grande variabilidade de preços e uma tendência de alta nos últimos anos. Segundo os dados do IBGE, a variação mensal acumulada em 12 meses do arroz foi de 76% em 2020, -17% em 2021, 6% em 2022 e, finalmente, 25% em 2023 – valores relativamente maiores do que o índice geral de preços (ver gráfico abaixo). Até abril, no acumulado em 12 meses, o índice de preços para o arroz estava em 9%.

Essa grande variabilidade de preços é reflexo de questões climáticas e uma redução gradual na produção geral do Brasil: a produção no estado passou, recentemente, por três secas seguidas, motivadas pelo fenômeno climático La Niña. Após esse longo período de seca, o ano de 2024 veio marcado pelas grandes chuvas e enchentes, também afetando a produção local de alimentos e de arroz.

Soja: A colheita está em andamento e, segundo a Conab, 60% da área já havia sido colhida (ante 70% no ano passado), no estado que tradicionalmente é o último a plantar e o último a colher a oleaginosa no país. As áreas com maior quantidade a ser colhida são as da fronteira — estima-se que, em nível estadual, faltam 7 milhões de toneladas para colher. Além das perdas com o que está abaixo do solo (alguns estimam que a quebra será de 50% do que ainda falta colher), o excesso de umidade deve afetar a acidez do óleo de soja.

Milho: Mais de 80% da safra (safra de verão) já havia sido colhida. No caso das perdas com as safras de soja e milho, o impacto nacional é atenuado porque a produção gaúcha é uma parcela pequena em relação à produção nacional total.

Aves e suínos: Muitas unidades produtivas foram afetadas. Já nas primeiras duas semanas, ao menos 10 grandes unidades industriais foram paralisadas e com dificuldades para operar, devido à falta de energia elétrica e às dificuldades logísticas para entrega de combustíveis para os geradores, segundo informações da ABPA.

Pecuária leiteira e de corte: O problema da produção se agrava por causa da perecibilidade e da necessidade de refrigeração de latícinios e carnes. A questão logística também é importante: além da dificuldade em coletar o leite in natura nas unidades rurais devido às obstruções nas vias, o fornecimento de rações e insumos está comprometido.

Abaixo, destacamos o acompanhamento do IBGE dos índices de preço, tanto para o índice geral quanto para produtos selecionados que o estado tem grande importância na produção. Verifica-se que produtos importantes da cesta básica, como arroz, lácteos e frangos já vinham com crescimento de preços relativamente maiores do que o geral de produtos que compõem a cesta do IBGE. Com o impacto em produção e escoamento da produção observado pelos problemas no Rio Grande do Sul, a pressão sobre o preço desses produtos se eleva, influenciando sobre os índices gerais.

 

Fonte: IBGE (2024)

 

Impacto econômico geral

A quebra em cadeias produtivas da agropecuária no estado deve ter impacto no preço dos produtos das cadeias já destacadas, influenciando o índice geral de preços. Até agora, análises de mercado indicam um impacto médio de até 0,10 ponto percentual no IPCA, motivado principalmente pelo esperado aumento no preço do arroz devido às perdas. Mas, como já analisado, esse impacto ainda parece subdimensionado, por não considerar exatamente as perdas de produtos em estoque e as dificuldades logísticas para escoamento da produção. Uma maior liberalização para importação de produtos alimentares relacionados às cadeias que venham a ter um maior desequilíbrio de oferta pode amenizar esse processo e reduzir parte da pressão por elevação de preços.

As perdas também deverão impactar o Produto Interno Bruto do país, mas ainda há poucas informações sobre tal dimensão. De todo modo, há uma pressão por maiores gastos governamentais, o que certamente contribuirá para a ocorrência de maior déficit público neste ano.

Cabe ponderar, também, o impacto sobre o produtor rural da região para as próximas safras. Com perdas e efeitos diretos das enchentes, o produtor gaúcho certamente terá problemas com relação à capacidade de investimento em produção nas próximas temporadas, o que poderá levar a um efeito resistente no que se refere a um desequilíbrio entre a oferta e a demanda por produtos alimentares. Nesse sentido, as entidades de classe produtora já reivindicaram por apoios como incentivos, linhas de financiamento e alongamento de prazos de dívidas.

Entre as principais medidas adotadas até agora pelo governo federal para apoiar e impedir a parada produtiva do estado está a uma Medida Provisória (MP) no valor de R$ 12,5 bilhões, que contempla ações referentes a linhas de crédito (FGI, FGO, Pronampe e Pronaf/Pronampe) e iniciativas de apoio à segurança alimentar (Programa de Aquisição de Alimentos e cestas básicas), além de parcelas extras do seguro-desemprego, serviços para a saúde primária, especializada e vigilância epidemiológica, assistência farmacêutica e contratação temporária de profissionais.

 

Já segue nossos canais oficiais? Clique e acompanhe nosso Canal de WhatsApp, nos siga no LinkedIn e se inscreva para receber quinzenalmente nossa Newsletter. Se mantenha atualizado com pesquisas e conhecimento sobre as questões globais do agronegócio.