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CLIMA E MEIO AMBIENTE

Efeito Poupa-Terra: produtividade é a chave para a sustentabilidade ambiental do agro brasileiro?

23/07/24 - Marcos Abdalla Campos | Paulo Henrique Carrer Ribeiro | Gabriela Mota da Cruz

Baixo Carbono | Meio Ambiente | Política | Segurança Alimentar | Tecnologia | Uso da Terra

Efeito Poupa-Terra: produtividade é a chave para a sustentabilidade ambiental do agro brasileiro?

Wenderson Araújo/Trilux | Sistema CNA/Senar

Aumento de produtividade incentiva a “poupança” e a diminuição da pressão sobre uso da terra no Brasil

Desde a década de 1960, o Brasil passou de importador de alimentos a uma das maiores potências agrícolas globais, exportando para mais de 200 países. Essa transformação se deve à expansão das áreas cultivadas (principalmente no Cerrado) e a relevantes avanços em produtividade. Especificamente, desde os anos 1980, o país tem se destacado pela expressiva melhoria na Produtividade Total dos Fatores (PTF) da agropecuária, que mede o quanto os recursos são efetivamente transformados em produtos agrícolas, refletindo um uso mais eficiente da terra, trabalho e capital.

 

Neste contexto, os avanços no setor agrícola brasileiro podem ser analisados sob a perspectiva do "efeito poupa-terra"1, um conceito que evidencia como a melhoria na eficiência das áreas cultivadas reduziu a necessidade de expandir as terras agrícolas. Este fenômeno reflete um aumento significativo na capacidade de produção sem a necessidade de converter mais ecossistemas naturais em campos de cultivo.

A estimativa do efeito poupa-terra é uma métrica que compara o uso da terra entre diferentes práticas agrícolas para ilustrar como a adoção de técnicas mais produtivas e eficientes pode reduzir a necessidade de expansão territorial. Especificamente, essa estimativa avalia a quantidade de terra que seria necessária se práticas agrícolas menos eficientes fossem utilizadas, em contraste com o espaço ocupado pela uso de métodos mais avançados e produtivos (consultar “Quadro” para maior detalhamento desta estimativa). Portanto, o efeito poupa-terra ressalta não apenas a melhoria na utilização dos recursos pela adoção de tecnologias e práticas agrícolas mais eficientes, mas também destaca a conservação de áreas naturais que poderiam ser transformadas em terras para agricultura.

Estimativas realizadas pelo Insper Agro Global, adotando a metodologia apresentada por Vieira-Filho (2018), mostraram que caso a tecnologia e o nível de produtividade de 1997 se mantivesse constante até 2022, seriam necessários mais 19 milhões de hectares com cultivos agrícolas para obter o volume de produção registrado – o equivalente ao dobro da área de Portugal. Ao longo deste intervalo temporal, o Brasil registrou consecutivos recordes de produção de grãos e destacou-se nas exportações, se tornando o líder mundial em diversas commodities importantes; como soja, café, suco de laranja e açúcar, além de deter grande representatividade em milho e algodão.

No caso da pecuária, o efeito poupa terra foi ainda mais expressivo. Estimativas realizadas pelo Insper Agro Global mostraram que, de 1997 a 2022, houve uma economia de 205,5 milhões de hectares de pastagens. A Embrapa ainda projeta crescimento desta economia de uso da terra, sugerindo a possibilidade de duplicar a produção de carne bovina nas próximas décadas, sem a necessidade de expandir as áreas dedicadas a essa atividade. 

Desde 2004, o Brasil se destaca como líder global na produção de carne bovina, mantendo essa posição, mesmo com cerca de 80% da produção destinada ao mercado interno. No intervalo entre 1997 e 2022, observou-se um aumento expressivo de 101% no abate anual, saindo de aproximadamente 15 milhões em 1997 para 30 milhões de cabeças em 2022. Este aumento foi acompanhado por um acréscimo de 19% no peso total das carcaças, alcançando 267 quilos em 2022, em comparação com os 228 quilos registrados no início dos anos 2000. 

Em contraste a esse crescimento expressivo da produção bovina, o ritmo de aumento da área de pastagem foi muito inferior, atingindo 177 milhões de hectares em 2022, em comparação a cerca de 160 milhões em 1997, segundo LAPIG/UFG. Estes expressivos ganhos de produtividade na pecuária brasileira impulsionaram o crescimento do setor, revelando uma crescente eficiência que demanda cada vez menos expansão sobre novas áreas.

