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CLIMA E MEIO AMBIENTE

Pagamento por Serviços Ambientais. Por que é importante ter uma política nacional?

30/01/24 - Erika de Paula Pedro Pinto

Baixo Carbono | Meio Ambiente | Política | Segurança Alimentar | Uso da Terra

Pagamento por Serviços Ambientais. Por que é importante ter uma política nacional?

Wenderson Araujo/Trilux - Sistema CNA/Senar

Instrumento tem potencial de promover a conciliação entre produção agrícola e conservação ambiental.

A relação entre equilíbrio climático, manutenção da qualidade ambiental e capacidade de produção de alimentos é cada vez mais evidente. Os eventos climáticos extremos têm levado a perdas de safras que oferecem riscos à segurança alimentar. Estimativas da FAO apontam prejuízo no setor agropecuário global de US$ 123 bilhões ao ano entre 1991 e 2021 causado por desastres diversos1. Por outro lado, a cada dólar investido em medidas preventivas, as famílias rurais poderiam obter até sete dólares de retorno em benefícios e perdas agrícolas evitadas [1]. 

Promover a restauração de áreas degradadas, frear o desmatamento, combater as queimadas, conservar a biodiversidade, as nascentes e a qualidade dos solos e adotar práticas de manejo de baixo impacto são exemplos de ações capazes de gerar inúmeros benefícios ambientais e aumentar a resiliência dos sistemas produtivos. Ao mesmo tempo, os benefícios gerados são aqueles que contribuem para o equilíbrio do clima e dos ciclos hidrológicos, para o controle de pragas e doenças e para a diminuição do risco de erosão e do assoreamento dos rios, entre outros. 

Nos ecossistemas não explorados pela ação humana, estes benefícios são gerados naturalmente e são conhecidos como serviços ecossistêmicos. A segurança alimentar, hídrica, energética e de renda dependem da manutenção de serviços ecossistêmicos [2]. Então, considerando que apesar do seu valor intrínseco, os “serviços ecossistêmicos” vêm sendo explorados de forma predatória, o incentivo econômico que estimula a sua recuperação ou manutenção é uma estratégia fundamental. Assim, quando há uma atividade humana que promove tais benefícios, temos a geração de “serviços ambientais”. Em outras palavras, quando um indivíduo ou grupo investe esforços na recuperação e/ou manutenção da qualidade do meio ambiente colabora para a geração desses serviços.

Incentivos econômicos como o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) visam, portanto, uma mudança de comportamento para a manutenção ou recuperação dos serviços ecossistêmicos tratados até então como bens gratuitos [3]. Através do PSA é possível recompensar, por exemplo, um agricultor por proteger a sua vegetação nativa ou por recuperar áreas degradadas [4].

Neste contexto, a instituição de uma política pública para orientar tais esforços, criar diretrizes claras, assegurar a repartição justa de benefícios visando a inclusão de populações vulneráveis e proporcionar um ambiente jurídico seguro para atrair investimentos é fundamental. Há disponível um grande volume de recursos que poderiam ser canalizados para iniciativas que incentivam economicamente a provisão de serviços ambientais. O Acordo de Paris, por exemplo, tem o apoio de grandes investidores globais que demandam ação imediata para conter a mudança climática global e cujos ativos estão na casa de dezenas de trilhões de dólares [5]. 

No Brasil, é estimado que cerca de 80% dos créditos de carbono que podem ser gerados até 2030 estariam ligados a projetos de restauração florestal em áreas de pastagem degradadas. Tais projetos são capazes de remover carbono da atmosfera além de gerarem outros benefícios relacionados à sociobiodiversidade, segurança hídrica, etc. [6]. Indo além, a partir da meta de restauração florestal do Brasil de 12 milhões de hectares, estima-se a geração de 1 a 2,5 milhões de empregos diretos [7]. Todo este potencial torna ainda mais estratégico um marco legal para o PSA no país. 

