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BIOENERGIA E BIOECONOMIA

O que é o RenovaBio e qual sua importância no processo de descarbonização?

22/09/23 - Leandro Gilio

Baixo Carbono | Bioenergia | Política

O que é o RenovaBio e qual sua importância no processo de descarbonização?

A Política Nacional de Biocombustíveis é um importante instrumento para redução das emissões e visa valorizar as externalidades positivas associadas ao uso de biocombustíveis.

A emergência da economia de baixo carbono e a crescente demanda mundial por fontes de energia renováveis fez os biocombustíveis serem vistos como alternativa viável aos combustíveis fósseis. Em termos de distribuição, abrangência e adesão por parte dos consumidores, o caso brasileiro ainda é único no mundo. Isso se deve, principalmente, à experiência e a eficiência do país na produção de cana-de-açúcar e de etanol combustível em larga escala, que vem desde a década de 1970.

Mudanças de objetivos das políticas brasileiras de incentivos ao longo do tempo fizeram com que atividade dessa indústria passasse por grandes transformações. Nesse processo destacam-se o Proálcool (Programa Nacional do Álcool) e a introdução no mercado de automóveis movidos 100% a etanol hidratado (E100) em 1975. Também o período imediato pós-década de 90, quando se iniciou uma fase de grande desenvolvimento, em que ocorreram, principalmente, a cessação da intervenção governamental direta no setor e o advento dos veículos bicombustíveis em 2003 (chamados de flexfuel).

Ao longo dessa sua história, o setor passou por períodos de crescimento e crise e até a década de 2010 ainda se verificava uma menor atratividade do uso de biocombustíveis pelo consumidor. Isso se deu devido à competição por preços em relação a gasolina e outros combustíveis fósseis – o que fez com que os biocombustíveis sempre estivessem em um nível sub-ótimo de utilização.

O uso de etanol em motores a combustão é uma alternativa simples no sentido de contribuir para a redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE) e é uma ferramenta poderosa do País no atendimento de suas metas climáticas. No entanto, a história brasileira atesta que, para ampliar o uso, a produção e a eficiência do etanol, são necessários investimentos e formação de uma estrutura institucional estáve longo prazo.

É nesse contexto que surgiu em 2017, no Brasil, a Política Nacional de Biocombustíveis, também conhecida como RenovaBio, instituída após um amplo período de discussão envolvendo agentes públicos e privados do setor. Trata-se de uma política que instituiu uma estrutura ampla e complexa de reconhecimento das externalidades positivas do biocombustível, que tem como objetivos declarados:

i. Estimular a redução das emissões de GEE no segmento de transportes, contribuindo para a consecução dos compromissos assumidos pelo Brasil no Acordo de Paris;
ii. Induzir ganhos de eficiência econômica e ambiental na produção de biocombustíveis;
iii. Definir regras para a expansão da oferta de energia limpa, substituindo os derivados de petróleo sem, contudo, impactar a capacidade de refino já instalada no País;
iv. Reconhecer e valorizar as externalidades positivas associadas aos biocombustíveis - tanto aqueles já comercializados em escala comercial no Brasil (notadamente, o etanol) quanto aqueles oriundos de rotas em desenvolvimento (como o biogás e o bioquerosene de aviação, por exemplo).

O RenovaBio buscou, principalmente, introduzir um mecanismo que atribui valor econômico à redução das emissões de GEE promovida pelos biocombustíveis, sem definir metas volumétricas, alterar mandatos existentes, delimitar qualquer mercado cativo ou fixar algum tipo de subsídio. Ou seja, buscou-se por um programa bastante diferente das intervenções baseadas no mandato estatal ocorridas anteriormente, como o Proálcool que mostrou-se insustentável com o passar dos anos devido ao alto custo e a grande necessidade de planejamento e governança.

Para tanto, o programa fundamenta-se em três pilares principais. O primeiro deles refere-se à proposição de meta decenal de descarbonização para o setor de transporte do Brasil. Esse instrumento visa definir o limite máximo anual de intensidade de carbono (IC) para a matriz brasileira de combustíveis. Para atender esse limite, é necessário ampliar a participação dos biocombustíveis ou produzi-los com menor nível de emissões de GEE.

O segundo pilar do RenovaBio trata do mecanismo de valoração do carbono que deixou de ser emitido no processo de substituição da energia fóssil pela renovável. Essa valoração é dada pela comercialização do certificado de redução de emissões denominado Crédito de Descarbonização (CBIO), o qual é gerado quando da venda do biocombustível pelo produtor ou importador. O arcabouço regulatório do p rograma prevê a compra deste certificado pelos distribuidores de combustíveis para o cumprimento de suas metas anuais de descarbonização. O preço do CBIO, por sua vez, deriva das condições de mercado, com ajustes realizados por meio da sua comercialização em mercado organizado.

