ECONOMIA E COMÉRCIO INTERNACIONAL
O agro brasileiro está agregando valor às suas exportações?
22/07/24 - Sofia Piegas | Victor Martins Cardoso | Marcos Jank | Leandro Gilio
Análise dos dados indica a tendência de diminuição da participação de produtos de maior valor agregado nas exportações do agro brasileiro
Desde a década de 2000, o agronegócio brasileiro cresce a passos rápidos nas exportações. No período de 2000 a 2023 as exportações agropecuárias tiveram um crescimento anual médio de quase 10%. Esse fenômeno, em grande parte, foi motivado pelo aumento da demanda asiática, em especial a chinesa, paralelamente ao aumento da produtividade agrícola brasileira, o que elevou a participação dos produtos do agronegócio brasileiro no comércio internacional.
Ao se avaliar as exportações do agro brasileiro por perfil de produto, nota-se que o Brasil se especializou em exportações de commodities agropecuárias e agroindustriais exportadas em grandes volumes com pequena diferenciação e dirigidos basicamente ao reprocessamento e adição de valor no exterior. Exemplos são as cadeias da soja e do milho (exportados basicamente na forma de grão), de carnes, de produtos florestais, de açúcar, de algodão e de café que representaram em 2023 cerca de 90% das exportações do agronegócio brasileiro em valor (US$), segundo dados da Secex[1].
Esse fato não é necessariamente negativo - a produção e exportação de commodities detém indiscutível relevância econômica para o país e são fortemente demandadas e competitivas no mundo. Mas o caminho em direção a produtos com maior adição de valor e diferenciação é algo que deveria ser trilhado para ampliar a participação dos produtos brasileiros no mercado internacional. Commodities são produtos cujos preços são definidos no mercado internacional sob concorrência quase perfeita, o que expõe os produtores nacionais a riscos inerentes, como flutuações de preço e ampla concorrência com players globais. Além disso, produtos que envolvem maiores etapas produtivas ou diferenciação, via de regra, poderiam gerar mais valor adicionado, mais empregos e maiores rendimentos dentro do país.
No entanto, é importante ponderar que o desenvolvimento de cadeias produtivas mais complexas não é uma simples tarefa. Ela envolve custos adicionais de processamento, comercialização, distribuição, diferenciação e marketing, além de exigir um grande esforço de diplomacia e negociações para ampliar o acesso aos mercados-destino que normalmente protegem o valor adicionado domesticamente.
Como forma de conseguir mensurar a agregação de valor às exportações do agro brasileiro, realizou-se uma classificação dos produtos do agronegócio baseada entre classes de atividades econômicas: (1) agropecuária, (2) indústria extrativa, (3) indústria de transformação e (4) outros produtos. Estas classes fazem parte da classificação ISIC (Standard Industrial Classification of All Economic Activities) que divide os produtos do comércio global entre as atividades econômicas e níveis de transformação. Além disso, ela segue uma lógica parecida com a classificação de Fator Agregado, adotada pela Secex no passado, que separava as mercadorias exportadas entre básicos, semimanufaturados e manufaturados. Por exemplo, a maior parte dos produtos provenientes da agropecuária (produção “dentro da porteira”, sem grandes etapas de processamento) são classificados como produtos básicos, enquanto a maioria da agroindústria de transformação destes produtos entra nas categorias semimanufaturados e manufaturados. Assim, a estratégia deste estudo para identificar os produtos de maior valor agregado é comparar a participação das exportações do agronegócio entre as categorias de agropecuária e da indústria de transformação (agroindústria).
Ao avaliar dados globais, verifica-se que há países que optaram por se especializar em produtos com maior agregação de valor, como China e países da União Europeia, enquanto outros como o Brasil, os Estados Unidos e a Austrália especializaram-se na venda de produtos com menor diferenciação. Além disso, observa-se que o agronegócio brasileiro não tem conseguido mudar o perfil de suas exportações ao longo do tempo.
Em valores absolutos, o agronegócio brasileiro é o terceiro maior exportador mundial tanto de produtos agropecuários quanto de agroindustriais. Porém, se considerarmos apenas os produtos do agronegócio provenientes da indústria de transformação, ou seja, com maior valor adicionado, o Brasil cai para o 4º lugar, com US$ 71,5 bilhões exportados, em 2023, conforme o gráfico acima. Entre 2000 e 2023, as exportações brasileiras desses produtos cresceram à uma taxa média anual igual à 8,8%, valor até acima do apresentado pelos seus concorrentes globais.
Em termos relativos, no entanto, há maiores diferenças. Quando consideramos a participação de produtos agroindustriais sobre o total exportado de produtos do agronegócio (considerando grandes players globais no setor), a União Europeia fica no topo da lista, com um share acima de 80%, junto com a China. Já o Brasil está entre os países com menor participação, de aproximadamente 46,6%. Além disso, essa fatia vem diminuindo ao longo do tempo, movimento contrário ao observado nos países do bloco europeu, mas em linha com Austrália e Ucrânia, por exemplo. Em 2000, a participação desses produtos era igual à 69,1%, em 2010, 66,8%, revelando que a década de 2010 foi decisiva para a característica atual das exportações do agronegócio brasileiro, uma vez que esse percentual caiu praticamente 20 p.p nos últimos treze anos. A competitividade brasileira em commodities agrícolas básicas fica ainda mais clara quando percebe-se que o crescimento médio anual das exportações de produtos agropecuários foi igual à 13,5%, neste período, expressivamente maior que o observado para os produtos agroindustriais.