O primeiro projeto de Lei visando a instituição de uma Política Nacional de PSA surgiu em 2007. Naquela ocasião, os movimentos sociais da Amazônia demandavam políticas públicas para melhorar as condições de vida no campo, assim como incentivos para o uso e manejo adequado dos recursos naturais com melhor aproveitamento econômico e baixo risco de degradação ambiental [8]. Foi neste contexto que surgiu inicialmente o Programa de Desenvolvimento Socioambiental da Produção Familiar Rural (ProAmbiente) que se tornou política federal em 2004. O ProAmbiente previa o PSA como uma das estratégias capazes de impulsionar o desenvolvimento socioambiental sustentável na região. A necessidade de criar um arcabouço jurídico levou à elaboração do primeiro projeto de lei (PL nº792/2007) visando a instituição de uma Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (PNPSA). 

A PNPSA foi instituída somente em 2021 pela Lei nº 14.119 contemplando aspectos fundamentais para estimular uma agricultura orientada para a sustentabilidade, tais como:

  • Ambiente jurídico seguro
  • Reconhecimento do papel do agente privado para execução e financiamento de projetos, indução de mercados voluntários e contabilização dos serviços ecossistêmicos nas cadeias produtivas vinculadas aos seus negócios;
  • Priorização e reconhecimento dos povos indígenas, comunidades tradicionais e agricultores familiares na promoção do desenvolvimento sustentável nos seus territórios e na conservação do meio ambiente; 
  • Criação de um Programa Federal de PSA que visa promover, entre outras ações, o manejo sustentável de sistemas agrícolas, agroflorestais e agrossilvopastoris, assim como a recuperação de áreas degradadas, contribuindo para a captura e retenção de carbono, a conservação do solo, da água e da biodiversidade;
  • Instituição de um Cadastro Nacional de PSA para o registro de iniciativas públicas e privadas, assegurando a transparência de informações e com previsão de integração de dados nos diferentes níveis (federal, estadual e municipal);
  • Reconhecimento das Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs) como áreas elegíveis para a provisão de serviços ambientais;
  • Alinhamento com a Lei de Proteção da Vegetação Nativa (nº 12.651/12) no que diz respeito à oportunidade de uso de recursos públicos para compensar esforços de provisão de serviços ambientais em Áreas de Preservação Permanente e Reservas Legais.

Vale notar que a agenda de PSA tem avançado nas últimas décadas no nível subnacional, independente da lei federal. Porém, após a aprovação da PNPSA, normativas sobre o tema foram elaboradas ou instituídas nos estados do Maranhão, Minas Gerais, Pará, Rio Grande do Sul, Roraima, São Paulo e Tocantins. Além das iniciativas municipais ainda pouco mapeadas.

 No entanto, a legislação federal brasileira de PSA ainda carece de regulamentação, cuja responsabilidade é da Secretaria de Bioeconomia do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA). Considerando a grande lacuna de financiamento existente no país, especialmente voltado ao público prioritário da PNPSA, e a vulnerabilidade dos sistemas produtivos aos efeitos das alterações no clima, é fundamental que o programa federal de PSA seja efetivamente instituído e que estratégias para alavancar recursos públicos e privados sejam viabilizadas. 

1  As estimativas consideram as seguintes categorias de desastres: tempestade, inundação, seca, temperatura extrema, infestação de insetos, incêndios florestais, terremoto, deslizamento de terra e atividade vulcânica.

 

Referências e Leituras recomendadas

[1] FAO. The impact of disasters on agriculture and food security: avoiding and reducing losses through investment in resilience. Food and Agriculture Organization of the United Nations -Rome, 2023.

[2] Joly, C. A.; Scarano, F.; Seixas, C. S.; Metzger, J. P.; Ometto, J. P.; Bustamante, M. M. C. ... e Toledo, P. 1º Diagnóstico Brasileiro de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos. São Carlos: Editora Cubo, 2019, 351p.

[3] Sant’anna, A. C.; Nogueira, J. M. Economic Valuation of Environmental Services: Increasing the Effectiveness of PES Schemes in Developing Countries? Journal of Agricultural Science and Technology, v. 2, p. 1048–1057, 2012.

[4] Eloy, L.; Coudel, E. & Toni, F. Implementando Pagamento por Serviços Ambientais no Brasil: caminhos para uma reflexão crítica. Sustentabilidade em Debate, Brasília, vol. 4, n.1, jul/dez 2013, 21-42pp.

[5] Gramkow, C. O. Big Push Ambiental no Brasil. São Paulo, FES, 2019, 31p.

