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ECONOMIA E COMÉRCIO INTERNACIONAL

Como os padrões privados podem ajudar a fortalecer e a notabilizar o agronegócio sustentável?

15/06/23 - Fernanda Kesrouani Lemos | Camila Dias de Sá

Comercio Internacional | Imagem e Comunicação | Segurança Alimentar | Meio Ambiente

Como os padrões privados podem ajudar a fortalecer e a notabilizar o agronegócio sustentável?

Wenderson Araujo/Trilux - Sistema CNA/Senar

Legitimidade e diferenciação de produção voltadas para o mercado levam a adoção de padrões privados.

Os padrões privados no âmbito da produção de alimentos emergiram no início dos anos 1990, quando a segurança alimentar se tornou uma preocupação em nível global, na esteira de uma série de contaminações alimentares e crises sanitárias, a exemplo do Mal da Vaca Louca.

Nesse contexto, aumentou o interesse do consumidor final em conhecer e garantir a origem e forma de produção dos alimentos. Mas foi em meados dos anos 2000 que tais padrões ganharam visibilidade. 

Os padrões privados envolvem a certificação de diversos atributos que nem sempre podem ser comprovados pelo consumidor de forma objetiva no momento da compra, como por exemplo:produção orgânica, bem-estar animal, qualidade, comércio justo (fair trade), entre outros.

Atualmente, os padrões privados também são uma ferramenta importante para promoção da sustentabilidade no setor de alimentos, considerando aspectos ambientais, trabalhistas e sociais. De forma mais geral, estes padrões apresentam requisitos que vão além das exigências legais dos países, ainda que haja um processo de adaptação às condições locais. Eles encorajam práticas como a agricultura orgânica, produção em agroflorestas, sistemas integrados em geral, conservação de rios, e a preservação da biodiversidade. Por meio da promoção de técnicas sustentáveis, estes padrões visam minimizar os impactos, como poluição de água e solos, durante o uso dos recursos naturais.

Além das questões ambientais, os padrões privados relacionados à sustentabilidade abrangem também aspectos sociais, como, comércio justo, boas práticas de trabalho, direitos trabalhistas e engajamento social com as comunidades locais. Eles tendem a promover salários justos, condições de trabalho seguras, e acesso aos serviços básicos para os trabalhadores ao longo da cadeia produtiva. Além disso, intercedem pela equidade de gênero e suporte às comunidades marginalizadas, contribuindo com o crescimento econômico e redução de pobreza. 

Com a crescente conscientização dos consumidores quanto aos impactos ambientais e sociais dos produtos, as organizações que aderem aos padrões privados acabam gerando vantagem competitiva ao atingir as expectativas desses consumidores. Assim, em geral, tal adesão amplia o acesso aos mercados. Em outras palavras, esses padrões podem ser considerados um mecanismo para diferenciação de produto e criação de reputação no longo prazo ao dar legitimidade por meio da certificação do produto, produção e boas práticas.

Para garantir a credibilidade e integridade dos atributos relacionados aos padrões privados são necessários processos robustos de certificação. Esses envolvem uma sequência de visitas locais, revisão de documentos e o engajamento das partes envolvidas por um órgão certificador acreditado. A transparência e verificação independente leva a maior confiança dos consumidores, investidores e outros interessados, criando legitimidade para as cadeias certificadas. 

Por outro lado, ao passo que varejistas e processadores, especialmente europeus, têm optado cada vez mais pela certificação como um meio de proteger-se de críticas da opinião pública, cria-se um conjunto cada vez mais complexo e altamente fragmentado de marcas de certificação. Essas geram uma miríade de padrões que empregam ampla gama de critérios, mas com rigidez e consistência variáveis, podendo trazer implicações para a credibilidade dos mesmos. 


Tabela: Exemplos de padrões privados relacionados a suatentabilidade de produtos agropecuários no Brasil

Padrão Privado Produto Website
Round Table in Responsible Soy (RTRS) Soja www.responsiblesoy.org
Pró-terra Soja www.proterrafoundation.org
Better sugarcane initiative (BSI) - Bonsucro Cana de açúcar www.bonsucro.com
4C Café www.4c-services.org
RainForest Alliance e UTZ Vários produtos como café, cacau, chá, óleo de palma www.rainforest-alliance.org
Forest Stewardship Council (FSC) Madeira www.fsc.org
Programme for the Endorsement of Forest Certification (PEFC) (recognises national forest certification systems aligned with PEFC standards) Madeira www.pefc.org
Roundtable on Sustainable Biomaterials (RSB) Materiais derivados de biomassa e alimentação animal www.rsb.org
International Sustainability and Carbon Certification (ISCC) Biomassa de produtos agrícolas e florestais e resíduos usados para fazer biocombustíveis www.iscc-system.org
Fair Trade Vários produtos como café, cacau, chá, óleo de palma www.fairtrade.net
Roundtable on Sustainable Palm Oil (RSPO) Óleo de Palma www.rspo.org
Sustainable Biomass Programme (SBP) Biomassa de madeira usado em larga escala para produção de energia www.sbo-cert.org

