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Brasil x Holanda: quem exporta mais no agro?

Tulip fields in Holland. Claude Monet.

Desmistificando as exportações do agronegócio holandês e entendendo as suas características e desafios

A Holanda é um país pequeno cuja extensão territorial de 41.528 km² é inferior à do estado do Rio de Janeiro. Cerca de 27% de suas terras estão abaixo do nível do mar e a população, de quase 18 milhões de habitantes, o coloca entre os mais densamente povoados do mundo. A título de comparação, o Brasil é 200 vezes maior e onze vezes mais populoso (203 milhões de habitantes). Diferentes na geografia, mas com uma similaridade: ambos os países figuram entre os principais exportadores de produtos agropecuários do mundo.

 

A posição holandesa soa surpreendente à primeira vista e, muitas vezes, é confundida com uma liderança mundial em agricultura. No entanto, o alto valor das exportações agropecuárias não é resultado de uma produção agrícola pujante em volume e muito menos de uma grande área agricultável.  O Brasil possui uma área destinada à agricultura – excluídas as pastagens - quase cinquenta vezes maior.

Tabela 1- Área agrícola plantada do Brasil e da Holanda


Fonte: IBGE-PAM; EUROSTAT. Nota: o número da Holanda compreende também área de pasto

 

Os altos valores das exportações holandesas são justificados por dois fatores principais. O primeiro é que o país é um grande corredor e entreposto para produtos agrícolas que chegam à Europa. No total das exportações desses produtos registra-se grande participação das transações para dentro da própria União Europeia (UE) (intrabloco) — 69% na média do período de 2000 a 2022, sendo a Alemanha o principal destino. 

Do valor total dos produtos agropecuários exportados pela Holanda, em 2022, aproximadamente 65% tiveram origem doméstica ou foram importados e passaram por processamento no país, como é o caso, por exemplo, do chocolate produzido a partir de grãos de cacau da Costa do Marfim. Os outros 35% referem-se a produtos agrícolas originários de outros países e reexportados pela Holanda sem processamento ou ligeiramente processados, como a simples unitização de um produto recebido a granel.

A Holanda, portanto, não se caracteriza como grande “produtor exportador” de commodities, como Brasil e os Estados Unidos, mas como um país grande “importador e (re)exportador” de produtos agrícolas. Esse panorama é explicado pela presença de Roterdã, o maior porto do norte da Europa, que opera estrategicamente como um importante hub logístico de distribuição de alimentos para todo o continente.

 

O ganho em receita das reexportações holandesas, sem processamento, após dedução dos custos incorridos, é relativamente baixo para cada euro de mercadorias reexportadas que passam pelo país (10 centavos de euro em média em 2021). Por outro lado, as exportações de produtos agrícolas de origem doméstica ou importadas e com alto grau de processamento local são mais lucrativas (receita de 58 centavos de euro em média em 2021 para cada euro exportado). 

Nesse aspecto reside a segunda razão do alto valor das exportações holandesas. A Holanda possui um histórico de produção de alto valor agregado devido a um sistema agrícola intensivo especializado, com altos investimentos em capital e mão de obra qualificada. Entre os produtos processados e exportados pelo país se destacam os lácteos, os produtos da floricultura, as carnes e as bebidas. 

A cadeia de produção de flores holandesa é emblemática dessa agregação de valor. Por trás dos lindos campos de flores, como aqueles que inspiraram pinturas de Monet, até a produção altamente tecnificada moderna, em estufas com controle de temperatura e irrigação, estão longos anos de pesquisas e vultuosos investimentos. O desenvolvimento de atributos como cores, texturas, tamanho de haste e botão, assim como maior eficiência produtiva, além de toda a especificidade e cuidados pós-colheita, visto seu alto grau de perecibilidade, requerem infraestrutura, manejo personalizado e inovação constante.

No entanto, nem tudo são flores na agricultura holandesa. Em contrapartida aos impressionantes números e à sofisticação da produção e exportação, o adensamento animal – o mais elevado do mundo – em propriedades de aves, suínos e pecuária leiteira gera consequências ambientais fortemente contestadas pelos ambientalistas, além de demandar maior rigor sanitário. A chamada “crise do nitrogênio” é o grande desafio contemporâneo do agro holandês. A amônia, proveniente da urina e do esterco animal, em excesso, ocasiona acidificação dos solos, poluição atmosférica e das águas subterrâneas e perda de biodiversidade. 

