ECONOMIA E COMÉRCIO INTERNACIONAL
Qual o impacto da peste suína africana no comércio internacional de carnes?
19/04/23 - Fernanda Kesrouani Lemos | Danilo Keitaro Suda Mazakina
Wenderson Araújo/Trilux - Sistema CNA/Senar
Impacto na segurança alimentar global, fluxos de comércio entre países e melhorias no controle sanitário
Entre 2018 e 2022, a China apresentou casos de peste suína africana (PSA) em seu rebanho comercial. Passados poucos meses da primeira ocorrência, a dinâmica comercial global de carne suína modificou-se expressivamente, dado que a China era, até então, autossuficiente no consumo dessa proteína.
O país liderou as importações mundiais nesse período, atingindo 5,2 milhões de toneladas, e mantém a posição até os dias atuais. Estima-se que 40% do plantel chinês tenha sido eliminado, o que justifica esta mudança em sua balança comercial. Ademais, houve um efeito substituição no consumo, impactando também a demanda das carnes de aves e bovinos.
Embora a ocorrência na China em 2018 tenha impactado significativamente os mercados, a PSA foi primeiramente diagnosticada em 1921, no Quênia, prevalecendo na região subsaariana, daí a origem de seu nome. No entanto, a ocorrência na Península Ibérica, na década de 1970, foi a que ganhou notoriedade. A doença é altamente contagiosa e mortal para animais, mas até hoje não há qualquer registro de infecções em humanos.
A transmissão pode ocorrer de duas formas: via contato direto entre animais doentes (ou vetores biológicos) e animais saudáveis; e de modo indireto, por meio de alimentação e contato com objetos infectados. Após contrair a doença, o animal pode morrer em 6 a 20 dias. O diagnóstico é realizado com amostragens e exames laboratoriais.
A recomendação da Organização Mundial de Saúde Animal (OMSA) em casos de contaminação é o abate sanitário rápido do rebanho, eliminação adequada das carcaças, desinfecção do local e controle da movimentação e trânsito dos animais. Isso deve ser feito para a contenção de novas ondas de contaminação. No entanto, ressalta-se o difícil controle e recuperação de status sanitário uma vez detectada a doença, devido à velocidade e à facilidade no contágio.
A Espanha, 3° maior consumidor e 6° maior produtor de carne suína do mundo, desenvolve desde os anos 1980 um projeto sanitário de combate da doença. O país investiu em sistemas de saúde veterinária, melhorou a sanidade do ambiente produtivo e desenvolveu programas de identificação e de ações rápidas de contingência. Em 1995, a doença foi erradicada no país e a taxa de mortalidade se reduziu para 5%.
Mas há outros países que não vêm obtendo o mesmo sucesso: em 2021, a Polônia notificou 1.190 casos em porcos domésticos e 2.278 em selvagens, chegando em 2023 a contaminar javalis.
O Brasil, 4° maior produtor e exportador de carne suína, não apresenta casos de PSA desde 1984. O país atua principalmente por meio de medidas preventivas, recomendadas pela Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) e pelo Programa Nacional de Sanidade dos Suídeos (PNSS), visto que não há vacinas para a doença. Em 2022, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) publicou o Plano de Contingência para Peste Suína Africana, contendo recomendações sanitárias, de detecção e de controle. Evitar que a doença alcance o país é um compromisso com a produção, o mercado, a segurança do alimento e alimentar.
O surto de PSA na China em 2018 foi uma oportunidade de mercado para vários países, entre eles o Brasil. De 2018 a 2020, as três principais proteínas — aves, suínos e bovinos — apresentaram elevado crescimento em embarques para a China. As exportações de carnes suína e de frango retrocederam após o surto inicial, mas se mantiveram em um patamar mais elevado que no período anterior. Já a carne bovina registrou grande crescimento, que se manteve em 2022.
O surto de PSA colocou a China em estado de alerta quanto a sua segurança alimentar e dos alimentos consumidos no país. A incerteza sobre a situação da epidemia motivou planos de ações preventivas e melhorias sanitárias nos estabelecimentos, com o estabelecimento de uma meta de 95% de autossuficiência produtiva. Porém, não se pode afirmar que um país consiga conter, em curto prazo, um possível novo surto de PSA, devido às características da doença.
A China enfrentou a instabilidade de suprimento interno de carne suína agravada pela elevação de demanda por proteínas per capita, uma consequência positiva devido ao aumento de renda da população. Os efeitos combinados levaram o país a se tornar o maior importador de proteínas durante o surto e permanecer como um importante destino para a carne bovina brasileira. Tais movimentações globais afetam também as relações de troca, comprometendo preços e modificando padrões de consumo em ambos os países. Nesse sentido, a contenção da PSA deve ser um compromisso global, para que uma questão sanitária não comprometa a segurança alimentar de países menos desenvolvidos.
Leituras indicadas:
Associação Brasileira de Proteína Animal. Peste Suína Africana (PSA).
Embrapa Suínos e Aves. Peste Suína Africana (PSA).
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Plano de contingência para Peste Suína Africana.
GLOBO RURAL. Primeiro caso de peste suína nas Américas põe suinocultura do Brasil em alerta.
SCHMIDT, K. African swine fever: How did Spaniards eradicate it?. National Hog Farmer, 26 Mar. 2021.
TAO D. et al., One year of African swine fever outbreak in China. Acta Trop. 2020 Nov; 211:105602. doi: 10.1016/j.actatropica.2020.105602. Epub 2020 Jun 26.
WOAH. African Swine Fever. 2nd ed. [S.l.]: WOAH, 2021.
WOAH. African Swine Fever: Global Situation and Control Measures. [S.l.]: WOAH, 2023.
* Utilize esse material como referência livremente.
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GLOSSÁRIO
É uma doença viral altamente contagiosa que afeta ambos os porcos selvagens e domésticos.
É uma enfermidade que se manifesta e permanece em determinada região, mesmo após o controle de seus surtos.
É qualquer lote de animais, especialmente os voltados para produção de carnes de alta qualidade.
Segurança alimentar ocorre quando todas as pessoas têm acesso físico, social e econômico permanente a alimentos seguros, nutritivos e em quantidade suficiente para satisfazer suas necessidades nutricionais.
É a garantia de que o alimento não oferece risco à saúde do consumidor final quando for preparado e/ou consumido de acordo com o uso pretendido.
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