[6] McKinsey & Company. Mercado voluntário de carbono tem potencial gigantesco no Brasil. McKinsey, 14 de setembro de 2022.[8] Brancalion, P. H., de Siqueira, L. P., Amazonas, N. T., Rizek, M. B., Mendes, A. F., Santiami, E. L., ... & Chaves, R. B. (2022). Ecosystem restoration job creation potential in Brazil. People and Nature, 4(6), 1426-1434. 

[7] Brancalion, P. H., de Siqueira, L. P., Amazonas, N. T., Rizek, M. B., Mendes, A. F., Santiami, E. L., ... & Chaves, R. B. (2022). Ecosystem restoration job creation potential in Brazil. People and Nature, 4(6), 1426-1434. 

[8] FVPP – Fundação Viver, Produzir e Preservar. 2006. A história do movimento pelo desenvolvimento da Transamazônica e Xingu. Brasília, DF; MMA (Ministério do Meio Ambiente).

CEPAL. Avaliações de Desempenho Ambiental: Brasil 2015. OCDE, 2016

OECD (2019), Biodiversity: Finance and the Economic and Business Case for Action. Report prepared for the G7 Environment Ministers’ Meeting, 5-6 May 2019.

Pinto, E. P. P., Stella O., Moutinho, P. Finanças Verdes: Cenário Brasileiro. CEBRI, 2014.

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GLOSSÁRIO

Área de preservação permanente (APP):

Área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, situadas ao longo de rios ou qualquer curso d’agua. Possuem a finalidade de preservar os recursos hídricos, a biodiversidade e paisagem, além de proteger o solo e garantir o bem-estar humano. 

Ecossistema:

Complexo dinâmico de comunidades vegetais, animais e de microrganismos e o seu meio inorgânico que interagem como uma unidade funcional.

Pagamento por serviços ambientais (PSA):

Transação de natureza voluntária, mediante a qual um pagador de serviços ambientais transfere a um provedor desses serviços recursos financeiros ou outra forma de remuneração, nas condições acertadas, respeitadas as disposições legais e regulamentares pertinentes.

Pagador de serviços ambientais:

Poder público, organização da sociedade civil ou agente privado, pessoa física ou jurídica, de âmbito nacional ou internacional, que provê o pagamento dos serviços ambientais.

Provedor de serviços ambientais:

Pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, ou grupo familiar ou comunitário que, preenchidos os critérios de elegibilidade, mantém, recupera ou melhora as condições ambientais dos ecossistemas.

Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN):

Conforme Decreto 1.922, de 5 de junho de 1996, é uma área de domínio privado especialmente protegida, por iniciativa de seu proprietário, mediante reconhecimento do Poder Público, por ser considerada de relevante importância pela sua biodiversidade, ou pelo seu aspecto paisagístico, ou ainda por suas características ambientais que justifiquem ações de recuperação.

Serviços ecossistêmicos:

São as contribuições diretas e indiretas dos ecossistemas à economia e ao bem-estar humano, isto é, benefícios da natureza para a população. São classificados em quatro categorias:
1) Serviços de provisão (fornecimento de bens para o consumo humano);
2) Serviços culturais (turismo, recreação, educação, apreciação estética da paisagem, etc.);
3) Serviços de suporte (formação do solo, ciclagem de nutrientes, produção primária, etc.);
4) Serviços de regulação (são as regulações dos processos dos ecossistemas, tais como regulação da água, do clima, de enfermidades, etc.). 

Serviços ambientais:

Atividades individuais ou coletivas que favorecem a manutenção, a recuperação ou a melhoria dos serviços ecossistêmicos.

Sistema Agrossilvopastoril:

Formado por elementos agrícolas, florestais e atividades de pecuária, realizadas a partir do plantio de árvores na pastagem durante ou após o cultivo agrícola.

Sistema Agroflorestal:

Formas de uso e manejo do solo em que árvores ou arbustos são combinados, de maneira intencional e planejada, a cultivos agrícolas e/ou animais em uma mesma área, ao mesmo tempo (associação simultânea) ou em uma sequência de tempo (associação temporal), para diversificar a produção, ocupar a mão de obra, gerar renda, proteger o solo e a água, além de promover o envolvimento da população local.

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