Como a nanotecnologia está influenciando o agronegócio?
19/06/24 - Thuanne Bráulio Hennig
Os avanços da nanotecnologia têm revolucionado o setor com contribuições para o aumento da produtividade e sustentabilidade.
O crescimento populacional expressivo tem levantado desafios à segurança alimentar e à sustentabilidade ambiental. A Organização das Nações Unidas (ONU) projeta que em 2030 a população mundial chegará em 8,5 bilhões de pessoas e, de acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), quase 600 milhões de pessoas sofrerão com subnutrição crônica até o mesmo ano. Ao mesmo tempo as preocupações e requisitos ambientais tornam-se cada vez mais relevantes. Neste cenário de dificuldades, métodos eficientes de melhoramento das culturas agrícolas e de produção e armazenamento de alimentos, são requeridos. Assim, a nanotecnologia se apresenta como revolucionária na propulsão de novas ferramentas e técnicas mais eficientes em comparação aos métodos convencionais.
Por definição, é considerada uma nanopartícula qualquer matéria com tamanho muito pequeno, de até 100 nanômetros (nm), que, em geral, não pode ser visualizada pelo olho humano. A colaboração de diferentes áreas do conhecimento como a física, química, biologia e engenharia, possibilita que estas nanopartículas sejam produzidas em benefício da agricultura e do meio ambiente. No foco da nanotecnologia na agricultura estão os nanofertilizantes e os nanoagroquímicos, como os nanopesticidas, além de outras tecnologias para aprimorar o crescimento das plantas e melhorar geneticamente as culturas.
Fonte: CropLife Brasil (2019)
A tecnologia de formulação em nanoescala é um sistema inteligente para a distribuição de nutrientes e outros ingredientes ativos em culturas agrícolas comerciais, especialmente utilizada em fertilizantes e pesticidas. Essas nanoformulações consistem em nanopartículas engenheiradas ou no nanoencapsulamento - a maioria das vezes em materiais biodegradáveis - de nutrientes e ingredientes ativos. Tal tecnologia garante a produtividade das culturas agrícolas, com menores doses de aplicação no campo e assim contribui para uma produção mais orientada à sustentabilidade
O uso de nanofertilizantes e nanopesticidas pode ser potencialmente mais vantajoso do que as formulações convencionais, primeiramente, por conta da distribuição mais precisa, lenta e constante dos ingredientes ativos para as culturas. Além disso, o nanoencapsulamento protege o ingrediente ativo dos efeitos de degradação causados por condições ambientais adversas, como luz solar, ação de microrganismos, umidade etc., prolongando o tempo de vida útil do ingrediente ativo. Outro ponto importante é a melhoria na adesão e absorção dos ingredientes ativos pelas plantas por conta do tamanho extremamente reduzido das partículas. Todas estas vantagens resultam na redução das doses e da frequência de aplicação dos produtos no campo, evitando altas taxas de aplicação, reduzindo o desperdício, assim como os riscos de toxicidade, ao mesmo tempo em que promovem maior eficiência e produtividade.
Nanofertilizantes a base de nitrogênio, fósforo e potássio (NPK), bem como nanoformulações contendo rizobactérias ou micronutrientes, como sílica, ferro, cobre e zinco, já foram desenvolvidos e demonstraram alta eficiência na nutrição de solos e alta produtividade de plantas. Por exemplo, a aplicação de nanofertilizantes contendo NPK já foi associada diversas vezes com o aumento da produtividade de trigo, grão de bico, amendoim e algodão, em relação à aplicação convencional. Nanoformulações de rizobactérias em associação com nanopartículas de ferro são excelentes para o desenvolvimento da cultura do milho e rendimento de grãos. Na mesma direção, estudos verificaram que a aplicação de nanopartículas de zinco melhorou potencialmente o rendimento e qualidade do óleo de soja, bem como aumentou a produtividade de algodão e milheto.