A Holanda registra o segundo maior nível de emissões de nitrogênio da Europa, em parte porque é uma nação densa e urbanizada. Nesse âmbito, o país adota controles que têm ajudado a reduzir as emissões de óxidos de nitrogênio oriundas de usinas de energia e combustão de motores.  No entanto, a atividade agropecuária é responsável por metade das emissões no país. Após uma redução expressiva a partir da década de 1980, desde 2014 as emissões vêm crescendo devido à expansão das operações leiteiras. O governo planeja reduzir os níveis de emissões ligadas ao nitrogênio em 50% até 2030 - em comparação aos níveis de 1990 - para cumprir os regulamentos da UE. Entre as ações anunciadas está o controverso plano de aquisição e fechamento de milhares de fazendas produtivas em áreas consideradas mais ambientalmente sensíveis. 

No contexto das mudanças climáticas, as emissões oriundas das atividades agrícolas têm sido colocadas na berlinda, seja na Holanda, seja no Brasil. A formulação de boas políticas públicas continua sendo fundamental para o alinhamento de interesses de produção e conservação ambiental vis-à-vis a manutenção da segurança alimentar, assim como das exportações de produtos agropecuários.  

A Holanda é uma referência na produção e exportação de produtos do agronegócio de elevado valor agregado, conseguindo altos rendimentos em um pequeno espaço territorial. No entanto, os dados de exportação devem ser olhados com cautela, para que não se confunda exportação de produção interna com reexportação de commodities para o próprio mercado europeu.

Referências e leituras indicadas:

Comissão Europeia. Eurostat- Estatísticas da União Europeia. Acesso em: 27/11/2023

Heijman, W., Gardebroek, K., & van Os, W. (2017). The impact of world trade on the Port of Rotterdam and the wider region of Rotterdam-Rijnmond. Case Studies on Transport Policy, 5(2), 351-354. Acesso em: 21/11/2023

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). SIDRA - Sistema IBGE de Recuperação Automática. Pesquisa Agrícola Municipal (PAM) - Tabelas. Acesso em: 27/11/2023

Jukema, G.; Ramaekers, P.; Berkhout, P. (2023). De Nederlandse agrarische sector in internationaal verband : Editie 2023. Wageningen: Wageningen Economic Research (Rapport / Wageningen Economic Research 2023-004) - ISBN: 9789464475463. Acesso em: 23/11/2023

Our World in Data. Emissões de CO2 por país - Holanda. Acesso em: 07/12/2023

Porter, M. E.; Vallejo, J. R.; Van Eenennaam, F. (2011). The Dutch Flower Cluster. Harvard Business School. Acesso em: 04/12/2023

Stokstad, E. (2019). Nitrogen crisis threatens Dutch environment—and economy. Science, 366, 1180-1181. Acesso em: 07/12/2023.

UN Comtrade - International Trade Statistics Database. Acesso em: 27/11/2023

Van der Heide, C. M., Silvis, H. J., & Heijman, W. J. M. (2011). Agriculture in the Netherlands: its recent past, current state and perspectives. APSTRACT: Applied Studies in Agribusiness and Commerce, 5(1-2), 23-28. Acesso em: 17/11/2023

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GLOSSÁRIO

Óxidos de nitrogênio:

São compostos químicos gasosos, formados pela combinação do oxigênio com o nitrogênio. Existem sete óxidos de nitrogênio, sendo os mais relevantes o dióxido de nitrogênio (NO2) e o óxido nítrico (NO). Em geral são provenientes de processos de combustão em altas temperaturas.

Amônia:

A amônia (NH3) é um gás incolor, tóxico e com odor pungente. Ocorre na natureza, principalmente pela decomposição anaeróbica de matéria vegetal e animal. É muito importante na fabricação de fertilizantes agrícolas.

Segurança alimentar:

Segurança alimentar ocorre quando todas as pessoas têm acesso físico, social e econômico permanente a alimentos seguros, nutritivos e em quantidade suficiente para satisfazer suas necessidades nutricionais.

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