ECONOMIA E COMÉRCIO INTERNACIONAL
O crédito rural está acompanhando o crescimento Agronegócio Brasileiro?
21/10/24 - Wellington Lopes de Souza
Wenderson Araújo/Trilux | Sistema CNA/Senar
Desafios e alternativas para financiar a expansão do agronegócio em um cenário de restrições orçamentárias e altas taxas de juros
O agronegócio brasileiro vem apresentando, ao longo das últimas décadas, um forte crescimento e, cada vez mais, tem se tornado de grande importância para economia do país, representando aproximadamente 25% do PIB, segundo dados da CNA e CEPEA-ESALQ/USP.
O crescimento do setor, nas últimas décadas, tem sido impulsionado por aumento significativo de produtividade no campo, amparado por investimentos e novas tecnologias. A introdução de sementes geneticamente modificadas, mais resistentes a pragas e doenças, junto com técnicas avançadas de irrigação, tem desempenhado um papel crucial. Além disso, a adoção de tecnologias de precisão, como drones e sensores de solo, permite um monitoramento detalhado das condições agrícolas. Maquinários de última geração, totalmente conectados, geram dados em tempo real, facilitando a gestão e a melhoria contínua dos processos produtivos no campo. Estes avanços tecnológicos também incluem novos produtos para produção agrícola, como bioinsumos e fertilizantes de alta eficiência, que contribuem para a sustentabilidade e a otimização dos recursos naturais. Estas novas tecnologias elevaram o padrão de produção em áreas agricultáveis no Brasil, inclusive com a conversão de áreas degradadas em terras férteis.
O Brasil hoje é um dos maiores exportadores de commodities agrícolas do mundo. Nos últimos 10 anos, as exportações contribuíram para impulsionar a economia do país, mantendo o saldo da balança comercial brasileira positivo, compensando o déficit em outros setores econômicos. Atualmente, um dos principais desafios para atender esse movimento de consistente expansão do agronegócio, está na capacidade limitada de crescimento dos financiamentos para o setor, sobretudo das linhas com subvenção governamental, dada as restrições de recursos públicos.
Lançando foco mais específico sobre esse contexto, cabe destacar que uma das principais políticas públicas voltadas ao desenvolvimento da agropecuária no Brasil é o Plano Safra. Esta política é anunciada anualmente pelo governo federal e possui um conjunto de diretrizes, metas e recursos financeiros que devem obrigatoriamente ser destinados ao agronegócio. Seu objetivo é fornecer apoio aos produtores rurais, incentivando a produção (custeio), a comercialização e a modernização das atividades agrícolas.
O Plano Safra oferece linhas de crédito com condições especiais, como juros subsidiados, prazos flexíveis e limites adequados às necessidades dos agricultores e pecuaristas. Esses recursos podem ser utilizados para investimentos em infraestrutura, compra de equipamentos, custeio da produção, apoio à comercialização e adoção de práticas mais eficientes com preservação do meio ambiente.
O Plano se subdivide em dois blocos:
- Agricultura familiar: destinado aos pequenos produtores com renda bruta familiar anual de até R$ 500.000,00. Este programa disponibiliza recursos para financiamento de até R$ 250.000,00, oferecendo taxas de juros subsidiadas pelo Governo Federal através do Programa Nacional de Agricultura Familiar (Pronaf).
- Agricultura Empresarial: atende aos médios e grandes produtores que faturam acima de R$ 500.000,00 por ano com atividades voltadas à agropecuária.
Na Agricultura Empresarial há uma distinção entre médios e grandes produtores. São enquadrados como médios produtores aqueles que possuem renda bruta familiar de até R$ 3.000.000,00 por ano-safra. Esta classe também tem acesso a recursos subvencionados pelo Tesouro Nacional na modalidade Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor Rural (Pronamp), podendo cada CPF captar até R$ 600.000,00 por ano para custear sua atividade agrícola.
Anualmente, o governo federal permite que as instituições financeiras se candidatem a atuar como agentes repassadores dos recursos subsidiados, direcionados aos pequenos e médios produtores. No ano-safra 2023/2024, havia 21 instituições financeiras cadastradas para repassar estes recursos especiais.
Para os grandes produtores, a maior parte dos recursos disponíveis para custeio é baseada em taxas de mercado, sem subsídios. São os chamados ¨recursos livres¨. Esta classe de produtores vai encontrar recursos subsidiados somente em algumas modalidades de investimentos que o governo entende que sejam prioritários. Exemplos incluem o Programa para a Construção de Armazens (PCA) e os investimentos em práticas sustentáveis voltadas à preservação do meio ambiente, como o uso de bioinsumos, cobertura verde no campo, tratamento de dejetos e ausência de passivos ambientais.