Entre os nanopesticidas, os nanofungicidas a base de cobre, prata, zinco e enxofre já são amplamente difundidos e eficazes no controle de fungos em plantas e frutos. Diante da preocupação com pesticidas muito utilizados na agricultura, como o paraquate e o 2,4-D, que foram banidos em vários países devido a seus impactos ambientais, as nanoformulações desses produtos revelaram maior eficácia herbicida sem causar efeitos deletérios ao ecossistema, oferecendo alternativas seguras de uso.
Um dos ingredientes ativos mais utilizados no Brasil e no mundo na formulação de herbicidas, a atrazina, tem sido objeto de pesquisas nacionais em nanotecnologia. A substância, embora seja muito eficiente no combate às plantas daninhas, representa risco para organismos de ecossistemas aquáticos e terrestres em virtude dos resíduos da sua aplicação. Portanto, técnicas mais avanças para a sua utilização são necessárias. Estudos realizados com o nanoherbicida a base de atrazina revelaram que sua eficiência no controle de plantas daninhas é dez vezes maior em relação à formulação convencional sem comprometer a sua eficácia (EMBRAPA, 2019). Essas descobertas acerca dos nanopesticidas são de fundamental interesse no mercado de agroquímicos, mas derivam preocupações a respeito das suas limitações, efeitos adversos ao meio ambiente e à saúde humana, que ainda não são integralmente compreendidas.
Além dos nanoagroquímicos, outras nanotecnologias aplicadas à agricultura têm sido desenvolvidas e utilizadas. O nanopriming de sementes, por exemplo, é uma tecnologia emergente na agricultura e consiste no tratamento químico de sementes para otimização da sua germinação e melhoria do desenvolvimento das plantas. O avanço da utilização da nanotecnologia para engenharia genética e edição de genes, a partir de técnicas de transferência gênica utilizando nanopartículas, também tem influenciado diretamente no aumento da produtividade das culturas de interesse comercial. Os nanossensores, por sua vez, podem detectar e medir uma variedade de parâmetros das lavouras, como umidade do solo, níveis de nutrientes, acidez, presença de pragas e doenças, entre outros. Essas ferramentas constituem nanoestruturas fabricadas (nanochips, nanoeletrodos ou outros nanossensores) que podem ser empregados em implementos agrícolas, como semeadoras, pulverizadoras e em sistemas de irrigação inteligentes, mas também podem ser dispersos no ambiente por meio de drones e sprays. A utilização dos nanossensores pode ser amplamente eficiente para a gestão de recursos, controle da saúde dos cultivos, monitoramento da qualidade do solo e personalização da agricultura de precisão. Mais um exemplo são as técnicas de nanobiofortificação, que tem sido empregadas para enriquecer plantas alimentícias com nutrientes desejados em nanopartículas. Outras áreas de apoio e serviços no agronegócio, como embalagens, processamento e preservação de alimentos, também tem se beneficiado de aplicações da nanotecnologia.
Em geral, observa-se que os benefícios e aplicações da nanotecnologia na agricultura são vastos, contribuindo para o aumento da produção global de alimentos com aredução no uso de insumos químicos. Desde o desenvolvimento de nanofertilizantes e nanopesticidas altamente eficientes até a aplicação de nanotecnologias em diversas áreas indiretamente relacionadas à agricultura, como o processamento de alimentos e o tratamento de efluentes. No entanto, apesar de seu enorme potencial, a nanotecnologia ainda não é totalmente explorada, e o conhecimento sobre suas limitações ainda é raso, indicando a necessidade de compreender melhor o impacto a longo prazo dos nanomateriais no meio ambiente. A despeito dos benefícios já comprovados, é necessário prever riscos que possam surgir no futuro.
Referências e leituras indicadas
AI-JUTHERY, H. W. A.; LAHMOD, N. R.; AI-TAEE, A. H. G. Intelligent, Nano-fertilizers: A New Technology for Improvement Nutrient Use Efficiency (Article Review). IOP Conference Series: Earth and Environmental Science, 2021.
BRASIL. Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. Relatórios de comercialização de agrotóxicos. Acesso em: 17 mar. 2024.
CropLife Brasil. Nanotecnologia potencializa a ação dos defensivos agrícolas. Acesso em: 17 mar. 2024.
