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CLIMA E MEIO AMBIENTE

Como o Pagamento por Serviços Ambientais pode contribuir para a regularização ambiental de imóveis rurais?

25/10/23 - Erika de Paula Pedro Pinto

Baixo Carbono | Meio Ambiente | Política | Segurança Alimentar | Uso da Terra

Como o Pagamento por Serviços Ambientais pode contribuir para a regularização ambiental de imóveis rurais?

Estratégias para aumentar a resiliência dos sistemas produtivos e a integridade ambiental em um cenário de crise climática.

A regularização ambiental de imóveis rurais tem sido um desafio. O Brasil tem cerca de 20 milhões de hectares de vegetação que devem ser restauradas dentro dos imóveis rurais de acordo com o Observatório do Código Florestal (OCF, 2022). Diante da vulnerabilidade do setor agropecuário aos impactos das alterações climáticas, a regularização ambiental pode ser vista como uma estratégia de adaptação às mudanças climáticas, com potencial para reduzir riscos futuros de perdas de safras e garantir a segurança alimentar e hídrica. 

A capacidade do país continuar produzindo alimentos depende de um clima equilibrado. Pesquisadores estimam que o aquecimento e a estação seca na região Amazônia-Cerrado, responsável por metade da produção agrícola do país, já inviabilizaram 28% das terras agrícolas. Até 2060, este percentual pode chegar a 74% (Rattis et al., 2021). O sistema agrícola brasileiro depende de um clima estável para sustentar a sua produção (ANA, 2017). Neste sentido, a restauração de áreas degradadas, como pastagens, e a manutenção dos remanescentes florestais são estratégias a serem perseguidas.

O desenvolvimento econômico rural não pode mais estar desassociado dos esforços voltados à manutenção e/ou recuperação da integridade ambiental. Na Amazônia, pesquisadores estimam que um hectare de floresta desmatada corresponde à perda de até US$ 737 em serviços ecossistêmicos (Strand et al., 2018). Enquanto isso, o retorno da pecuária, principal vetor de desmatamento, gira em torno de 30 a 100 dólares por hectare ao ano na região (Nobre & Nobre, 2020). Apesar do seu valor intrínseco, incluindo sua biodiversidade e a existência de povos indígenas e tradicionais (Fearnside, 2021), a Amazônia já perdeu cerca de 20-25% da sua cobertura florestal. 

A Lei de Proteção da Vegetação Nativa (nº 12.651), ou Novo Código Florestal, foi instituída em 2012 visando estabelecer regras gerais para a proteção da vegetação, incluindo Áreas de Preservação Permanente (APP) e Reserva Legal (RL). Apesar de restringir a área da propriedade rural destinada à produção agropecuária, a lei também prevê instrumentos econômicos para o aumento da produtividade nas áreas já consolidadas e para a manutenção e/ou recuperação de serviços ecossistêmicos (Lopes et al., 2023). 

Para a regularização dos imóveis rurais com passivos ambientais, ou seja, com RL ou APP que devem ser recuperadas, a lei exige a adesão dos proprietários rurais ao Programa de Regularização Ambiental (PRA) por meio da apresentação ao órgão ambiental responsável de um Projeto de Recuperação de Áreas Degradadas e Alteradas (PRADA). No caso da vegetação de APP de cursos d´água, nascentes e lagos, a recuperação pode ser feita por meio de regeneração natural, plantio de espécies nativas ou combinação da regeneração natural com plantio de espécies nativas. Na Reserva Legal é também possível fazer a recomposição da vegetação usando sistemas agroflorestais (Lopes et al., 2023). 

Para estimular o cumprimento das regras, o Artigo 41 da Lei 12.651 prevê um programa de apoio e incentivo à conservação do meio ambiente, à adoção de tecnologias e boas práticas que conciliam a produtividade agropecuária e florestal, com redução dos impactos ambientais. Para este fim, a lei reconhece o Pagamento por Serviços Ambientais como uma retribuição, monetária ou não, às atividades de conservação e melhoria dos ecossistemas e que gerem serviços ambientais, tais como: 

a) o sequestro, a conservação, a manutenção e o aumento do estoque e a diminuição do fluxo de carbono;

b) a conservação da beleza cênica natural;

c) a conservação da biodiversidade;

d) a conservação das águas e dos serviços hídricos;

e) a regulação do clima;

f) a valorização cultural e do conhecimento tradicional ecossistêmico;

g) a conservação e o melhoramento do solo;

h) a manutenção de Áreas de Preservação Permanente, de Reserva Legal e de uso restrito.