Embora os recursos direcionados ao Plano Safra têm aumentado significativamente nos últimos anos, eles crescem em taxas inferiores se comparados com a elevação do PIB do agronegócio no mesmo período. O gráfico a seguir revela o aumento deste “gap”, sobretudo a partir de 2020.
Como agravante, o descontrole das contas do governo e seu alto déficit público são fatores limitantes para o fomento da atividade agrícola, que requer custos financeiros com taxas reduzidas, haja vista que as margens de lucro no setor de commodities são bastante apertadas.
O gráfico a seguir apresenta que o crescimento dos volumes de financiamentos do Plano Safra tem se baseado sobretudo na expansão dos recursos livres, sem subsídios do governo federal. Diante da incapacidade do Estado de subvencionar o agronegócio, sobretudo aos médios e grandes produtores, estes cada vez mais buscam alternativas de financiamento no mercado de crédito privado para atender às suas necessidades de caixa e manter a operação de seu negócio.
Com a escassez de recursos do governo, os subsídios nas taxas de juros que são repassados às instituições financeiras credenciadas, também denominados de ¨equalização de juros¨, estão sendo direcionados principalmente para a agricultura familiar que, a partir dos anos safra 2021-2022 passou a receber mais recursos do que o plano de agricultura empresarial, como pode ser visto no gráfico abaixo. Estes recursos, no Plano Safra 2023-2024, representavam um total de R$ 13,6 bilhões, o que equivalia a apenas 3% do total dos recursos disponibilizados pelo Plano Safra. Com isto, a estratégia do atual governo tem sido focar em atender um maior número de pequenos produtores, que captam recursos em volumes menores comparados aos médios produtores.
Além dos recursos públicos destinados aos subsídios nas taxas de juros para pequenos e médios produtores, um montante um pouco superior a R$ 1 bilhão é utilizado para o Programa de Subvenção ao Seguro Rural (PSR). Este programa oferece cobertura para possíveis perdas de safras decorrentes de condições climáticas adversas, possibilitando ao produtor minimizar suas perdas ao recuperar o capital investido na sua lavoura. O gráfico a seguir apresenta a evolução dos recursos do PSR ao longo dos últimos anos.
Como se pode ser observado no gráfico, na 2ª. metade da década passada, entre 2015 e 2019, a forte crise econômica por que passou o Brasil levou a um grande contingenciamento destes recursos, que ficaram ¨estacionados¨ na ordem dos R$ 500 milhões por ano. A partir de 2020, estes recursos praticamente dobraram, mas estão em R$ 1 bilhão há cinco anos, o que é muito pouco se comparado aos investimentos em custeio da Agricultura Empresarial, que somavam R$ 272 bilhões, representando apenas 0,4% deste total.
Diante da incapacidade do Estado em subsidiar a cadeia do agronegócio no Brasil, como consequência vemos um forte crescimento das operações de crédito no mercado de capitais, o que fica bastante evidenciado nas estatísticas dos aumentos das operações de CRA e, mais recentemente pelos Fiagros, este criado em 2021, a partir da Lei 14.130.
Em suma, o agronegócio brasileiro enfrenta o desafio de financiar sua expansão diante das limitações dos recursos públicos e das elevadas taxas de juros. Embora o Plano Safra desempenhe um papel crucial no apoio aos pequenos e médios produtores, a insuficiência de subsídios para os médios e grandes produtores os força cada vez mais a buscar alternativas de financiamento no mercado privado. A crescente adoção de tecnologias avançadas e práticas sustentáveis exige uma resposta adequada em termos de financiamento, para que o setor possa continuar sua trajetória de crescimento e contribuir significativamente para a economia nacional. Assim, é imperativo que se explorem novas fontes de crédito e se implementem políticas mais eficazes para sustentar o desenvolvimento do agronegócio brasileiro a longo prazo.
Referências e leituras indicadas:
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS ENTIDADES DOS MERCADOS FINANCEIRO E DE CAPITAIS (ANBIMA). Portal Anbima – Mercado de Capitais. Acesso em: 28 nov. 2024.
BANCO CENTRAL DO BRASIL. MCR – Manual de Crédito Rural. Acesso em: 28 nov. 2024.
BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Plano Safra 2023/2024 incentiva sustentabilidade e conta com 13 programas para investimentos. Acesso em: 28 nov. 2024.
CÂMARA DOS DEPUTADOS. Equalização de taxas de juros. Acesso em: 28 nov. 2024.
BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Programa de Seguro Rural. Acesso em: 28 nov. 2024.
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GLOSSÁRIO
É o sistema integrado de produção de alimentos, bebidas, fibras, bioenergia e demais bens oriundos de produtos agropecuários. Trata-se de um complexo de cadeias agroindustriais, definidas como uma sequência que percorre insumos, a produção agropecuária, a indústria de processamento e os serviços (distribuição).
