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CLIMA E MEIO AMBIENTE

Os acordos ambientais voluntários são eficientes no combate ao desmatamento?

31/10/23 - Bruno Varella Miranda | Gustavo Magalhães de Oliveira

Meio Ambiente | Uso da Terra

Os acordos ambientais voluntários são eficientes no combate ao desmatamento?

Custos elevados, poucos incentivos e a limitada capacidade de monitoramento de processos voluntários podem inviabilizar resultados positivos.

Uma política ambiental é geralmente caracterizada pela coexistência entre diversos conjuntos de regras, criadas por agentes públicos ou privados. Ações voluntárias têm se tornado cada vez mais comuns no setor privado, permitindo que empresas diretamente envolvidas com problemas ambientais busquem por soluções e regras próprias para atingir objetivos de forma mais rápida e flexível.

No entanto, o monitoramento de regras ambientais públicas ou privadas é geralmente imperfeito. Afinal, os custos de monitoramento são necessariamente maiores que zero, recaem apenas sobre determinados agentes no processo e os benefícios advindos de um maior investimento nessa área ou são publicamente compartilhados por todos ou apresentam limitado retorno financeiro no curto prazo.

A habilidade de fiscalização e monitoramento varia conforme o nível de competência da entidade responsável por verificar o cumprimento de regras ou as características da política a ser monitorada. Quando os custos são elevados, há uma maior limitação na realização de um monitoramento adequado para uma avaliação precisa do cumprimento de uma regra, os instrumentos regulatórios podem levar a resultados inesperados – e, por vezes, até contrários aos que a regulação busca atingir.

Miranda e Oliveira (2023) avaliaram como a coexistência de acordos voluntários e políticas públicas em um cenário de altos custos de monitoramento impacta as taxas de desmatamento na Amazônia brasileira por meio do caso dos Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) na cadeia de fornecimento da bovinocultura.

Os TACs são acordos voluntários concebidos em 2009 para incentivar as empresas frigoríficas a monitorar as práticas ambientais dos pecuaristas que estão localizados na região da Amazônia brasileira. Ao assinar um TAC, a empresa que atua na atividade sinaliza ao mercado que está adquirindo carne de propriedades sem passivos ambientais – decisão que poderia sugerir um “bom comportamento” ambiental por parte de todos os pecuaristas ligados a ela.

São muitos os benefícios potenciais que uma empresa pode obter com a assinatura de um TAC. O principal deles seria a maior facilidade para obter recursos financeiros. Contudo, a existência de elevados custos de monitoramento na Amazônia brasileira implica que a fiscalização é geralmente imperfeita. Logo, esses problemas de monitoramento podem contribuir com o comportamento oportunista de parte dos pecuaristas que atuam na região, que conseguiriam obter financiamento facilitado junto aos bancos mesmo não cumprindo com exigências ambientais. O resultado seria, então, um aumento inesperado das taxas de desmatamento ilegal na região. 

Os resultados do estudo desenvolvido por Miranda e Oliveira (2023) trazem a evidência de que houve um aumento no desmatamento concomitantemente ao maior fornecimento de crédito rural em municípios onde uma empresa frigorífica assinou um TAC, no período entre 2006 e 2017. Vale ressaltar que a análise se baseou em um período anterior à implementação mais robusta das auditorias de conformidade com o TAC, o que destaca a importância do papel que a fiscalização recorrente pode desempenhar. Neste sentido, tais resultados trazem uma mensagem simples, porém impactante: em um cenário de altos custos de monitoramento, os acordos voluntários podem apresentar vulnerabilidades que permitem ações oportunistas. 

No entanto, essa mensagem não deve nos levar a concluir que os acordos TAC, ou compromissos voluntários em geral, estão destinados ao fracasso. Afinal, compromissos voluntários muitas vezes emergem porque são a única alternativa viável em um mundo caracterizado por custos de monitoramento positivos. Ao tentar contornar as limitações enfrentadas pelo Estado para fiscalizar o cumprimento das leis ambientais na Amazônia, a política dos acordos TAC pode oferecer uma solução organizacional viável (e criativa) para um problema complexo, quando bem executadas e monitoradas. 

Esse resultado também sugere que o problema de desmatamento na Amazônia brasileira deriva mais da falta de incentivos e recursos para a mudança de comportamento do que de limitações na tecnologia disponível. Essa conclusão é particularmente válida quando se observa a dimensão distributiva dos acordos TAC: em um mundo caracterizado pela existência de custos de monitoramento positivos, alguém deve pagar o preço da fiscalização. 

Um exemplo ilustra a natureza do desafio: recentemente, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) anunciou que, a partir de 2025, os frigoríficos só poderão obter empréstimos se comprovarem que suas compras provêm de propriedades livres de desmatamento ilegal. Representantes da indústria de carne reagiram prontamente, demandando padrões mais rigorosos por parte dos bancos em relação aos pecuaristas. Especificamente, a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (ABIEC) expressou preocupações de que os bancos brasileiros estariam "terceirizando" a responsabilidade de monitorar o comportamento de seus clientes para os frigoríficos. 

Para aumentar a eficácia dos compromissos voluntários, fazendas e empresas precisam abordar as questões distributivas decorrentes da crescente demanda por monitoramento das práticas de produção na cadeia de suprimentos de carne bovina brasileira. Em outras palavras, será necessário discutir como dividir os custos do monitoramento. Isso destaca a importância da colaboração entre os diferentes atores na cadeia agroindustrial.

 

Referência:

Esse texto foi baseado no artigo completo:
Miranda, B. V., & Oliveira, G. M. (2023). Assessing the performance of voluntary environmental agreements under high monitoring costs: Evidence from the Brazilian Amazon. Ecological Economics, 214, 107982.

Bruno Varella Miranda é Professor Assistente no Insper. Ele possui um doutorado em Economia Agrícola – certificado em Análise Institucional e Organizacional –  pela Universidade de Missouri-Columbia (Estados Unidos). Bruno também possui um mestrado em Administração e um bacharelado em Relações Internacionais pela Universidade de São Paulo. 

Gustavo Magalhães de Oliveira é pesquisador no Institute for Food and Resource Economics (ILR) da Universidade de Bonn (Alemanha), onde trabalha no projeto CLEVER. Ele possui um doutorado em Administração pela Universidade de São Paulo. Durante o seu doutorado, Gustavo trabalhou como pesquisador visitante na Universidade de Perugia (Itália).  

 

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GLOSSÁRIO

Termo de ajustamento de conduta (TAC):

O Termo de Ajustamento de Conduta é um instrumento utilizado na administração pública brasileira com a finalidade de promover a adequação de condutas tidas como irregulares pela legislação ou contrárias ao interesse público. Celebrado com o violador de determinado direito coletivo, este acordo tem a finalidade de impedir a continuidade da situação de ilegalidade, reparar o dano ao direito coletivo e evitar a ação judicial.

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