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CLIMA E MEIO AMBIENTE

Quais os desafios para a rastreabilidade individual dos bovinos no Brasil?

12/05/23 - Camila Dias de Sá | Fernanda Kesrouani Lemos

Meio Ambiente | Comercio Internacional | Sanidade | Tecnologia

Quais os desafios para a rastreabilidade individual dos bovinos no Brasil?

Wenderson Araújo/Trilux - Sistema CNA/Senar

Monitoramento de indiretos, maior fluxo de informações, transparência e qualificação da carne brasileira.

A rastreabilidade individual dos animais é praticada em diversos países, visando o monitoramento do rebanho em torno de uma ou mais finalidades, como por exemplo, controle sanitário ou compliance ambiental. Austrália e Uruguai são frequentemente exemplificados como modelos de rastreabilidade decorrente de esforços públicos e privados. Em ambos, a carne produzida destina-se a mercados denominados “de qualidade”. Outro aspecto que difere da realidade nacional refere-se a dimensão tanto territorial como do tamanho dos rebanhos, que são pouco comparáveis com o contexto brasileiro. 

O Brasil criou um sistema de rastreabilidade em 2002 para atender exigências internacionais motivadas por ocorrência sanitária na União Europeia, a Encefalopatia Bovina Espongiforme (EBE ou BSE) também denominada Mal da Vaca Louca. A ocorrência em diversos países do bloco levou a maiores restrições sanitárias e a exigências de informações de origem nas importações. Assim, o Sistema Brasileiro de Identificação e Certificação de Origem Bovina e Bubalina (SISBOV) foi criado por meio de Instrução Normativa (IN) do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA). No entanto, o mesmo não é obrigatório a todos os produtores, apenas aqueles que exportam para a União Europeia. O SISBOV não foi amplamente adotado em virtude do seu alto custo e necessidade de qualificação para operá-lo.

Além da questão sanitária que emergiu nos anos 2000, as questões ambientais começaram a fazer parte desta pauta a partir das discussões sobre o controle do desmatamento no final da mesma década. Entre compromissos públicos e privados, os termos de ajustamento de conduta (TAC) surgiram para inibir as irregularidades ambientais, especialmente relacionadas ao desmatamento ilegal. Neste sentido, parte da cadeia da pecuária de corte estabeleceu critérios para o cumprimento dos TACs, por meio do Compromisso Público da Pecuária, como a observância do CAR e a ausência de embargos nas propriedades fornecedoras. O intuito é o monitoramento e controle da cadeia, uma vez que é possível averiguar eventuais irregularidades sobre as áreas georreferenciadas e cruzar com dados de trânsito animal por lotes (GTA). 

Ainda que a criação destes instrumentos tenha promovido algum nível de mudança na cadeia, inibindo ações de ilegalidade, o monitoramento por meio de GTA e CAR favorece apenas o fluxo de informações sobre fornecedores que realizam o ciclo completo. Além disso, estes documentos são auto declaratórios e não necessariamente verificáveis pelo governo com a agilidade necessária. Os pecuaristas de cria ou recria, denominados fornecedores indiretos, em geral, localizam-se em regiões de maior risco ambiental, detém rebanhos menores e reduzidos meios para investimentos em infraestrutura geral e conectividade. 

Rastrear e monitorar individualmente animais de fornecedores diretos e indiretos tem benefícios como garantias sanitárias, controle de trânsito animal, transparência e compliance legal. O conhecimento desse fluxo de informações da população bovina brasileira é como ter um CPF de cada animal tornando possível o controle transacional. Ao mesmo tempo, tal mecanismo expõe aspectos sanitários e ambientais, levando ao direcionamento de recursos necessários para regularização legal. Nesse contexto, protocolos privados também podem ser empregados, de modo a revelar atributos relevantes do rebanho.  

Tais protocolos poderiam envolver informações sobre as características dos animais, por exemplo, mês e ano de nascimento, nutrição, vacinas e medicações utilizadas. Estas informações podem ser relevantes para comercialização em mercados que valorizam entender a origem dos alimentos e outros atributos como “criado 100% em pastagem”. No entanto, o uso de informações como essas deve estar amparado por tecnologia que forneça a devida proteção legal aos dados do produtor. Ademais, necessariamente, o desenvolvimento desses atributos requer coordenação por meio de incentivos financeiros diretamente negociados. 

A detenção de bases de dados como essas pode beneficiar o desenvolvimento de mercados e produtos diferenciados por meio da coordenação de sistema de incentivos distribuídos ao longo da cadeia. Mas, para quem está acostumado a transacionar seus lotes apenas com base em volumes e escalas de abate, há percepção de que tais incentivos podem cair à medida que a oferta cresça.

Ao contrário de outros setores que já possuem diversos mecanismos de coordenação eficientes, como é o caso da avicultura brasileira, na pecuária bovina há espaço considerável para aumentar os níveis de transparência e confiança. A rastreabilidade é um mecanismo relevante que precisa ser desenhado de forma a reduzir as distâncias relacionais na cadeia e aumentar a confiabilidade dos dados que o país apresenta, sejam estes sanitários, ambientais ou mesmo outros de interesse dos compradores.  

 

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GLOSSÁRIO

Sistema brasileiro de identificação Individual de bovinos e búfalos (SISBOV):

É o Sistema Oficial de Identificação Individual de Bovinos e Búfalos e de adesão voluntária pelos produtores rurais, exceto quando exigida a sua adesão em ato normativo próprio, ou por controles ou programas sanitários oficiais. No caso de exportadores de carne fresca de bovinos e búfalos para a União Europeia, aderir ao SISBOV e seguir suas diretrizes é exigência imposta por esse Bloco Econômico.

Termo de ajustamento de conduta (TAC):

O Termo de Ajustamento de Conduta é um instrumento utilizado na administração pública brasileira com a finalidade de promover a adequação de condutas tidas como irregulares pela legislação ou contrárias ao interesse público. Celebrado com o violador de determinado direito coletivo, este acordo tem a finalidade de impedir a continuidade da situação de ilegalidade, reparar o dano ao direito coletivo e evitar a ação judicial.

Guia de trânsito animal (GTA):

A Guia de Trânsito Animal é um documento oficial e de emissão obrigatória para o trânsito intradistrital e interestadual de animais para qualquer finalidade (abate, recria, engorda, reprodução, exposição, leilão, esporte e outros). Contém informações de origem e destino dos animais, além de condições sanitárias e finalidade do transporte, entre outras. Não é obrigatória apenas para cães e gatos.

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