ECONOMIA E COMÉRCIO INTERNACIONAL
O que são perdas e desperdício de alimentos (PDA) e qual é o seu impacto nas cadeias produtivas agroindustriais?
28/05/24 - Aldara da Silva César | Marco Antonio Conejero
Desenvolvimento Social | Logística e Infraestrutura | Meio Ambiente | Política | Segurança Alimentar | Tecnologia
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Executivos de organizações, formuladores de políticas públicas e pesquisadores em todo o mundo têm trabalhado em estratégias de prevenção e mitigação de PDA.
Estima-se que um terço dos alimentos produzidos para consumo humano no mundo seja perdido ou desperdiçado anualmente. São cerca de 1,3 bilhão de toneladas de alimentos, o que significa um prejuízo econômico em torno de US$ 940 bilhões. Não obstante, o crescimento da população pode agravar esse problema, em especial, nos próximos 25 anos. Para atender as projeções de 9,3 bilhões de pessoas em 2050, espera-se um aumento da oferta global de alimentos em torno de 70%.
Desperdiçar comida contribui para a violação de oportunidades para a alimentação de outros, gerando impactos sociais relacionados à segurança alimentar. O desperdício de alimentos colabora, ainda, com os impactos ambientais causados pela ocupação de aterros e emissões de gases de efeito estufa. Assim, a Perda e o Desperdício de Alimentos (PDA) podem comprometer a sustentabilidade das cadeias produtivas agroindustriais (CPA) tendo impactos econômicos, sociais e ambientais significativos.
As várias causas de PDA ocorrem ao longo de toda a CPA. As quantidades desperdiçadas e a natureza dos resíduos variam de acordo com variáveis específicas do país, incluindo o nível de urbanização, tecnologias utilizadas, procedimentos e manuseio de produtos ao longo da CPA, orientação comercial, renda familiar, dietas e estilos de vida e preferências do consumidor. Assim, a redução e mitigação de PDA parece ser um passo essencial no avanço da oferta de alimentos, mas também deve envolver todas as partes interessadas da cadeia.
PDA, segurança alimentar e sustentabilidade não são questões novas, mas ressurgiram recentemente nas agendas governamentais, acadêmicas e empresariais entre as estratégias para alcançar um futuro sustentável. No que diz respeito às PDA, o ODS#12 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU), traz a necessidade de assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis, com as seguintes metas:
12.3 – Até 2030, reduzir pela metade o desperdício de alimentos per capita mundial, nos níveis de varejo e consumidor, e reduzir as perdas de alimentos ao longo das cadeias de produção;
12.5 - Até 2030, reduzir substancialmente a geração de resíduos por meio da prevenção, redução, reciclagem e reuso;
12.6 – Incentivar as empresas, especialmente as empresas grandes e transacionais, a adotar práticas sustentáveis e a integrar informações de sustentabilidade em seu ciclo de relatórios (UN, 2015).
Ainda, outros ODS, como Boa Saúde e Bem-Estar, Energia Acessível e Limpa e Cidades e Comunidades Sustentáveis também estão vinculadas às PDA.
Altos níveis de PDA têm chamado a atenção de organizações, formuladores de políticas e pesquisadores em todo o mundo, que têm envidado esforços para estudar e superar esse problema. A prevenção e mitigação das PDA podem ser efetivamente realizada por meio de programas, políticas e atitudes humanas corretas.
A discussão sobre PDA se torna ainda mais complexa pela dificuldade de padronização das definições dos termos utilizados sobre o tema e indisponibilidade de dados precisos do volume gerado globalmente. Entre as dificuldades de definição, tem-se o uso dos termos “perda” e “desperdício” como sinônimos. Entretanto, geralmente se distingue “perda” de “desperdício” porque as ações de combate a cada um são diferentes.
A perda é, muitas vezes, colocada como a redução involuntária da disponibilidade de alimentos para consumo humano, resultante de ineficiências nas cadeias produtivas, deficiências de infraestrutura e logística, tecnologias de produção obsoletas ou ausentes, incapacidades gerenciais ou técnicas. Já o desperdício, refere-se ao rejeito intencional de itens, principalmente por varejistas e consumidores, e se deve, principalmente, ao comportamento das empresas ou das pessoas. Portanto, o uso do termo desperdício está associado a jusante da CPA, enquanto perda, a montante.
Apesar da importância do tema, não há uma definição única sobre PDA, e as diferentes definições dispostas na literatura dificultam, por sua vez, sua medição, bem como comparação entre as fontes e a eficácia das estratégias de prevenção e mitigação.
Embora seja a oitava economia do mundo e grande exportador de alimentos, o país está entre as nações que mais desperdiçam alimentos, principalmente no varejo e no consumo. No Brasil, 50% dos alimentos são perdidos durante as operações de manipulação e transporte e 30% nas centrais de abastecimento, cuja movimentação conjunta responde por 1,4% do Produto Interno Bruto (PIB).
Já na fase de consumo, cerca de 41 mil toneladas de alimentos por ano são desperdiçadas, fazendo com que o país se posicione entre os dez que mais desperdiçam alimentos no mundo. Estima-se que cada família brasileira jogue fora em média 128,8 quilos de alimentos por ano.
A mensuração das PDA se faz também desafiadora em países em desenvolvimento, já que não possuem uma gestão de resíduos municipal adequada. No Brasil, por exemplo, 46,4 milhões de toneladas (60,5%) dos resíduos sólidos urbanos coletados são dispostos em aterros sanitários, enquanto 29,7 milhões de toneladas (39,5%) são despejados em lixões ou aterros controlados que não possuem o conjunto de medidas necessárias para proteção do meio ambiente e da população. Isso se deve, entre outros motivos, à ausência de políticas eficazes e incentivos que alcancem a população e as empresas privadas.
Quantificar o desperdício de alimentos dentro dos processos ao longo de uma CPA se torna importante para compreender o volume, a localização e os motivos dos itens que são perdidos ou desperdiçados e, com isso, propor ações de correção. No entanto, torna-se complexo desenvolver ações para evitar/reduzir o desperdício quando não se tem informações suficientes sobre a quantidade, as justificativas e o destino dos alimentos. Portanto, um padrão consistente de definições ou uma estrutura de medições e relatórios, torna-se importante para comparar dados dentro ou entre regiões e organizações, e assim tirar conclusões e formular soluções em prol da redução das PDA.
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GLOSSÁRIO
É o conjunto de atividades envolvidas na produção, no processamento e na distribuição de alimentos até chegar ao consumidor final.
São um apelo global para acabar com a pobreza, proteger o meio ambiente e o clima de modo a garantir que as pessoas, em qualquer local, possam desfrutar de paz e de prosperidade.
Segurança alimentar ocorre quando todas as pessoas têm acesso físico, social e econômico permanente a alimentos seguros, nutritivos e em quantidade suficiente para satisfazer suas necessidades nutricionais.
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