ECONOMIA E COMÉRCIO INTERNACIONAL
Como as novas regulações climáticas globais podem afetar o comércio do agro brasileiro?
01/06/23 - Fernanda Kesrouani Lemos | Rodrigo Lima
Meio Ambiente | Comercio Internacional | Política | Uso da Terra
Rafael Marques - Secom - MT
Regulações que provocam efeitos em outros países têm sido cada vez mais comuns.
Em abril de 2023, foi aprovada pelo Parlamento Europeu a “EU Deforestation Regulation” (EUDR, ou Regulação da União Europeia contra o desmatamento), que criou exigências para controlar e coibir a importação de produtos agrícolas oriundos de áreas com desmatamento em todo o mundo. Outros países, como Reino Unido, Estados Unidos e China, estão elaborando regras para afastar o risco de desmatamento e induzir a mitigação de emissões de gases de efeito estufa (GEEs) de produtos importados.
Outra regulamentação que corrobora essa trajetória “verde” é a taxação de carbono na fronteira, por meio do Carbon Border Adjustment Mechanism (CBAM), cuja lógica é evitar o “vazamento de carbono” em produtos exportados para a União Europeia. Assim, criam-se obrigações de reduzir emissões para setores em países terceiros, considerando que esses setores possuem metas dentro da Europa. Tais regulações e taxas geram, no curto prazo, custos de adaptação para países que ainda estão na retaguarda nas tecnologias de produção, formas de governança e compliance da informação relativas aos seus ativos ambientais.
Além dos border carbon adjustments (BCAs, na sigla em inglês), há outras medidas que podem afetar o comércio, como subsídios concedidos para fomentar setores que contribuam para reduzir emissões. Os Estados Unidos, por exemplo, aprovaram no final de 2022 o “Inflation Reduction Act”. Trata-se de um pacote de subsídios (US$740 bilhões) que tem, entre outros, o objetivo de ampliar a produção de energias renováveis e transportes sustentáveis dentro do país.
A Organização Mundial do Comércio (OMC), ao reforçar o papel do comércio global como catalisador da produção sustentável de alimentos, energia e serviços, busca se adaptar a esse novo contexto. As medidas de carbono na fronteira e políticas para coibir o desmatamento são exemplos de iniciativas ambientais que afetam o comércio e que visam provocar efeitos em outros países, sendo então denominadas regulação extraterritorial.
A União Europeia não aceitará a produção de carne, soja, cacau, madeira, papel, carvão vegetal e café, entre outros, em áreas desmatadas a partir de 31 de dezembro de 2020. Em outras palavras, a EU vai exigir “desmatamento zero” nas importações dessas commodities. A demanda requer informações das fazendas comprovando que não houve conversão das áreas conforme a legislação e após o período (legal ou ilegalmente).
A captura dessas informações e seu fluxo ao longo da cadeia produtiva como mecanismo de compliance exige um processo de adaptação das burocracias governamentais e mecanismos de controle e proteção de informações, bem como validação em tempo real. Isso representa um esforço público e privado que deve aumentar os custos de transação.
A regulamentação também prevê que os países e/ou regiões poderão ser classificados como alto, médio ou baixo risco. A classificação de risco será um balizador da tomada de decisão dos importadores, que buscarão comprar de regiões com menor risco. Esse fato será fundamental para o Brasil, pois estados com altas taxas de desmatamento podem sofrer restrições, a exemplo do Pará, recordista histórico nesse aspecto.
A fim de evitar tais ocorrências, as cadeias de suprimento poderão usar documentos-padrão a serem propostos pela Comissão Europeia. Nesses documentos, serão solicitadas diversas informações, incluindo a adesão a padrões voluntários de sustentabilidade ou certificações. A União Europeia tem vasta experiência com o uso de certificações no mercado de biocombustíveis, o que exigiu um intenso envolvimento das usinas de etanol nos últimos anos, por exemplo.
A Comissão Europeia é um ator central nessa discussão, visto que deverá trabalhar com os parceiros comerciais a fim de reduzir risco de desmatamento. As negociações para aprovar o Acordo UE-Mercosul parecem ser um espaço oportuno para esse debate. O Brasil, com o “novo” Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAM) e outras políticas e medidas, tem base para negociar soluções cooperativas e evitar barreiras comerciais.
