Qual é a importância de se rastrear alimentos do ponto de vista sanitário?
20/06/23 - Aldara da Silva César | Marco Antonio Conejero
Imagem e Comunicação | Logística e Infraestrutura | Sanidade | Tecnologia
Adriano Brito - Sistema CNA/Senar
A promoção e coordenação de processos de garantia de qualidade ao longo da cadeia produtiva é fator-chave para a segurança/ sanidade dos alimentos.
A segurança/sanidade dos alimentos tornou-se um grande desafio para os países na última década. O acesso a quantidades suficientes de alimentos seguros, isto é, a segurança alimentar, se mostra cada vez mais intrinsecamente associado à segurança dos alimentos. E esta, por sua vez, depende de sistemas de gestão da qualidade e rastreabilidade.
A recomendação por rastreabilidade dos alimentos também está associada à questão ambiental. Por exemplo, a União Europeia (UE) tem a estratégia Farm-to-Fork (F2F), ou “da fazendo ao garfo” (tradução livre), que exige do Brasil a rastreabilidade dos seus alimentos para poder acessar o exigente mercado europeu. O F2F faz parte do plano europeu de mitigação das mudanças climáticas, o European Green Deal.
Portanto, as razões pelas quais governos e empresas estão interessados na rastreabilidade de alimentos envolve aspectos sanitários, ambientais, de credibilidade e garantia de origem. Sabe-se que estes requisitos de comércio, uma vez atendidos pelas indústrias, podem criar vantagens competitivas frente à concorrência, diferenciar a imagem da empresa perante os consumidores, e estreitar o relacionamento com os fornecedores. Aqui enfocamos a questão de sanidade dos alimentos.
A carga de doenças transmitidas por alimentos e suas mortes associadas é uma preocupação internacional. Alimentos inseguros contendo bactérias, vírus, parasitas ou substâncias químicas nocivas causam mais de 200 doenças, variando de diarréia a câncer. Estima-se que, anualmente, 600 milhões – quase 1 em cada 10 pessoas no mundo – adoecem após ingerir alimentos contaminados e 420.000 perdem sua vida.
Não obstante, US$ 110 bilhões são perdidos a cada ano em produtividade e despesas médicas resultantes de alimentos inseguros em países de baixa e média renda. Nesse sentido, as doenças transmitidas por alimentos dificultam o desenvolvimento socioeconômico, sobrecarregando os sistemas de saúde e prejudicando as diversas economias.
O controle de risco de qualidade dos alimentos envolve todos os elos de uma cadeia produtiva agroindustrial (CPA), pois os eventos de risco podem ser causados em qualquer conexão. À medida que as conexões da CPA se expandem globalmente e as operações de distribuição de alimentos exigem distâncias maiores, o controle da segurança dos alimentos requer mais atenção de governos, empresas e consumidores.
Vale destacar que os incidentes relacionados à segurança dos alimentos não apenas resultam em danos à saúde dos consumidores, mas também representam ameaças às marcas e podem prejudicar drasticamente a confiança do consumidor na segurança e qualidade de seus produtos. Assim, não apenas a indústria, mas os governos precisam ser capazes de garantir que a produção de alimentos esteja em conformidade com a legislação vigente.
Nesse sentido, as autoridades de diversos países também passaram a adotar medidas que visam minimizar os riscos de contaminação dos alimentos por meio da criação de normas e regulamentos por órgãos específicos. Esses regulamentos exigem que as informações de segurança do alimento sejam descritas nos rótulos dos produtos por meio de números de identificação rastreáveis durante todo o seu ciclo de vida. A Figura 1 exemplifica uma etiqueta de rastreabilidade do alimento com código alfanumérico e QR-Code.
Figura 1 – Etiqueta para rastreabilidade do alimento
Fonte: Paripassu, 2023.
Há também o exemplo do sistema TRACES (Trade Control and Expert System) da UE , uma plataforma online criada para o cumprimento dos procedimentos administrativos e o envio de informações para a rastreabilidade de produtos agropecuários importados pelo bloco. Dito em outras palavras, trata-se de uma certificação eletrônica sanitária e fitossanitária necessária na importação de alimentos e que facilita o controle da autoridade sanitária de cada país.
Os sistemas de rastreabilidade permitem a identificação de possíveis causas de problemas e a extensão de determinados impactos, permitindo ações rápidas de contenção via, por exemplo, recalls em produtos industrializados, ou descarte de produtos. Ademais, com o desenvolvimento da tecnologia da informação como blockchain, inteligência artificial (IA) e internet das coisas (IoT), os sistemas de rastreabilidade podem transportar dados dos produtos ao longo de seus ciclos de vida, e assim diminuir as preocupações do consumidor ao fornecer informações sobre segurança e qualidade dos alimentos ao longo de toda a CPA.
Do ponto de vista da segurança dos alimentos, é necessário implementar sistemas de rastreamento combinados com procedimentos de garantia de qualidade, como Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle (APPCC), a fim de minimizar as possibilidades de contaminação dos alimentos e identificar rapidamente quaisquer fontes de contaminantes. O APPCC é um método científico usado para identificar, avaliar e monitorar perigos e estimar riscos, e organizações, como o comitê de nutrição da Organização Mundial de Saúde (OMS/FAO), concordam que o APPCC pode garantir que o sistema de gerenciamento de segurança seja mais eficaz.