ELEMIKE, E. E.; UZOH, I. M.; ONWUDIWE, D. C.; BABALOLA, O. O. The Role of Nanotechnology in the Fortification of Plant Nutrients and Improvement of Crop Production. Applied Science, 2019.
EMBRAPA. Desenvolvimento de nanopesticidas e nanofertilizantes fornece novas ferramentas para crescimento sustentável da agricultura. Acesso em: 17 mar. 2024.
KUMAR, A.; SINGH, K.; VERMA, P. et al., Effect of nitrogen and zinc nanofertilizer with the organic farming practices on cereal and oil seed crops. Scientific reports, v. 12, 2022.
ONU. População mundial deve chegar a 9,7 bilhões de pessoas em 2050, diz relatório da ONU. Acesso em: 17 mar. 2024.
SARITHA, G. N. G.; ANJU, T.; KUMAR, A. Nanotechnology - Big impact: How nanotechnology is changing the future of agriculture?. Journal of Agriculture and Food Research, v. 10, 2022.
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GLOSSÁRIO
Unidade de medida de comprimento do sistema métrico, correspondente a 10−9 metro (0,000.000.001 metro, um bilionésimo de metro, ou um milionésimo de milímetro). Tem como símbolo nm.
Trata-se da integração da nanotecnologia com agroquímicos tradicionais. Estas nanosubstâncias incrementam a eficácia e eficiência dos agroquímicos como inseticidas, herbicidas, fungicidas e fertilizantes, através da manipulação de materiais em escala nanométrica. Entre os principais benefícios da utilização dos nanoagroquímicos estão a liberação controlada dos ingredientes ativos, melhor adesão das substâncias à superfície foliar bem como melhor distribuição e e penetração dos ingredientes ativos nos tecidos foliares e, por fim, redução da quantidade necessária de produto químico e minimização dos impactos ambientais e à saúde humana.
Técnica utilizada para envolver substâncias em partículas muito pequenas, na escala nanométrica. Estas partículas são chamadas de nanocápsulas ou de nanopartículas e o material envoltório são geralmente materiais poliméricos ou lipídicos.
São bactérias que vivem na região próxima às raízes das plantas, conhecida como rizosfera. Elas estabelecem uma relação simbiótica ou mutualística com as plantas, beneficiando tanto a planta quanto a própria bactéria. As rizobactérias podem auxiliar no crescimento das plantas de várias maneiras, como promovendo a disponibilidade de nutrientes, aumentando a resistência a doenças e estresses ambientais, e melhorando a absorção de água. Além disso, algumas rizobactérias têm a capacidade de fixar nitrogênio atmosférico, convertendo-o em uma forma que as plantas podem utilizar, o que é especialmente importante para o crescimento saudável das plantas em solos pobres em nutrientes.
Configura uma técnica emergente na agricultura que integra a nanotecnologia, através das nanopartículas, associada à diferentes materiais e sua aplicação em sementes para melhorar seu desempenho durante o processo de germinação e crescimento inicial das plantas. Essas nanopartículas podem integrar diversos materiais, como óxidos metálicos, carbono, polímeros ou compostos inorgânicos.
Referem-se a dispositivos sensoriais em escala nanométrica que são utilizados para monitorar a presença de pragas e doenças, bem como outros fatores relevantes para a produção agrícola.
É uma abordagem que combina a nanotecnologia com técnicas de biorremediação para remediar contaminações ambientais causadas por poluentes orgânicos e inorgânicos. Nesse processo, nanopartículas são utilizadas para aumentar a eficiência dos microrganismos degradadores presentes no ambiente, facilitando a degradação, transformação ou remoção dos contaminantes.
Processo de separação de substâncias em uma solução aquosa, utilizando membranas de poros extremamente pequenos, de escala nanométrica, permitindo reter íons multivalentes, moléculas orgânicas e partículas coloidais. Estas membranas são utilizadas em processos de purificação de água, tratamento de efluentes, dessalinização remoção de cor e matéria orgânica, entre outros.
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