Vale ressaltar que a versão da consulta pública do PPCDAM, apresentada pelo governo, apontava que, em 2022, 25% do desmatamento na Amazônia ocorreu em áreas privadas, 32% em terras públicas não destinadas, 29% em assentamentos da reforma agrária, 11% em Unidades de Conservação e 2% em terras indígenas.
O fortalecimento do monitoramento e controle do desmatamento em áreas privadas, por meio do Cadastro Ambiental Rural (CAR), é urgente, o que exige envolver os estados no processo de avaliação e regularização ambiental. Essa agenda, desde que bem endereçada, pode servir como estratégia para reduzir a classificação de risco nas políticas de due diligence. Vale lembrar que a China também passa a exigir mecanismos de comprovação do cumprimento do Código Florestal como forma de compliance legal contra o desmatamento. Embora esse mercado ainda não exija desmatamento zero, o país asiático articula-se para ser cada vez mais “verde”.
A realidade diante da nova regra europeia exige intenso envolvimento do setor privado e do governo, a fim de evitar a criação de barreiras comerciais por desconsiderar os riscos do desmatamento na agricultura. É fundamental definir estratégias para atuar no campo do comércio internacional e do meio ambiente. Conter rapidamente o desmatamento ilegal é apenas uma das ações urgentes. Em paralelo, é necessário fechar o Acordo UE-Mercosul, bem como novos acordos regionais, valorizando a agropecuária tropical como vetor de elevados padrões produtivos sustentáveis.
Nesse sentido, continuar a ter a UE como parceiro comercial e perpetuar as relações entre as partes de forma colaborativa é fundamental para o Brasil. Ao redor do mundo, mais de 140 países pretendem adotar ações climáticas de agricultura e segurança alimentar, e a UE está em posição de influenciá-los direta ou indiretamente. Novas medidas em prol da sustentabilidade estão emergindo. Cabe ao Brasil olhar esse processo como uma oportunidade de mostrar seus atributos ambientais e precificá-los como potência agrícola e ambiental, papel já atribuído ao país desde os anos 1990. É preciso, no entanto, que suas arquiteturas de informação e seus mecanismos de controle e compliance sejam capazes de transmitir a conformidade com leis e normas internas e com medidas privadas.
Leituras indicadas:
Barreira verde: proibição da importação de produtos oriundos da área desmatada traz risco à credibilidade do Brasil. O Estado de São Paulo, 20 de maio de 2023.
Bellezoni, R.; Ren, P. & Zhong, Z. O verdejar silencioso da China. O Estado de São Paulo, 20 de maio de 2023.
* Utilize esse material como referência livremente.
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GLOSSÁRIO
É uma política comercial ambiental que consiste em taxas sobre as importações e, por vezes, descontos sobre as exportações. Os BCAs refletem os custos regulatórios que incidem em produtos intensivos em carbono produzidos internamente, mas não nos mesmos produtos produzidos no exterior.
É o instrumento criado pela União Europeia para colocar um preço justo no carbono emitido durante a produção de bens intensivos em carbono que entrarão no bloco econômico. O objetivo é incentivar uma produção industrial mais limpa em países terceiros.
É a instituição que representa e defende os interesses da União Europeia globalmente. Ela materializa os interesses da Comunidade Europeia por meio da proposição de leis, políticas e programas de ação. Também é responsável por aplicar as decisões do Parlamento Europeu e do Conselho da União Europeia.
É estar em conformidade com leis, padrões éticos, regulamentos internos e externos. Sua função é minimizar riscos e orientar o comportamento da empresa nos mercados em que atuam.
Due diligence, ou processo de diligência devida, é um procedimento que visa fazer pesquisa e investigações aprofundadas sobre uma empresa. Ela acontece, na prática, quando uma negociação está em andamento.
É o poder legislativo da União Europeia. Em conjunto com o Conselho Europeu, aprova a legislação europeia, normalmente sob proposta da Comissão Europeia. O Parlamento Europeu é composto por 705 eurodeputados e representa o segundo maior eleitorado democrático (depois do Parlamento da Índia) e o maior eleitorado democrático transnacional do mundo.
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