O Pagamento por Serviços Ambientais também é reconhecido pela Lei 14.119/2021 que instituiu a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais. Apesar de na data de publicação deste artigo, ambas as normativas não terem sido regulamentadas, várias iniciativas têm sido implementadas no nível subnacional contribuindo para a regularização ambiental dos imóveis rurais e utilizando incentivos econômicos como o PSA para atingir suas metas. Vale citar:

  • Programa Reflorestar (ES) – iniciativa do governo do Espírito Santo que compensa por meio de recursos monetários e não monetários os esforços de conservação da vegetação nativa e de recuperação de áreas degradadas em propriedades rurais. Entre 2015 e 2019, o programa tinha estabelecido 3.795 contratos, correspondentes a uma área de 9.779 hectares em processo de recuperação. Cada contrato do Programa Reflorestar viabiliza, em média, a restauração de 2,5 hectares de floresta por propriedade rural, o que demanda um investimento de aproximadamente 20 mil reais (Rodrigues et al., 2019). 
  • Programa Conservador das Águas (PA) - inspirado no projeto Conservador das Águas de Extrema (MG), o município de Brasil Novo (PA) instituiu legislação visando promover ações de conservação e recuperação em propriedades rurais da Bacia do Rio Jaruçu. A preservação destas áreas ricas em nascentes e cursos d´água é fundamental para garantir o abastecimento público. Para isso, o município vinculou os recursos do ICMS Verde ao Fundo Municipal de Meio Ambiente e estimulou a regeneração das APPs por meio do pagamento por serviços ambientais aos proprietários dos imóveis rurais (Pinto et al., 2021). 

Vale destacar que o papel do ICMS Verde como um instrumento econômico da política ambiental ainda é pouco “explorado” no nível local. Ele exerce uma função compensatória ao ser repassado dos estados aos seus municípios de acordo com o seu desempenho em relação aos critérios ambientais estabelecidos no nível estadual. Porém, o estado não pode arbitrar sobre como o município vai aplicar o recurso. Então, para exercer o seu papel incentivador de mudanças, o ICMS Verde ao entrar nas contas do município precisa ser vinculado a um fundo específico e, preferencialmente, a um programa específico de pagamento por serviços ambientais como fez o município de Brasil Novo (Pinto et al., 2018).

Independente da fonte de recursos, é importante salientar que incentivos econômicos como o PSA não conseguem garantir a sustentabilidade dos resultados no longo prazo se implementados de forma isolada. É fundamental a integração do incentivo a outras políticas públicas e estratégias de desenvolvimento. Nos esforços para a regularização ambiental de imóveis rurais, os produtores que precisam restaurar suas áreas degradadas, por exemplo, precisam ter acesso também à orientação técnica e à tecnologia. Para dar escala às iniciativas, o fortalecimento do associativismo e do cooperativismo pode ser fundamental, reduzindo os custos da produção e facilitando o acesso ao mercado consumidor. Ainda, a geração de renda na área restaurada por meio do uso de espécies para fins econômicos é uma estratégia que deve ser considerada com a perspectiva de promover a melhoria da qualidade de vida das famílias.

No atual cenário de emergência climática, é prioritário viabilizar os investimentos necessários para a recuperação da vegetação nativa em larga escala e a adequação dos imóveis rurais à legislação ambiental brasileira. Investidores estão cada vez mais interessados em soluções baseadas na natureza. No nível global, é estimado que estes novos modelos de negócios poderiam gerar US$ 800 bilhões de receitas anuais até 2050 (Economics, 2020). 

Ainda, ao assumirem o protagonismo das mudanças que se fazem necessárias nos seus territórios, os(as) produtores(as) rurais ampliam suas oportunidades de negócios e de acesso à outros instrumentos econômicos. Ao se tornarem mais eficientes do ponto de vista ambiental, os produtores preparam os sistemas produtivos para as alterações no regime de chuvas e de temperatura que se intensificarão com a crise climática. Incentivos públicos e privados são cruciais para estimularem e coordenarem essa transição com a urgência necessária. 