A implementação prática do APPCC na indústria de alimentos é geralmente uma tarefa estruturada que demanda muitos esforços. Consiste em trabalho diário, que cumpre as normas e exigências regulatórias o tempo todo e em todas as etapas da CPA. O APPCC está baseado na aplicação de sete princípios básicos (Brasil, 2021):
i) Identificar e avaliar os perigos; ii) Determinar os pontos críticos de controle; iii) Estabelecer os limites críticos; iv) Estabelecer os procedimentos de monitoramento; v) Estabelecer as ações corretivas a serem adotadas; vi) Estabelecer os procedimentos de verificação; vii) Estabelecer os procedimentos de registro.
O uso de um sistema baseado em APPCC reduz a possibilidade de contaminação do produto devido a sua abordagem preventiva e por isso deve ser assegurada pelo envolvimento e comprometimento de todos os colaboradores em busca constante de melhorias. Nesse sentido, a segurança dos alimentos deve ser uma preocupação mútua de governo, indústria e consumidores e exige uma coordenação de sistemas e processos de garantia de qualidade junto às CPAs.
Por fim, a comunicação entre os atores é fundamental para que a rastreabilidade se concretize. Isso pode ser feito por meio da tecnologia contida nos diversos sistemas de rastreabilidade existentes. De maneira geral, o melhor fluxo da informação entre os agentes, melhora o conhecimento dos pontos críticos de qualidade e sanidade da produção e distribuição do alimento, e por consequência, gera maior e melhor controle, reduzindo os indicadores de ruptura e quebra em cada etapa das CPAs.
Referências e leituras indicadas:
Awuchi, C. G. HACCP, quality, and food safety management in food and agricultural systems. Food & Agriculture 2023, 9, 2176280.
Brasil, 2022. O que é o Sistema APPCC (HACCP).
WHO – World Health Organization. Food Safety, 2022.
Ma, B.; Han, Y.; Cui, S.; Geng, Z., Li H.; Chu C. Risk early warning and control of food safety based on an improved analytic hierarchy process integrating quality control analysis method. Food Control 2010, 108 (7), 106824.
Matzembacher, D. E., Stangherlin, I. D., Slongo, L. A., Cataldi, R. An integration of traceability elements and their impact in consumer’s trust. Food Control, 2018, 92, 420–429.
Okpala, C. O. R.; Korzeniowska, M. Understanding the Relevance of Quality Management in Agro-food Product Industry: From Ethical Considerations to Assuring Food Hygiene Quality Safety Standards and Its Associated Processes (Review). Food Reviews International, 2021. (Open Access)
Stein, C. Rastreabilidade de Alimentos: tudo o que você precisa saber. 2021.
Tao, Q.; Cai, Z.; Cui X. A technological quality control system for rice supply chain. Food Energy Security. 2023;12:e382.
Walker, G. S. Food authentication and traceability: An Asian and Australian perspective. Food Control, 2017, 72, 168–172.
Awuchi, C. G. HACCP, quality, and food safety management in food and agricultural systems. Food & Agriculture 2023, 9, 2176280.
Leonelli, F. C. V., Toledo, J. C. de. Rastreabilidade em cadeias agroindustriais: conceitos e aplicações. Embrapa Instrumentação Agropecuária. Circular Técnica, 33. São Carlos, SP: Embrapa Instrumentação Agropecuária, 2006.7p.
Rocha, C. X. da S.S., César, A. da S., Hernández, C. T., Oliveira, U. R. de, Lizarelli, F.L. Analysis and Selection of Glass Bottle Traceability Technologies in the Beer Production Chain. International Journal Productivity and Quality Management, 2023. In press.
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GLOSSÁRIO
Consiste em um sistema de controle sobre a segurança do alimento mediante a análise e controle dos riscos biológicos, químicos e físicos em todas as etapas, desde a produção da matéria prima até a fabricação, distribuição e consumo.
É o conjunto de atividades envolvidas na produção, no processamento e na distribuição de alimentos até chegar ao consumidor final.
É a sucessão de estágios pelos quais um produto passa, desde seu desenvolvimento até ser colocado no mercado, passando pelas fases de ascensão e posterior queda nas vendas, até a eventual retirada do mercado.
É quando uma empresa vem a público informar que seu produto ou serviço apresenta riscos aos consumidores. Nesse sentido, a empresa recolhe seus produtos, esclarece os fatos e apresenta soluções.
Segurança alimentar ocorre quando todas as pessoas têm acesso físico, social e econômico permanente a alimentos seguros, nutritivos e em quantidade suficiente para satisfazer suas necessidades nutricionais.
É a garantia de que o alimento não oferece risco à saúde do consumidor final quando for preparado e/ou consumido de acordo com o uso pretendido.
É uma tecnologia que permite a criação de registros seguros, auditáveis e imutáveis de transações, armazenados em uma rede descentralizada.
É uma rede de dispositivos eletrônicos conectados à internet, capazes de coletar e transmitir dados de forma autônoma.
É uma tecnologia que permite que os computadores aprendam com dados e possam executar tarefas inteligentes sem intervenção humana.
É a estratégia europeia anunciada em 2020 para uma economia circular, que conta com um conjunto de metas e ações para estimular padrões sustentáveis em toda a CPA até 2030. Esta estratégia também condiciona futuros acordos comerciais com o bloco europeu.
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