Esta dinâmica visa corrigir uma falha importante de mercado que caracteriza o uso de energias renováveis e o etanol no Brasil: a presença de externalidades que resultam em um nível sub-ótimo de produção e consumo dos biocombustíveis e um superinvestimento em fontes fósseis. Em essência, segundo o mecanismo proposto pelo RenovaBio, o que era uma externalidade positiva passa a ser um retorno econômico ao produtor de biocombustível; o que era externalidade negativa, por outro lado, se torna um custo privado adicional aos fósseis.

O terceiro e último pilar do programa estabelece um vínculo entre a eficiência energético-ambiental da produção e a receita que pode ser auferida pelo produtor de biocombustível com a venda de CBIOs. Ao quantificar as emissões de acordo com as características de cada produtor, o RenovaBio reconhece as diferentes etapas dos processos produtivo e de comercialização, de forma que quanto mais eficiente - i sto é, quanto maior a sua capacidade em gerar energia limpa emitindo menos GEE, maior a quantidade de CBIOs gerada.

Um exemplo desse último caso ocorre com os produtores que conseguem reduzir o consumo de diesel ao longo da cadeia de produção do etanol. Estes acabam recebendo uma maior Nota de Eficiência Energético-Ambiental (NEEA) e, portanto, estão aptos a gerar mais CBIOs para o mesmo volume de biocombustível comercializado. Essa sistemática visa valorizar ganhos de eficiência na produção, induzindo investimentos em novas práticas e produtos redutores de emissões. Esses ganhos de eficiência, por sua vez, poderão ser transferidos ao consumidor final por meio da concorrência entre os diferentes combustíveis fósseis e renováveis.

Embora a adesão ao RenovaBio pelo produtor ou importador de biocombustível seja voluntária, a sua efetivação – o direito de emitir CBIOs – exige que o produtor submeta o seu processo produtivo à certificação e auditorias.

Na data de publicação deste artigo, 312 unidades produtoras estavam certificadas no RenovaBio e havia outras em processo de certificação. No caso do etanol, as unidades certificadas correspondem a cerca de 90% da produção brasileira. Já no caso do biodiesel, as unidades ce rtificadas respondem por cerca de 75% da produção nacional . Esses números demonstram que ainda há potencial para ampliar a oferta de CBIOs principalmente para outros biocombustíveis que não sejam o etanol.

 

Referências e leituras indicadas:
Esse texto foi baseado em:
RODRIGUES, L. ; GILIO, L. . Brazilian Biofuel Governance: The Case of Brazilian Ethanol and RenovaBio. In: Niels Søndergaard; Camila Dias de Sá; Ana Flávia Barros-Platiau. (Org.). Sustainability Challenges of Brazilian Agriculture. 1ed.: Springer, Cham, v. 64, p. 315-337, 2023.

Recomendação de leitura:
RODRIGUES, L. A consolidação da bioenergia como instrumento de descarbonização. Agroanalysis. v. 40 n. 9. 2020.

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GLOSSÁRIO

Intensidade de carbono (IC):

Trata-se da emissão de GEE computada ao longo do ciclo de vida do combustível, por unidade de energia (gramas de dióxido de carbono equivalente por Megajoule - gCO2eq/MJ, por exemplo).

Crédito de descarbonização (CBIO):

É um instrumento dentro da Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio). São certificados de redução de emissões, denominado Crédito de Descarbonização (CBIO), que são gerados na venda do biocombustível pelo produtor ou importador. Trata-se do mecanismo de valoração do carbono que deixou de ser emitido no processo de substituição da energia fóssil pela renovável. Os CBIOs são inspirados nos “Renewable Identification Number”, os RINs norte-americanos geridos pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA), que são negociados como Q-Rins.

Etanol hidratado:

Trata-se do etanol comumente encontrado em postos de combustíveis para uso direto no Brasil. Sua composição é cerca de 95% etanol “puro” e o restante água, por isso é chamado de hidratado. Além desse, existe o etanol anidro, que é misturado à gasolina comum.

Externalidades:

Trata-se de efeitos que surgem à medida que uma ação ou atividade provoca ou produz impacto de bem-estar em um terceiro que não participa da ação diretamente. Esse impacto pode ser positivo (externalidade positiva) ou negativo (externalidade negativa). Em geral, as externalidades não são remuneradas (no caso positivo) ou taxadas (no caso negativo), o que implica em níveis sub-ótimos. Por exemplo: o uso de etanol combustível produz como externalidade positiva a redução das emissões de dióxido de carbono nos transportes – é considerado nesse caso uma externalidade pois vai além dos agentes diretamente relacionados na atividade ou uso.

Biogás:

Biocombustível produzido a partir do gás gerado da decomposição de materiais orgânicos.

Bioquerosene de aviação (bioQAV) ou combustíveis sustentáveis de aviação (SAF):

Trata-se de combustíveis de aviação oriundos de recursos renováveis, como o etanol de cana, por exemplo. Internacionalmente essa classe de biocombustíveis são conhecidas pela sigla SAF, do inglês sustainable aviation fuels.

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