Na última década, o setor agropecuário brasileiro otimizou recursos ao longo de suas cadeias produtivas. Para alcançar o volume de produção agropecuária observado em 2022, seriam necessários adicionais 224 milhões de hectares (soma do efeito poupa terra da agricultura e pecuária bovina brasileira). Esse acréscimo hipotético abrangeria uma área equivalente à soma total dos territórios de Espanha, França, Alemanha, Suécia e Finlândia, ilustrando o impacto significativo das melhorias tecnológicas e de gestão na agricultura e pecuária nacionais.

Para alcançar estes resultados de economia de uso da terra, o setor agropecuário brasileiro tem adotado uma série de tecnologias e políticas que contribuem significativamente para o efeito poupa-terra e aumento de produtividade observado nas últimas décadas. Essas iniciativas incluem o desenvolvimento de culturas adaptadas às condições locais, a implementação de múltiplas safras anuais, e a integração de práticas como a Integração-Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF), o Sistema de Plantio Direto (SPD), a Fixação Biológica de Nitrogênio (FBN) e a agricultura de precisão.

Além disso, a contribuição de pesquisas, programas e ferramentas governamentais, como o PronaSolos e o Zoneamento Agrícola de Risco Climático (Zarc), têm sido fundamentais para a economia de terras. Contribuições significativas também vêm do melhoramento genético, do manejo e da nutrição, que otimizam a eficiência do desempenho animal, a taxa de lotação e o uso das áreas de pastagem.

Em meio aos desafios climáticos globais e à crescente demanda por alimentos, a adoção de tecnologias sustentáveis e a busca por um efeito poupa-terra se torna crucial. Políticas públicas como o Plano ABC e o Renovagro são vitais, pois oferecem crédito subsidiado a quem adota práticas sustentáveis, além de incentivar investimentos em produção. Instituições como a Embrapa, que lideram pesquisas em tecnologias agrícolas, e políticas de extensão rural como ATER, são fundamentais para disseminar essas práticas entre os produtores. Além disso, mecanismos de mercado, como certificações e o mercado de carbono, apresentam potencial para remunerar e incentivar agricultores a adotar tecnologias eficientes.

Os indicadores estimados revelam que o efeito poupa-terra está ganhando impulso significativo no Brasil. Para sustentar e ampliar esse crescimento, é fundamental que sejam aplicados os estímulos corretos, incluindo políticas públicas e incentivos de mercado apropriados. Assim, ao solidificar tais ações, o Brasil não apenas avança na sua jornada de sustentabilidade agropecuária,  mas também serve como um modelo internacional, demonstrando que é possível alcançar crescimento econômico juntamente com a preservação ambiental.

 

1 Nota técnica: Estimativa do “efeito poupa-terra”

A estimativa do “efeito poupa-terra” foi calculada neste estudo seguindo a metodologia proposta em Vieira-Filho (2018), que utiliza como referência Martha-Jr, Alves e Contini (2012). Entende-se que estimar o efeito de uma mudança tecnológica ao longo do tempo não é trivial. Mas o cálculo do “Efeito Poupa-Terra” avalia isso de uma maneira simples, com uma comparação temporal, em que as transformações são avaliadas no tempo com variáveis como a produção (em unidades de peso), a quantidade utilizada de terras (em unidades de área) e a produtividade (em peso por área). Calcula-se então a área  que seria empregada em uma situação na qual o avanço tecnológico permanece constante (Vieira-Filho, 2018). 

Sendo: EPT o Efeito Poupa Terra, Pj a produtividade em um período j, Aj é a produtividade parcial da terra e Lj é a área colhida no perído j.  Para maiores detalhes, consultar Vieira-Filho (2018), disponível nas referências.

 

Referências e leituras indicadas:

[1] Telhado, S. F. P., de Capdevile, G. (2021). Tecnologias Poupa-Terra. Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Acesso em: 19/01/ 2024.

Vieira-Filho, J. E. (2018). Efeito poupa-terra e ganhos de produção no setor agropecuário brasileiro. Texto para discussão IPEA. Acesso em: 19/01/2024.

USDA - Departamento de Agricultura dos Estados Unidos. International Agricultural Productivity. Acesso em: 20/03/2024.

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Sistema IBGE de Recuperação Automática - SIDRA. Acesso em: 20/03/2024.

Universidade Federal de Goiás (UFG). Atlas das Pastagens. Acesso em: 20/03/2024.

Alcântara, I. R.; Viera-Filho, J. E. R.; Gasques, J. G. (2021). Farming production in Brazil: innovation and land-sparing effect. Acesso em: 21/03/2024.

Martha-Jr., G. B.; Alves, E.; Contini, E. (2012). Land-saving approaches and beef production growth in Brazil. Acesso em: 21/03/2024.