 

Referências:

ANA - Agência Nacional de Águas. Atlas Irrigação: Uso da Água na Agricultura Irrigada.  2017.

Economics, V. 2020. An investor guide to negative emission technologies and the importance of land use. With assistance of Inevitable Policy Response.

Fearnside, P.M. 2021. The intrinsic value of Amazon biodiversity. Biodiversity and Conservation 30: 1199–1202.

Lopes, C. L., Machado L. e Chiavari J. Onde estamos na implementação do Código Florestal? Radiografia do CAR e do PRA nos estados brasileiros – Edição 2022. Rio de Janeiro: Climate Policy Initiative, 2023.

Nobre I. & Nobre C., 2020. Amazon 4.0: a third way for the Amazon. Futuribles Volume 434, Issue 1, 2020, pages 95 to 108.

OCF – Observatório do Código Florestal. 2022. Brasil tem 20 milhões de hectares de vegetação a ser restaurada dentro de imóveis rurais, estimam pesquisadores.

Pinto, E.; Braga, L.; Stabile, M.; Gomes, J. 2021. Incentivos econômicos para a adequação ambiental dos imóveis rurais dos estados amazônicos. Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia.

Pinto, E., Crisostomo, A. C., Souza, M.L., Azevedo, A., Pereira, D., E Antoun, C. O ICMS Verde como incentivo à conservação do meio ambiente em municípios paraenses. Boletim Amazônia em Pauta no 9. IPAM. Brasília, 2018

Rattis, L., Brando, P. M., Macedo, M. N., Spera, S. A., Castanho, A. D., Marques, E. Q., ... & Coe, M. T. (2021). Climatic limit for agriculture in Brazil. Nature Climate Change, 11(12), 1098-1104.

Rodrigues R.R.; Crouzeilles R.; Strassburg B.B.N. Capítulo 1: Apresentação. In Crouzeilles R., Rodrigues R.R., Strassburg B.B.N (eds.) (2019). BPBES/IIS: Relatório Temático sobre Restauração de Paisagens e Ecossistemas. Editora Cubo, São Carlos pp.77.

Strand J. et al. Spatially explicit valuation of the Brazilian Amazon forest´s ecosystem services. Nature Sustainability, London, v.1, p. 657-664, 208.

 

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GLOSSÁRIO

Área de preservação permanente (APP):

Área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, situadas ao longo de rios ou qualquer curso d’agua. Possuem a finalidade de preservar os recursos hídricos, a biodiversidade e paisagem, além de proteger o solo e garantir o bem-estar humano. 

Áreas consolidadas:

Área de imóvel rural com ocupação antrópica preexistente a 22 de julho de 2008.

Pagamento por serviços ambientais (PSA):

Transação de natureza voluntária, mediante a qual um pagador de serviços ambientais transfere a um provedor desses serviços recursos financeiros ou outra forma de remuneração, nas condições acertadas, respeitadas as disposições legais e regulamentares pertinentes.

Serviços ecossistêmicos:

São as contribuições diretas e indiretas dos ecossistemas à economia e ao bem-estar humano, isto é, benefícios da natureza para a população. São classificados em quatro categorias:
1) Serviços de provisão (fornecimento de bens para o consumo humano);
2) Serviços culturais (turismo, recreação, educação, apreciação estética da paisagem, etc.);
3) Serviços de suporte (formação do solo, ciclagem de nutrientes, produção primária, etc.);
4) Serviços de regulação (são as regulações dos processos dos ecossistemas, tais como regulação da água, do clima, de enfermidades, etc.). 

Reserva legal (RL):

Percentual de área com cobertura de vegetação nativa localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, no Brasil, com o objetivo de assegurar o uso econômico e sustentável dos recursos naturais. A partir do Novo Código Florestal, a porcentagem de RL em propriedades rurais ficou definida da seguinte maneira: I) 80% imóvel localizado em áreas de florestas na Amazônia Legal; II) 35% imóvel localizado no Cerrado; e III) 20% imóvel localizado em outros biomas e campos gerais. 

Serviços ambientais:

Atividades individuais ou coletivas que favorecem a manutenção, a recuperação ou a melhoria dos serviços ecossistêmicos.

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