 

A implementação dos padrões privados nas cadeias agropecuárias não é tarefa fácil, especialmente quando há heterogeneidade na produção. Por exemplo, pequenos produtores podem enfrentar limitação de recursos para investir nas adequações necessárias e no processo de certificação. Além disso, a multiplicidade e diversidade de certificações para atender os diferentes mercados pode levar ao aumento de custos aos produtores. No caso de pequenos e médios, este incremento de custos relativos devido à certificação podem não ser recompensadores, mesmo quando os preços aos consumidores são mais elevados. Portanto o benefício dos padrões deve ser tratado sob o ponto de vista de adaptação da produção às melhores práticas e não apenas de retorno financeiro.

Além disso, é fundamental treinar produtores para atendimento dos requerimentos. A falta de conhecimento pode ser considerado um componente desafiador para adoção de melhores práticas e tecnologias. Nesse sentido, a adoção de padrões apresenta oportunidades de colaboração, construção de novas capacidades e difusão de conhecimento entre os agentes da cadeia. No entanto, não necessariamente as certificadoras prestam este serviço para que haja adaptação. Para o atendimento aos padrões legais, o governo pode ser um agente fundamental, por meio do suporte de suas agências de assistência técnica, especialmente aos pequenos e médios produtores.

A sustentabilidade ao longo das cadeias produtivas é um tema cada vez mais proeminente, e os padrões privados devem ter importância crescente na forma como o agronegócio é moldado aos olhos globais. Ainda que haja implicação em custos transacionais, eles têm um papel importante a desempenhar na promoção e inserção do agro brasileiro no mundo. No entanto, a eminência destes padrões implicou em diversidade em termos de métricas entre países, alguns com baixa credibilidade e, consequente baixa adoção. 


Leituras indicadas:

AMARAL, M. (2015). Padrões Privados e a Atuação ou Omissão do Estado: Protecionismo Público-Privado? Contexto Internacional, 37(2), 403–434. 

CASHORE, B. Legitimacy and Privatization of Environmental Governance: How Non-State Market Driven Governance Systems Gain Rule-Making Authority. Governance: An International. Journal of Policy, Administration and Institutions, v. 15, n. 4, p. 503-529, out 2002.

FAO - Food and Agriculture Organization of the United Nations. Private Food Safety Standards: Their Role in Food Safety Regulation and their Impact. Trabalho apresentado na 33a Sessão da Codex Alimentarius Commisision. 2010.

OECD/FAO (2023), OECD-FAO Business Handbook on Deforestation and Due Diligence in Agricultural Supply Chains, OECD Publishing, Paris.

 

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GLOSSÁRIO

Padrões privados (voluntary standards):

Padrões privados (voluntary standards) são guias de boas práticas e sistemas de certificações desenvolvidas para promover as práticas e técnicas sustentáveis na agricultura e pecuária. Estes padrões, de forma geral, vão além das práticas legais dos países e abrangem uma grande quantidade de requisitos ambientais e de direitos trabalhistas e humanos. Seu objetivo é prover um modelo para que as empresas mensurem e melhorem seus resultados quanto à sustentabilidade de suas atividades. Isso leva a melhoria de competitividade e reputação de marca.

Mal da vaca louca:

Encefalopatia espongiforme bovina é uma doença degenerativa do sistema nervoso que torna o animal agressivo, gerada por uma proteína de ocorrência natural nos animais, mas que pode se tornar patogênica. A contaminação ocorre por meio do consumo de rações feitas com proteína animal contaminada, como por exemplo, farinha de sangue e ossos de outras espécies. O primeiro grande surto da doença ocorreu entre 1992 e 1993, quando foram confirmados quase 100 mil casos no Reino Unido. Estima-se que 180 mil cabeças de gado tenham sido afetadas e mais de 4 milhões de animais foram sacrificados na época, uma vez que não há tratamento.

Bem-estar animal:

Refere-se a provisão de condições que proporcionem conforto físico, mental e fisiológico para que os animais permaneçam livres de medo, fome, sede, frio, e calor.

Comércio justo:

 

Transações comerciais baseadas em diálogo, transparência e respeito, em busca de maior equidade no comércio internacional. Originou-se da constatação de um abismo entre produtores em regiões menos desenvolvidas e compradores em regiões mais desenvolvidas que requerem o estabelecimento de práticas comerciais mais justas para os primeiros.

Agroflorestas:

Plantio ou manejo de árvores em associação com culturas agrícolas ou forrageiras. Exemplo: árvores para extração de madeira nativa com espécies leguminosas e frutíferas.

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