 

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GLOSSÁRIO

Plano ABC:

Plano ABC é uma iniciativa brasileira que visa promover práticas agrícolas sustentáveis para reduzir emissões de gases de efeito estufa. Lançado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, o plano inclui programas como recuperação de pastagens degradadas, integração lavoura-pecuária-floresta, e sistema de plantio direto. Esses programas visam aumentar a produtividade e a sustentabilidade, reduzindo a necessidade de expansão agrícola sobre áreas naturais, alinhando-se com metas de conservação ambiental e eficiência produtiva. Para mais detalhes, você pode acessar as informações diretamente através deste link.

Renovagro:

É um programa de financiamento oferecido pelo BNDES destinado a apoiar sistemas de produção agropecuária sustentáveis. O objetivo é mitigar os impactos ambientais causados por atividades agropecuárias, financiando produtores rurais e suas cooperativas para implementar práticas mais sustentáveis no campo. O programa busca promover a adoção de técnicas que melhorem a sustentabilidade ambiental, econômica e social das atividades agrícolas. 

Assistência técnica e extensão rural (ATER):

As políticas de ATER no Brasil visam promover o desenvolvimento sustentável do meio rural, oferecendo suporte técnico e gerencial aos agricultores, especialmente pequenos e médios. Estas políticas buscam melhorar a produtividade agrícola, a eficiência econômica e as condições de vida no campo. A ATER inclui serviços como orientação para melhores práticas agrícolas, gestão de recursos, uso de novas tecnologias, e estratégias para agregar valor aos produtos agrícolas.

Produtividade total dos fatores de produção (PTF):

É uma relação entre todos os produtos, expressos por meio de índice, e os insumos utilizados na produção (no caso do agro, comumente considera-se terra, capital e trabalho), também expressos na forma de índice. Tal medida capta o crescimento do produto devido ao uso mais eficiente dos fatores (ou insumos) de produção, indicando, dessa forma, o progresso tecnológico. 

Condições edafoclimáticas:

Características de solo e clima de um local ou região que influenciam o desenvolvimento das plantas. Exemplos incluem composição de solo, relevo, temperatura, umidade do ar, radiação e precipitação.

Integração lavoura, pecuária e floresta (iLPF):

É uma estratégia de produção sustentável que integra atividades agrícolas, pecuárias ou florestais na mesma área, em um processo de sucessão ou rotação, em busca de sinergias entre os componentes do ecossistema agropecuário. A iLPF contribui para a recuperação de solos degradados e a manutenção das áreas, além de melhorar a produtividade. A estratégia pode ser desenvolvida em quatro modalidades: integração lavoura-pecuária (agropastoril), lavoura-pecuária-floresta (agrossilvipastoril), pecuária-floresta (silvipastoril) e lavoura-floresta (silviagrícola).

Sistema de plantio direto (SPD):

O Sistema Plantio Direto (SPD) é o método mais conservacionista de trabalhar a terra para fins agropecuários. Caracteriza-se pela busca incessante da rentabilidade do sistema agrícola produtivo por meio da máxima expressão dos potenciais genético, edáfico e ambiental. A adoção deste sistema de manejo propicia a melhoria da qualidade de solo, água e ar, aumentando e estabilizando a renda da agropecuária.

Fixação biológica de nitrogênio no solo (FBN):

É a conversão realizada por microrganismos de N2 em nitrogênio assimilável pelas plantas (nitrogênio reativo). Este processo é essencial para a manutenção da vida no planeta e é muito estratégico para a agricultura, pois aumenta a fertilidade dos solos (fator limitante nos solos tropicais e subtropicais). O processo também reduz riscos ao meio ambiente devido à redução de emissões de GEE e sequestro de carbono ao elevar o conteúdo de matéria orgânica.

PronaSolos:

É o Programa Nacional de Levantamento e Conservação de Solos, é uma iniciativa do governo brasileiro focada na gestão e preservação dos solos do país. Ele visa realizar levantamentos detalhados e monitoramento da qualidade do solo em todo o território nacional, identificando áreas vulneráveis à degradação e implementando medidas de conservação e recuperação.

Zoneamento agrícola de risco climático (Zarc):

É uma ferramenta de gestão de risco que orienta sobre as épocas de cultivo de espécies agrícolas em que há menor risco de perda de produtividade, por causa de variações espaço-temporais do clima.

Taxa de lotação:

É a relação entre o número de animais e a área ocupada por estes durante certo período. É um indicador que facilita o manejo correto do pasto, já que permite uma estimativa da quantidade de animais por área de pastagem e a estimativa da demanda de alimento por cada animal. 

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