Este resultado nas exportações agro segue uma tendência de redução da participação da indústria de transformação, que ocorre tanto no agronegócio quanto na economia brasileira como um todo. Segundo dados do Cepea Esalq/USP, a participação da agroindústria no produto interno bruto (PIB) do agronegócio cai de 34% em 2000 para 23% em 2023, indicando menor crescimento relativo das agroindústrias frente a outros segmentos que compõem o PIB do setor[1].
Esses números não apenas revelam um aspecto característico do desenvolvimento recente do agro brasileiro e de sua pauta exportadora, mas também rejeitam a hipótese levantada por diversos veículos de notícias de que de alguma forma o Brasil seria o “supermercado do mundo”. Os produtos nos quais o agro brasileiro mais se especializou não possuem grande sinergia entre si no pós-porteira, ou seja, não se complementam em processos produtivos complementares, sendo majoritariamente commodities que serão exportadas para outros países, onde lá serão processadas, ganharão valor, marca e possivelmente reexportadas. Mesmo em produtos, como frutas e nozes, que não necessitam de muitas etapas de processamento, mas possuem altos prêmios no exterior, o Brasil não chega nem a representar 1% das exportações mundiais – para maior aprofundamento nessa área, recomenda-se a leitura do texto “O futuro do comércio global do agronegócio e a inserção do Brasil”.
Também cabe destacar a dificuldade do Brasil em firmar acordos comerciais e reduzir as barreiras nas quais os produtos brasileiros se defrontam internacionalmente. Diferentemente das exportações de commodities mais básicas, que em geral têm comercialização facilitada, produtos de maior valor agregado enfrentam mercados protecionistas, maiores barreiras tarifárias e não-tarifárias, como padrões de produção específicos. Como resultado da dificuldade de acesso ao mercado, há maior custo, imprevisibilidade e insegurança jurídica no ambiente de negócios – o que limita consideravelmente a demanda por produtos agroindustriais, não sendo interessante (ou viável) ao produtor nacional a atuação nestes mercados.
Em suma, a análise realizada indica que o Brasil ocupa a quarta posição mundial nas exportações de produtos agroindustriais (considerando a União Europeia como um todo). O país destaca-se mais nas exportações de produtos primários, que são utilizados como matérias-primas nos processos de industrialização ocorridos, sobretudo, nas nações desenvolvidas. Consequentemente, os produtos brasileiros marcam presença nas gôndolas dos supermercados do mundo como insumos de bens finais e, mais raramente, como produtos para consumo direto. Essa foi uma opção de desenvolvimento dos produtores dos diversos segmentos do agro brasileiro nas últimas décadas, onde obtivemos grandes ganhos de produtividade e competitividade internacional. Mas também se nota que a participação brasileira no mercado de produtos com valor agregado ainda tem potencial de crescimento, opção que exigiria um comportamento mais estratégico do país, maior diálogo, investimentos e coordenação entre governo, associações e empresas do setor, para que haja o desenvolvimento de ações que favoreçam a internacionalização dos produtos nacionais com maior valor agregado. Com isso, também se incorreriam maiores custos de modo geral e busca por acesso a mercados, o que deve ser sempre considerado dentro das decisões estratégicas.
1 Conferir em https://agro.insper.edu.br/storage/papers/January2024/ComercioAgro2023.pdf
2 Dados do PIB do Agronegócio calculados pelo Cepea Esalq/USP em parceria com a CNA.
* Utilize esse material como referência livremente.
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GLOSSÁRIO
Aprimoramento de uma mercadoria comercializável pela adição de qualidades, seja pelo maior número de etapas de processamento ou pela sua promoção, que lhe conferem um valor mais alto do que as matérias-primas usadas para fazê-la. (Fonte: Investopedia)
Determinado bem ou produto de origem primária comercializado num mercado composto por recursos agrícolas, minerais, vegetais e entre outros.
Atividade da economia que se dedica à extração e transformação de recursos naturais do subsolo, como minerais, petróleo, gás natural e outros minerais energéticos.
Ambiente equipado e preparado onde um conjunto de atividades relacionadas à transformação de matérias-primas agropecuárias provenientes da agricultura, pecuária, aquicultura ou silvicultura são realizadas de forma sistemática.
Restrições ao comércio exterior via imposição de tarifas de importações e diversas taxas.
Restrições ao comércio exterior que tratam de restrições quantitativas, licenciamento de importação, procedimentos alfandegários, valoração aduaneira arbitrária ou com valores fictícios. Podem ser, por exemplo, barreiras sanitárias, fitossanitárias, ambientais e sociais.
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