É importante não confundir agronegócio com agropecuária ao se avaliar números. Agronegócio compreende o setor como um todo e a agropecuária é um segmento dentro do agronegócio, com os demais segmentos à montante e à jusante.
Medida quantitativa que representa o valor total de todos os bens e serviços finais produzidos dentro do território de um país em um determinado período de tempo, geralmente anualmente. É um indicador-chave da saúde econômica de um país e é amplamente utilizado para comparar o desempenho econômico entre diferentes nações.
Ocorre quando um governo gasta mais dinheiro do que arrecada em receitas, resultando em um saldo negativo no orçamento público. Em outras palavras, o governo está gastando mais dinheiro do que está gerando em impostos e outras fontes de receita. Quando isso acontece, o governo emite títulos para captar recursos e poder cobrir a diferença entre suas despesas e suas receitas, aumentando assim o endividamento público.
Ocorre quando os juros a serem pagos pelos tomadores de empréstimos estão abaixo das taxas de mercado, por conta de políticas públicas governamentais de incentivo, no caso, para o agronegócio. Para que a instituição financeira que fez o empréstimo não tenha prejuízo com os financiamentos concedidos, o Tesouro (Governo) cobre a diferença de juros repassando os recursos aos bancos financiadores.
Incentivo financeiro fornecido pelo governo ou por outras instituições financeiras a determinados setores da economia ou grupos específicos, reduzindo as taxas de juros que esses setores ou grupos precisam pagar ao tomar empréstimos.
São produtos derivados de materiais biológicos, como microorganismos, extratos vegetais, substâncias orgânicas ou minerais, que são utilizados na agricultura para melhorar a fertilidade do solo, promover o crescimento das plantas, controlar pragas e doenças de forma sustentável. Eles são uma alternativa aos insumos químicos tradicionais, como pesticidas e fertilizantes sintéticos.
Segmento do mercado financeiro onde são negociados instrumentos financeiros de longo prazo, como ações, títulos de dívida, debêntures e outros ativos financeiros como CRA e Fiagros.
Certificado de Recebíveis do Agronegócio. É um título de renda fixa emitido por securitizadoras, lastreado em recebíveis do agronegócio. É uma forma de captação de recursos para o setor agropecuário, permitindo que empresas do setor convertam suas vendas a prazo em recursos financeiros imediatos, ao venderem esses recebíveis para securitizadoras, que, por sua vez, emitem os CRAs no mercado de capitais.
Fundo que investe nas cadeias produtivas da agroindústria. Os valores que são aportados pelos investidores nesses fundos são utilizados para adquirir ativos relacionados ao agronegócio, como recebíveis, imóveis rurais e participações societárias em empresas do segmento. A Lei 14.130: lei que institui os Fiagros – Fundos de Investimentos nas Cadeias Produtivas Agroindustriais
É uma iniciativa do governo brasileiro que oferece financiamento através de linhas de crédito específicas para a construção, ampliação, modernização e reforma de armazéns. Destina-se a projetos para armazenamento de grãos, frutas, tubérculos, hortaliças, fibras e açúcar. Os financiamentos podem cobrir até 100% dos itens financiáveis, com prazos de até 10 anos e carência de até 2 anos, e possuem taxas de juros prefixadas, variando de 7% a 8,5% ao ano.
Oferece financiamento para custeio e investimentos a médios produtores rurais. Destina-se a produtores que obtenham, no mínimo, 80% de sua renda bruta anual da atividade agropecuária ou extrativa vegetal e que possuam renda bruta anual de até R$ 3 milhões. Financia itens como construção, reforma, aquisição de equipamentos, formação de lavouras e pastagens, e práticas conservacionistas. O Pronamp tem prazos de até 8 anos para investimentos e até 24 meses para custeio.
Oferece financiamento destinado a custeio e investimentos para produtores rurais familiares. Focado na implantação, ampliação e modernização das atividades agrícolas, o Pronaf abrange áreas como produção, beneficiamento, industrialização e serviços no meio rural. Este programa visa melhorar a renda e a produtividade dos agricultores familiares, promovendo o desenvolvimento sustentável no campo. O Pronaf inclui várias linhas de crédito, como Pronaf Custeio, Pronaf Agroindústria, Pronaf Mulher, Pronaf Agroecologia, entre outras, cada uma com finalidades específicas para apoiar diferentes aspectos da agricultura familiar.
Subsidia parte do custo do seguro rural, tornando-o mais acessível aos produtores. Este programa cobre diversos riscos climáticos que podem afetar a produção agrícola, como seca, excesso de chuva, granizo, geada e ventos fortes. O objetivo é garantir a continuidade da produção agrícola, protegendo o capital investido e proporcionando estabilidade financeira ao produtor rural em caso de adversidades climáticas.
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